Taxa de juros: “pátria financeira” e mídia tratam público como “tolo”

A grande mídia escrita, por meio de manifestações explícitas em editoriais e artigos “especializados”, emitiu uma espécie de consenso orquestrado, com honrosas exceções, à decisão do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (Bacen), reduzindo em meio ponto percentual a taxa básica dos juros, denominada Selic, que incide sobre a dívida pública.

A argumentação exposta na Ata da Reunião do Copom, justificativa à decisão adotada, centra-se em três pontos, todos eles ainda cativos de uma função exclusiva do Bacen de zelar pelas “metas de inflação”: 1) o cenário externo da economia mundial se deteriorou fortemente desde princípio de agosto, o que fez supor tendência à recessão global; 2) a pressão inflacionária primária oriunda das commodities em alta no mercado mundial tende a se extinguir ou a reverter com a recessão externa; 3) outras medidas de caráter fiscal vêm sendo adotadas pelo Ministério da Fazenda para conter eventuais pressões inflacionárias internas.

A decisão do Banco Central, no dizer insuspeito do ex-ministro Delfim Netto, “talvez tenha sido a primeira demonstração em muitos anos de um Banco Central independente perante o sistema financeiro privado, quer dizer, voltar a ser um organismo do Estado brasileiro” (Carta Capital, 14/9/2011, p. 29).

O leitor não especializado em assuntos econômico-financeiros fica atônito diante de tamanha reação a uma decisão aparentemente de rotina da política monetária. Mas aqui é que está o nó da questão. A rotina até então tinha sido, como bem destaca o ex-ministro Delfim Netto, a de acomodar e acompanhar as expectativas forjadas pelo sistema financeiro privado, repercutidas pela grande mídia como se fosse certa “ciência dos mercados”. Neste caso, a decisão foi diferente, porque levou em conta, de maneira pertinente, não apenas aqueles motivos invocados na Ata do Copom, como também certo equilíbrio implícito entre metas de inflação e metas mínimas de crescimento econômico e do emprego, face às previsíveis tendências recessivas do futuro próximo.

Observe-se que na conjuntura econômica em que ora vivemos, a taxa básica de juros, equivalente à nossa Selic, fixada pelo Banco Central norte-americano é de 0,5% ao ano, ou em torno de 1% ao ano as fixadas pelos Bancos Centrais da Europa e do Japão. No Brasil, mesmo depois desta redução, a taxa básica ainda é de 12% ao ano.

Meio ponto percentual que se reduz com juros Selic representa também uma economia apreciável de recursos fiscais, em três megassorvedouros de recursos públicos: a) a Dívida Líquida do Setor Público – de R$ 1,5 trilhão, remunerada à taxa Selic; b) as reservas internacionais em moeda estrangeira, atualmente (fevereiro de 2011) em US$ 307,5 bilhões, cuja remuneração anual é realizada com base na taxa Selic, deduzida a taxa internacional de aplicação; c) as “equalizações” de juros pagos pelo Tesouro aos bancos (diferença entre as taxas de aplicação e a taxa Selic), por conta das concessões de crédito a setores com taxas de juros subvencionadas (Sistema Nacional do Crédito Rural, micro e pequena empresa, setores com tratamento especial do BNDES, rolagem da dívida, etc.).

Mas essa despesa economizada entra na categoria da despesa financeira, portanto, não sujeita aos limites da “austera” Lei de Responsabilidade Fiscal.

O leitor municiado de mais informações sobre economia monetária e financeira certamente lerá editoriais e outros papers de especialistas, com outras lentes, não se deixando ludibriar pelos arautos da pátria financeira.

Finalmente uma pergunta: até quando a grande mídia nos tratará como tolos nessas questões de interesse público geral, como o sejam a política monetária, o sistema de previdência social, o sistema tributário, etc.?

* Guilherme Delgado é economista e membro da Comissão Brasileira de Justiça e Paz.

** Publicado originalmente no site Correio da Cidadania.