Arquivo

Tempestade em um prato de arroz

Produtores de arroz da Coreia do Sul protestam em Seul contra as novas importações definidas em um acordo com a OMC. Foto: Ahn Mi Young/IPS
Produtores de arroz da Coreia do Sul protestam em Seul contra as novas importações definidas em um acordo com a OMC. Foto: Ahn Mi Young/IPS

 

Seul, Coreia do Sul, 28/4/2014 – O arroz, alimento ancestral e básico da Coreia do Sul, passa por uma crise na qual se misturam hábitos alimentares da modernidade e temores fundados dos agricultores. Para cumprir um compromisso junto à Organização Mundial do Comércio (OMC), o governo deverá decidir até junho o que fazer com as importações de arroz.

As opções são abrir o mercado local a fornecedores estrangeiros ou continuar importando uma cota fixa anual de países como Estados Unidos, China e Tailândia. Abrir o mercado do arroz significa competição para as variedades locais e a segura oposição dos produtores sul-coreanos. Manter a cota implica a entrada de uma enorme quantidade de arroz estrangeiro justamente quando a demanda interna está diminuindo.

Os sul-coreanos já não seguem fielmente a ancestral “dieta camponesa”: uma tigela de arroz, uma sopa de feijão fermentado e as verduras picantes do “kimchi”. As pessoas jantam fora mais frequentemente e optam por outros cardápios. Muitas mulheres que fazem dieta para emagrecer reduzem sua ingestão de arroz. O sul-coreano médio consumia 140 quilos de arroz por ano em 1982. Dez anos depois, esse consumo caiu para 113 quilos, e em 2013 já era de apenas 67,2, segundo dados do Ministério da Agricultura.

Em 1993, quando o governo tentou abrir o setor arrozeiro, dezenas de milhares de agricultores indignados protestaram em todo o país. O lema dessas mobilizações foi: “Abrir o mercado do arroz é como ceder a soberania alimentar do país”. Na época as autoridades prometeram que não liberariam o setor. A OMC concordou que a Coreia do Sul adotasse uma norma de acesso mínimo ao mercado. Em virtude dela, Seul deveria autorizar uma importação fixa de arroz segundo uma cota anual.

Em 1994, o país começou a importar 4% de seu consumo anual. Em 2004, o acordo foi estendido por mais dez anos, com a condição de que a cota aumentasse em 20 mil toneladas cada no. Portanto, o arroz importado passou de 225 mil toneladas em 2005 para 408 mil toneladas em 2014. A quantidade que é importada atualmente equivale a 10% da produção nacional de arroz, que no ano passado foi de 4,23 milhões de toneladas.

Os principais vendedores são China, Estados Unidos e Tailândia, e também se importa da Índia, Vietnã e Camboja. Porém, poucos sul-coreanos compram arroz importado, pois há uma firme preferência pela “deliciosa” variedade local. A maior parte do arroz importado é adquirida pelas indústrias alimentícias e de licores, mas também estas dependem crescentemente do arroz sul-coreano, porque é o preferido dos consumidores.

O acordo de Seul com a OMC expirará no final deste ano. Em junho o governo deverá decidir, e notificar a organização em setembro. É muito pouco provável que esta permita à Coreia do Sul continuar protegendo seu mercado do arroz. “Se abrirmos, tentaremos impor uma tarifa de 300% a 500% sobre o arroz importado. Então a diferença de preços será tão grande que a abertura não afetará nossos agricultores”, disse à IPS um alto funcionário do Ministério da Agricultura.

Essa proposta deve ser ratificada pela OMC. “A questão crucial será até quanto se pode elevar a tarifa sobre a importação de arroz”, pontuou o ministro da Agricultura, Lee Dong-Pil, em entrevista coletiva no mês passado. Atualmente o arroz nacional é vendido a US$ 162 por gamani (80 quilos). Se a Coreia do Sul importar a custos entre US$ 56 e US$ 65 por gamani e impuser a tarifa de 400%, o preço do alimento importado chegaria a US$ 280 por gamani.

“Dessa forma, haverá inclusive menos empresas comprando arroz importado”, afirmou uma alta fonte do Ministério da Agricultura, que pediu para não ser identificada. “Isso explica o motivo de os principais exportadores de arroz, como China ou Estados Unidos, poderem abrigar o secreto desejo de que Seul mantenha o atual sistema de cotas”, acrescentou.

O governo acredita que voltar a acordar uma cota de importações não ajudará o país. “Outra atraso não beneficiará a Coreia do Sul”, destacou Dong-Pil, se referindo às crescentes existências de arroz importado. Contudo, só a menção de abrir o mercado já desatou protestos de agricultores. Centenas de produtores se reuniram, no dia 13 de março, em Seul, para se manifestarem contra a livre importação.

“Enquanto plantamos arroz em nossos campos também semeamos as sementes da preocupação em nosso coração”, dizia um cartaz mostrado na manifestação. Outro dizia: “nunca aceitaremos uma abertura do mercado do arroz”. Nesse país, há 1,15 milhão de agricultores e 494.352 se dedicam ao cultivo de arroz, segundo dados de 2012 do Serviço Coreano de Informação Estatística.

No mês passado, cerca de dez mil agricultores se reuniram diante de um prédio de Seul onde funcionários comerciais da Coreia do Sul e da China estavam reunidos para acordar um tratado de livre comércio que permitiria aumentar o intercâmbio bilateral, reduzindo ou eliminando as tarifas alfandegárias. O líder dos manifestantes, Lee Byong-Gyu, fez, então, a pergunta mais importante: “Se for assinado um acordo de livre comércio com Pequim, como Seul poderá impor uma tarifa de 300% ao arroz chinês?”.  Envolverde/IPS