As manifestações começaram com a questão dos centavos. Depois tomaram outros rumos, como sabemos.
Mas aqui neste espaço quero retomar a origem, o gatilho inicial que disparou o descontentamento generalizado da população e não me refiro ao aumento das passagens e sim, as precárias condições do transporte público brasileiro.
Uma pesquisa divulgada na semana passada pelo aplicativo de celular Moovit, realizada com usuários de transporte público no Rio de Janeiro, revelou a grande insatisfação das pessoas que fazem uso diariamente de ônibus, vans, metrôs e trens cariocas.
O estudo realizado com 300 pessoas dos 40 mil usuários do aplicativo revelou que, além de gastar 8 horas semanais nos deslocamentos, os cariocas também esperam o correspondente a quatro dias por ano pela chegada dos coletivos.
Mesmo com todo esse tempo de espera, a maior reclamação foi em relação à superlotação, citada 34%, seguida pela incerteza do horário (29%) e os atrasos (17%).
Segundo Pedro Torres, gerente de Desenvolvimento Urbano do ITDP (sigla em inglês da ONG Instituto para Políticas de Desenvolvimento e Transporte), entrevistado pelo jornal Brasil Econômico (edição de 27 de junho), o paulistano perde um pouco menos de tempo esperando pelo transporte coletivo: “apenas” 3 dias por ano, o que corresponde a 25% do tempo total gasto nos deslocamentos em São Paulo. O tempo desperdiçado, de toda forma, se deve à ausência de planejamento.
Atrasos, superlotação, insegurança e altas tarifas. São inúmeros os fatores que contribuem para esse estado de coisas, mas sem dúvida podemos destacar a histórica prioridade dos governantes para solucionar os problemas do transporte individual, ou seja, nossas autoridades e planejadores urbanos enxergaram sempre o carro como a estrela de nossas ruas e avenidas. Uma clara miopia diante da realidade que está longe de ser recente. Um estudo do IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – divulgado em 2011 apontava que 65% da população das capitais fazia uso exclusivamente do transporte público.
A reduzida malha de metrôs em cidades como Rio e São Paulo é um dos principais agravantes a dificultar o deslocamento das pessoas. O gráfico publicado pelo portal Mobilize, é revelador da pouca importância dada ao transporte público ao longo dos anos. Enquanto o metrô paulistano, o maior do país, possui pouco mais de 74 quilômetros de extensão, Xangai na China tem 420 kms, a Cidade do México mais de 200 kms e até mesmo a pequena, se comparada com São Paulo, Santiado, capital do Chile já atingiu mais de 94 quilômetros de metrô. Isso para ficar nas cidades de países em desenvolvimento para que ninguém diga que o problema foi a falta de dinheiro.
Não haverá futuro digno de receber esse nome se não mudarmos radicalmente a visão que temos do significado do transporte e da mobilidade urbana. Enquanto priorizarmos políticas públicas que atendam minorias em detrimento da maioria da população, pouco será possível para que possamos atingir algum nível de equilíbrio civilizatório.
Enquanto as elites da casa grande e a nossa publicidade continuarem a definir o transporte público como “coisa de pobre”, de vender a ideia de que a posse ou não de um carro é uma questão de sucesso ou fracasso pessoal, teremos ainda dificuldades de buscar uma cidade e um país mais sustentável.
Por outro lado, as manifestações estão aí para mostrar que, talvez, a realidade esteja realmente mudando para melhor. Vamos acompanhar.
* Reinaldo Canto é jornalista especializado em Sustentabilidade e Consumo Consciente e pós-graduado em Inteligência Empresarial e Gestão do Conhecimento. Passou pelas principais emissoras de televisão e rádio do País. Foi diretor de comunicação do Greenpeace Brasil, coordenador de comunicação do Instituto Akatu pelo Consumo Consciente e colaborador do Instituto Ethos. Atualmente é colaborador e parceiro da Envolverde, professor em Gestão Ambiental na FAPPES e palestrante e consultor na área ambiental.
** Publicado originalmente no site Carta Capital.