TERRAMÉRICA - “O Brasil não precisa de venenos”

O Movimento dos Sem Terra hoje precisa dar respostas a problemas que vão além da reforma agrária, “por isso estamos na agroecologia e na educação”, afirma nesta entrevista o dirigente João Pedro Stédile.

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O ativista João Pedro Stédile fala em um ato público.
Rio de Janeiro, Brasil, 25 de abril de 2011 (Terramérica).- O Brasil pode deixar de ser o primeiro usuário mundial de agroquímicos sem reduzir a produção de alimentos que consome, afirma nesta entrevista o dirigente do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), João Pedro Stédile. As propriedades onde se assentam camponeses como parte da reforma agrária já estão mudando de mentalidade, rumo a uma produção alimentar em harmonia com o meio ambiente, disse Stédile ao Terramérica.

O Brasil, uma potência agropecuária, ocupa há três anos o primeiro lugar em consumo de herbicidas, fungicidas e inseticidas agrícolas. Desde 2006, estava em segundo lugar, atrás dos Estados Unidos, mas, após uma colheita recorde de soja, passou a liderar os países que utilizam mais agrotóxicos. Um estudo da consultoria alemã Kleffmann Group, feito a pedido da Associação Nacional de Defesa Vegetal, que representa os fabricantes de agroquímicos, demonstrou que o brasileiro é o maior mercado para estes produtos.

O setor mobilizou, em 2008, mais de US$ 7 bilhões, enquanto a área cultivada diminuiu 2%. Entretanto, cada agricultor emprega quantidades pequenas comparadas com as de outros países. Em 2007, foram gastos, em média, US$ 87,8 com agrotóxicos por hectare, enquanto na França esse índice foi de US$ 196,7 e no Japão de US$ 851 por hectare. No Brasil estão instaladas fábricas das cinco maiores indústrias mundiais do setor: Basf, Bayer, Syngenta, DuPont e Monsanto.

O MST ampliou sua ação a partir de sua reclamação essencial de reforma agrária. Hoje, reúne 20 mil membros em todo o Brasil e atual junto a 60 mil famílias camponesas que pressionam o governo federal para que distribua terras improdutivas e melhore as condições em que se encontram aquelas que já receberam assentamentos. A seguir, uma síntese da entrevista.

TERRAMÉRICA: O MST deixou de ser um movimento apenas combativo e passou a adotar outros conceitos, como o discurso ecológico e contra o uso de agrotóxicos?

JOÃO PEDRO STÉDILE: Aprendemos, nos últimos dez anos, que não basta ter terra e produzir. É importante produzir alimentos saudáveis. Houve um processo de conscientização dentro do próprio movimento. Pusemos energias na adoção de técnicas de agroecologia para produzir alimentos em equilíbrio com o meio ambiente. Os agrônomos se formam sob a ótica da revolução verde, com uso intensivo de veneno. Tivemos que começar do zero e fazer convênios com universidades para criar cursos de agronomia com uma visão agroecológica. Nos últimos anos, houve um alerta no mundo sobre os agrotóxicos, e foi quando o Brasil passou a ser o país que mais consome venenos agrícolas. Junto ao alerta mundial, o Instituto Nacional do Câncer anunciou que há 40 mil novos casos anuais de câncer de estômago, 50% deles mortais. A origem está nos alimentos contaminados.

TERRAMÉRICA: Os assentamentos de trabalhadores rurais são um meio para reduzir o consumo de agrotóxicos?

JPS: Ainda é possível que vários pequenos produtores rurais em algumas regiões utilizem estes produtos. Contudo, são insignificantes os agricultores assentados que usam venenos. É possível manter a mesma produção agrícola de alimentos que o Brasil consome sem usar nenhum quilo de veneno. Existe conhecimento científico para deixar de usar tais venenos, e há superfície e mão-de-obra para cultivar no Brasil. Esta é a grande contradição do agronegócio. A que não consegue produzir sem veneno é a grande propriedade, porque substituiu a mão-de-obra pela máquina, enquanto a agricultura familiar e a reforma agrária têm esta vantagem.

TERRAMÉRICA: Os assentamentos rurais e as pequenas propriedades podem se contrapor à renovada carestia alimentar?

JPS: Sim, os preços aumentaram nos supermercados devido ao monopólio de empresas que controlam o mercado agrícola mundial. No Brasil, aumentamos a produção a cada ano e ainda assim os preços sobem. Pela lógica do mercado, quando a produção cresce, o preço cai. E isto não ocorre porque os oligopólios que controlam o mercado mundial manipulam os preços, e a economia brasileira fica refém deles. O pequeno agricultor que produz alimentos para o mercado local escapa desse controle.

TERRAMÉRICA: O MST sofre críticas por ter sido cooptado pelo governo de Luiz Inácio Lula da Silva ou de ser muito combativo e violento. Qual é o perfil do MST hoje?

JPS: É um movimento social dinâmico e dentro dele há muitas contradições e problemas na forma de atuar em cada Estado. Na sociedade, cada um vê o MST a partir de seu próprio ponto de vista. Estamos em permanente luta, e depende muito de cada Estado brasileiro. Fazemos marchas, ocupações de fazendas e prédios públicos, mas cada Estado, às vezes, realça um aspecto mais do que outro. Nunca perdemos o controle em nenhuma de nossas ocupações, nem quando ocupamos o Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) e nem a sede do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social). O MST hoje precisa dar respostas e organizar a população diante de outros problemas, por isso estamos envolvidos na agroecologia e na educação.

* O autor é correspondente da IPS.

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Artigo produzido para o Terramérica, projeto de comunicação dos Programas das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) e para o Desenvolvimento (Pnud), realizado pela Inter Press Service (IPS) e distribuído pela Agência Envolverde.