Paris, França, 27/2/2015 – Dar às mulheres maior acesso à tecnologia móvel melhoraria a alfabetização, aprofundaria o desenvolvimento e permitiria oportunidades de educação e emprego, segundo especialistas participantes da quarta Semana do Aprendizado Mediante Dispositivos Móveis, que acontece em Paris.
“A tecnologia móvel pode oferecer aprendizado onde não há livros, nem escolas, nem professores. Isto é especialmente importante para as mulheres e meninas que abandonam a escola e precisam de uma segunda oportunidade”, afirmou Phumzile Mlambo-Ngcuka, diretora-executiva da ONU Mulheres.
Essa agência, dedicada a promover a igualdade de gênero e o empoderamento das mulheres, somou forças com sua “irmã”, a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), para organizar a conferência iniciada no dia 23, que termina hoje.
O objetivo do encontro é dar aos participantes um fórum “para aprender e debater sobre programas, iniciativas e conteúdos tecnológicos que estão reduzindo os déficits de gênero na educação”, informou a Unesco. Participantes de mais de 70 países compartilharam as chamadas melhores práticas do setor e apresentaram uma série de iniciativas, incluída a redução de custos no acesso aos serviços móveis em alguns países em desenvolvimento, e dar capacitação e computadores portáteis gratuitamente às mulheres docentes em países como Israel.
“Continua existindo uma brecha de gênero persistente no acesso à tecnologia móvel”, recordou a principal oradora, Cherie Blair, fundadora da Fundação Cherie Blair para as Mulheres e esposa do ex-primeiro-ministro britânico Tony Blair. “Qualquer coisa que fomente a educação das meninas é importante”, afirmou em entrevista à IPS. E é “particularmente importante” que a Unesco e a ONU Mulheres tenham unido suas forças para colaborar e conseguir resultados nessa área, acrescentou.
“Devemos incentivar as mulheres a usarem a tecnologia e também temos que envolver os homens para oferecer apoio”, argumentou Blair. Uma mulher em um país de renda baixa ou média tem 21% menos probabilidades do que um homem de possuir um telefone celular, segundo uma pesquisa à qual se referiu. Na África têm menos 23% de probabilidades, e, no Oriente Médio e sul da Ásia, 24% e 37% menos, respectivamente, apontou.
Blair explicou que, “entre as razões mencionadas pelas mulheres para não terem um celular, estão os custos dos aparelhos e dos planos, a falta de necessidade e o medo de não serem capazes de dominar a tecnologia”.
Entretanto, segundo a União Internacional de Telecomunicações (UIT), os telefones celulares são a “tecnologia mais generalizada e de mais rápida adoção na história”, já que seis bilhões dos sete bilhões de habitantes do planeta têm acesso a eles. Se houvesse paridade de gênero nesse acesso, as mulheres poderiam se beneficiar da tecnologia de diferentes maneiras, incluída a obtenção de informação sobre saúde e outros serviços, segundo os especialistas.
Também poderiam realizar os chamados cursos de massa abertos online, como os oferecidos cada vez mais por universidades e outros centros de ensino. Atualmente, a maioria dos estudantes matriculados nesse tipo de curso é de homens, e muitos deles com renda alta, indicam as pesquisas.
O aprendizado dessa tecnologia por parte das mulheres traria benefícios no futuro, especialmente em matéria de emprego, afirmou Mark West, da Unesco. “Dos empregos no futuro, 90% exigirão conhecimentos em tecnologias da informação e comunicação. Assim, toda ideia que diga que não é social ou culturalmente aceitável que as mulheres utilizem a tecnologia é extremamente perigosa”, ressaltou à IPS.
O fato de 25% menos mulheres do que homens terem acesso atualmente à internet é “alarmante”, pontuou West. É necessário realizar mudanças na educação para que as meninas não fiquem excluídas dos postos de trabalho no futuro, recomendou. “Não é comum nos darmos conta de como o gênero determina nossas percepções sobre a tecnologia. Às mulheres é ensinado desde pequenas a não gostarem da tecnologia, que matemática e ciências não são para elas, e esse é um grande problema”, opinou.
No âmbito universitário, somente cerca de 20% das alunas estudam ciências da informação, e apenas 6% das diretoras de empresas no setor da tecnologia são mulheres, segundo dados da UIT. “Devemos fazer mais para que as mulheres ingressem nesses campos, isto é, nas disciplinas acadêmicas de ciências, tecnologia, engenharia e matemáticas”, afirmou Doreen Bogdan, diretora do Departamento de Planejamento Estratégico e Membros da UIT.
Alguns participantes se referiram a programas atuais para manter o interesse das meninas na ciência, como os acampamentos administrados pela empresa norte-americana de semicondutores Qualcomm, que reúne alunas da sexta série para aprenderem codificação e outros conhecimentos de tecnologia.
“Todas as empresas de tecnologia competem pelo mesmo grupo de talentos e não há mulheres suficientes nesse grupo porque não existem suficientes meninas estudando” nesses campos, explicou Angela Baker, executiva da Qualcomm. “Há um grande número de pesquisas mostrando que, quando se tem mais mulheres no setor, as empresas tendem a ter melhores resultados, assim, temos um interesse próprio em conseguir a participação das meninas e das mulheres”, destacou.
“As meninas avançaram muito em sua educação nos últimos 30 anos, mas “ainda há um longo caminho a percorrer”, segundo os especialistas reunidos na capital francesa, que citaram dados da ONU que mostram que, para cada dez meninos que frequentam a escola, apenas sete meninas o fazem.
Tanto a diretora-geral da Unesco, Irina Bokova, quanto Blair qualificaram a educação como um “elemento indispensável de direitos humanos”, bem como para o desenvolvimento e a segurança. Ambas destacaram que o objetivo de conseguir igualdade de gênero na educação se manterá na agenda de desenvolvimento pós-2015, e que a tecnologia terá um papel importante.
“Empoderar as mulheres e as meninas para que tenham acesso à educação não é uma opção, não é algo bom que precisa ser feito, mas sim algo indispensável”, ressaltou Blair. Envolverde/IPS