TERRAMÉRICA - Entre a certificação e a maquiagem

Camarão de criadouro. Foto: Photostock

Um esforço para estabelecer regras para a criação industrial do camarão avança entre polêmicas.

Cidade da Guatemala, Guatemala, 12 de setembro de 2011 (Terramérica).- A indústria do camarão, uma das mais destrutivas do ecossistema costeiro, caminha para a adoção de pautas com vistas à sua certificação ambiental pelas mãos do Fundo Mundial para a Natureza (WWF). Em 2007, o WWF iniciou os Diálogos da Aquicultura de Camarão com a intenção de criar normas para produtos das fazendas de camarão, destinadas a reduzir seus impactos ambientais. Até 2010, foram realizadas seis rodadas de conversações, duas em Madagascar e as demais em Belize, Equador, Tailândia e Indonésia, com executivos da indústria, organizações não governamentais, acadêmicos e governantes.

Como fruto destas conversações, em dezembro de 2010 nasceu o “Projeto de normas para aquicultura responsável do camarão”, que aborda temas como localização dos criadouros, práticas trabalhistas responsáveis, uso e contaminação da água, biodiversidade e respeito às leis nacionais, entre outros. As normas se baseiam em oito Princípios Internacionais para o Cultivo de Camarões, adotados em 2006 pela Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação (FAO), após 140 reuniões com mais de oito mil participantes e a divulgação de 40 estudos científicos.

Entretanto, ativistas afirmam que a certificação será uma ameaça para o ecossistema marinho costeiro e a subsistência de dezenas de milhares de famílias de pescadores artesanais. “Os planos para certificar a aquicultura industrial estão influenciados pelos interesses da indústria aquícola, e não refletem os desejos das comunidades locais e dos povos indígenas afetados”, disse ao Terramérica o ativista Alfredo Quarto, da Mangrove Action Project, dos Estados Unidos.

Em carta enviada ao WWF no final de 2010, ecologistas de diversas regiões, incluindo Quarto, apresentaram uma lista de preocupações sobre o rascunho, como o risco de “descumprimento de acordos internacionais como o Convênio sobre a Diversidade Biológica e a Convenção Relativa aos Mangues de Importância Internacional”. Também consideram “inaceitável” o uso de soja transgênica ou óleo de palma como alimento dos camarões por considerarem que esses cultivos estão associados a perda de biodiversidade, apropriação de terras e redução de meios de subsistência.

Os ambientalistas afirmam que as perdas econômicas, sociais, culturais e de biodiversidade nas comunidades “não podem ser reduzidas a uma quantia substancial de dinheiro”, e pedem uma moratória dos diálogos até que se leve em conta a participação das comunidades. Quarto também criticou José Villalón, diretor do programa de aquicultura do WWF, “por ter sido diretor de uma empresa acusada de cometer violações trabalhistas e destruir o meio ambiente: a norueguesa Marine Harvest”.

Quarto admitiu que conseguir a sustentabilidade da criação de camarão é apenas uma parte da solução do problema. “Enquanto não diminuir a demanda, a indústria continuará fora de controle”, afirmou. Para Villalón, porém, os padrões para certificar a produção industrial de camarão “são uma ferramenta viável, poderosa e transparente para garantir que os impactos da indústria sejam considerados e reduzidos”, disse ao Terramérica.

Villalón, biólogo especialista em pesca formado pela Universidade de Washington e com ampla experiência na indústria, reconhece que a aquicultura “não desaparecerá”, o que torna necessário certificá-la “para reduzir significativamente seus impactos”, afirmou. O biólogo rechaçou a acusação de que nos debates não participaram as comunidades afetadas. “Não creio que algum outro processo de desenvolvimento de padrões convidou e envolveu representantes do setor indígena como o Diálogo sobre a Aquicultura de Camarão”, afirmou.

Sobre seu trabalho para a Marine Harvest, o diretor do WWF disse que trabalhou 12 anos para uma empresa no Equador, que acabou sendo adquirida pela Marine Harvest. “Minha função era produzir camarão, e a companhia nunca foi acusada de cometer abusos trabalhistas ou ambientais”, afirmou. Segundo ele, o WWF quer garantir que a aquicultura seja bem feita e de forma responsável para reduzir seus danos, “especialmente se os padrões são mensuráveis”.

“Não creio que nenhum outro padrão de aquicultura atenda aos impactos tão rigorosamente como estes. O rascunho contém 86 diretrizes das quais 8% se focam na resolução de impactos nas comunidades ao redor do criadouro e 43% nos impactos sobre os empregados”, explicou Villalón. Porém, as resistências se intensificam quando estas produções se assentam em terras úmidas costeiras ou mangues.

“Vemos isso como uma maquiagem verde que dá à indústria a possibilidade de continuar operando com uma imagem pública mais favorável”, disse ao Terramérica o secretário-executivo da não governamental Redemangue Internacional, Carlos Salvatierra. O informe “A Economia dos Ecossistemas e a Biodiversidade”, de 2009, publicado pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma), apresenta um balanço entre a exploração comercial do camarão e as contribuições do mangue.

A conversão de mangues em fazendas de camarões no sul da Tailândia produziu rendimentos econômicos privados de US$ 1.220 por hectare ao ano, sem levar em conta os custos de reabilitação, de US$ 9.138 por hectare, quando se abandonava a exploração da piscicultura após cinco anos, afirma o relatório citando um estudo de 2007. Entretanto, os benefícios do mangue, sobretudo para os moradores locais, foram estimados em US$ 584 por hectare em produtos florestais coletados, US$ 987 por hectare em áreas de criação das espécies costeiras, e em US$ 10.821 por hectare em proteção diante das tempestades, totalizando US$ 12.392 por unidade.

A aquicultura cresce mais do que qualquer outro setor de produção de alimentos de origem animal, com fornecimento por pessoa que passou de 0,7 quilo em 1970 para 7,8 quilos em 2008, segundo a FAO. E os mangues se desfazem: 35.600 quilômetros quadrados foram perdidos entre 1980 e 2005, principalmente pela conversão direta para a aquicultura, agricultura e usos urbanos da terra.

Jorge Varela, diretor-executivo do Comitê para a Defesa e o Desenvolvimento da Flora e Fauna do Golfo de Fonseca, de Honduras, disse ao Terramérica que a certificação não atende os parâmetros fundamentais como “incluir genuínos representantes dos afetados na discussão”. As normas para certificar a criação de camarões deverão estar prontas até o final deste ano, segundo o WWF.

* O autor é correspondente da IPS

LINKS

Aquicultura aposta em seu século

Indústria de camarões arrasa mangues

Criação de camarão morde a mão que lhe dá de comer, em espanhol

Diálogo sobre a Aquicultura de Camarão – WWF, em inglês

Rascunho do Projeto de Normas para Aquicultura Responsável de Camarão, pdf em espanhol

Mangrove Action Project, em inglês

Sociedade Sueca para a Conservação da Natureza, em inglês

Redemangue Internacional, em espanhol

A Economia dos Ecossistemas e a Biodiversidade – 2009, pdf em espanhol

FAO – O Estado Mundial da Pesca e da Aquicultura 2010, pdf em espanhol

Comitê para a Defesa e o Desenvolvimento da Flora e Fauna do Golfo de Fonseca, em espanhol

Artigo produzido para o Terramérica, projeto de comunicação dos Programas das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) e para o Desenvolvimento (Pnud), realizado pela Inter Press Service (IPS) e distribuído pela Agência Envolverde.