Roma, Itália, junho/2011 – Tempos atrás, estávamos convencidos de que, quanto mais informação tínhamos, mais conscientes éramos como cidadãos e mais capazes de fazer escolhas bem informadas. Hoje, quanto mais informação temos, mais dúvidas surgem. No fim, em lugar de nos sentirmos mais seguros, nos sentimos mais incertos.
Quero dar alguns exemplos. Não sei quantos recordam que Julian Assange declarou, pouco antes de ser preso pela polícia, que o Wikileaks distribuiria uma documentação completa sobre como um importante banco norte-americano cometera práticas fraudulentas que o levaram à beira da falência, da qual se salvou graças às contribuições estatais. O governo dos Estados Unidos está para concluir seu segundo plano de salvação para os bancos, após o de US$ 750 bilhões da administração Bush. Calcula-se que no mundo foram investidos US$ 2,3 trilhões para salvar o sistema financeiro.
Passaram-se meses, e nada mais se soube sobre este assunto. Certamente, é muito mais prejudicial para os governos uma documentação sobre a responsabilidade do sistema financeiro de uma crise que afetou centenas de milhões de pessoas em todo o mundo (há 40 milhões de novos pobres, segundo a OIT), do que as revelações dos comentários das embaixadas norte-americanas. E nos perguntamos: o que aconteceu com isto?
Agora sabemos muito sobre as práticas fraudulentas e totalmente antiprofissionais que levaram à crise do sistema financeiro. Tanto isto é verdade, que vários bancos pagaram penalidades importantes para evitar processos criminais, que com toda certeza perderiam. Entretanto, nos tradicionais bônus de final de ano o pessoal dos grandes bancos norte-americanos dividiu a módica quantia de US$ 20 bilhões, como se nada tivesse acontecido.
Quando um sistema comete atos ilícitos, que levam à miséria uma parte da humanidade, e forçam uma corrida suicida dos países ricos para combater o déficit fiscal (e não o déficit social), supõe-se que a justiça castigará os responsáveis. Mas, até hoje, quantos funcionários de Wall Street foram incriminados? Um. Repetimos. Exatamente um. Trata-se do jovem francês Fabrice Tourrè, um quadro menor da Goldman Sachs, que pagou multa de US$ 550 milhões para evitar um processo. Tourrè é acusado de “ter criado um fraudulento sistema de venda de hipotecas”. O jovem trabalhava em um setor da Goldman Sachs sob comando de Jonathan Egon, o criador da fraude. A defesa de Tourrè demonstrou que ele era um dos menos importantes em uma equipe de 15 pessoas. O banco o transferiu no ano passado para Londres, onde não quer dar declarações e goza de férias pagas. Não é inevitável perguntar que lógica tem esta história?
Também é inevitável que esta pergunta possa ser vista como um sintoma da tese da inocência bancária que os financistas e seus lobbies tentam instilar na opinião pública: a Grande Recessão que ainda sofremos – afirmam – não teria sido causada pelas estendidas práticas bancárias fraudulentas, mas pelas oscilações do mercado, que fizeram explodir uma bolha financeira. Na especulação desenfreada teriam incorrido apenas contadas exceções como Bernard L. Madoff, que deliberadamente fraudou cerca de US$ 40 bilhões, e que está justamente condenado a mais de dois séculos de prisão. Teríamos, portanto, de nos convencermos de que o sistema financeiro é sólido, são, eficiente e responsável.
Infelizmente, quando se observa o caso Madoff descobre-se que a entidade que cuida desses crimes, a Security Investor Protection Corporation, contratou a empresa de advogados Baker & Hostetler para liquidar as propriedades de Madoff e compensar parcialmente os investidores fraudados. Este escritório, até agora, resgatou US$ 318 milhões, e o juiz Burton Lifland acaba de lhe conceder honorários de US$ 43,2 milhões apenas pelo período de outubro a janeiro deste ano. O liquidador, Irving Picard, cobrou pelos quatro meses US$ 713.799. Como funciona uma justiça que subtrai somas tão ingentes dos legítimos destinatários, ou seja, as vítimas da fraude?
É lamentável que não exista uma resposta, ou, pelo menos, uma informação confiável disponível na mídia, para perguntas como esta, que é apenas uma das dezenas de não esclarecidos comportamentos dos banqueiros e das instituições de vigilância financeira que convergiram para a catastrófica crise recessiva destes anos.
O verdadeiro problema é que o cidadão a cada dia tem menos confiança nas instituições e tende a suspeitar que muitas coisas que são pouco lógicas ou compreensíveis podem ser um complô.
A conclusão é que não precisamos de mais informação, mas de informação melhor e mais confiável. Assim, todos estaríamos com a mente mais tranquila… Envolverde/IPS
* Roberto Savio é fundador e presidente emérito da agência de notícias Inter Press Service (IPS).