TERRAMÉRICA - Especulação e fraudes

Os mercados de carbono sofrem com especulação e fraudes como as que desataram a crise financeira mundial em 2008. E, além disso, não ajudam a esfriar o clima do planeta.

[media-credit name=”Domínio público” align=”alignright” width=”340″][/media-credit]
Central termoelétrica a linhita em Patnów, Polônia.
Bonn, Alemanha, 20 de junho de 2011 (Terramérica).- Após quase 20 anos de concebida a ideia de pagar para contaminar o clima mediante a compra de bônus comercializáveis, os mercados de carbono não funcionam para reduzir o aquecimento global e são alvo de fraudes e outros crimes financeiros. Os mercados de carbono podem ser facilmente aproveitados pelo crime organizado, alerta a Interpol.

No começo deste ano, US$ 38 milhões em bônus de carbono ricochetearam da República Checa até a Polônia, Estônia e Liechtenstein antes de se esfumaçarem por ação de piratas da informática. Foi o quarto escândalo deste tipo no mercado de carbono da União Europeia. “Um advogado que participou do comércio de carbono me disse que, se estes mercados ainda existirem dentro de dez ou 15 anos, o meio ambiente mundial estará com problemas muito graves”, disse ao Terramérica o analista Steve Suppan, do Instituto de Políticas Agrícolas e Comerciais.

“Os mercados de carbono estão expostos a fraudes, malversações e campanhas enganosas”, alertou Suppan em uma entrevista durante as negociações da Convenção Marco das Nações Unidas sobre a Mudança Climática, que aconteceram entre os dias 6 e 17 deste mês, na cidade alemã de Bonn. Esses sistemas contaram com forte apoio governamental, mas ainda não conseguiram reduzir efetivamente as emissões de gases-estufa, acrescentou o analista, cuja organização se dedica a assuntos comerciais, agrícolas e ambientais.

A mudança climática é causada pela contaminação atmosférica de gases-estufa, como o dióxido de carbono liberado durante a queima de combustíveis fósseis. Há duas formas de enfrentar o problema, ou “mitigá-lo”, segundo o jargão técnico: reduzir a poluição causadora da mudança climática onde ela é gerada, lançando menos dióxido de carbono na atmosfera, ou absorver este gás por meio da vegetação, das árvores e do solo. A última implica reduzir o desmatamento, reflorestar e aplicar práticas agrícolas e de pastagem sustentáveis para manter o carbono ou promover sua absorção.

Para muitos, os mecanismos de mercado são a única via eficaz de mobilizar suficiente capital privado a fim de reduzir as emissões, mas isto não é verdade, disse Jutta Kill, da organização não governamental SinksWatch, com sede na Grã-Bretanha, que investiga e controla projetos de sequestro de carbono. “Existe a presunção de que de nenhuma outra forma poderemos conseguir o dinheiro necessário para a mitigação. E a outra presunção é que o dinheiro é a resposta”, afirmou Kill em Bonn.

No começo dos anos 1990, quando o Protocolo de Kyoto estava em debate nas negociações da Convenção Marco, ninguém queria o mercado dentro de um acordo climático, exceto os Estados Unidos, disse Payal Parekh, cientista e especialista em energia, radicada na Suíça. Contudo, finalmente, a Europa e outros países “fizeram um pacto com o diabo” e o Protocolo (que obriga as nações industrializadas a reduzirem em 5,2% suas emissões entre 2008 e 2012) foi assinado em 1997, contou Parekh ao Terramérica.

Embora os Estados Unidos tenham se negado, mais tarde, a ratificá-lo, em uma completa marcha à ré, os mecanismos de mercado já estavam incorporados e ali ficaram. Trata-se, na realidade, de flexibilidades que permitem aos países industrializados obrigados a reduzir sua contaminação investir em “projetos de economia de emissões” no mundo em desenvolvimento como forma de compensar os gases domésticos que continuam liberando.

O maior destes mercados de compensação de emissões é o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL). Até agora, são quase 3.200 projetos registrados na África, Ásia Pacífico, Europa oriental, América Latina e Caribe. Para reduzir realmente as emissões de gases-estufa, o dinheiro do Norte deve ser investido em projetos limpos que não existiriam sem esses recursos. Isto exige um sistema de verificação independente e de grande perícia técnica, e uma “bola de cristal” para saber se um parque eólico na China seria construído, ou não, sem apoio do MDL, argumentou Parekh.

“São claras as evidências de que não funciona”, acrescentou Parekh. Diferentes estudos estimam que entre 20% e 90% dos projetos registrados no MDL não dão como resultado uma efetiva redução nas emissões. “As nações industrializadas poderiam ter cumprido as obrigações assumidas em Kyoto sem mercados” deste tipo, afirmou. O maior mercado de carbono é o Sistema Europeu de Comércio de Emissões (ETS), responsável por 95% das transações mundiais, que em 2010 chegaram a US$ 144 bilhões.

O ETS, além de ter sido objeto de fraudes – mais de cem pessoas de vários países foram processadas por eles no ano passado –, tampouco destina muitos recursos para reduzir realmente a poluição causadora da alteração climática. Apenas uma pequena fração desse mercado se traduz em fatos, advertiu Kill. O ETS foi mal concebido e tem muitos problemas, como especulação e fraude, concordam Parekh e Suppan. “Vários estudos mostram que não foi o principal motor das reduções de emissões na Europa”, acrescentou Suppan. “Há outras alternativas, por exemplo, o imposto sobre transações financeiras”, afirmou Parekh.

Uma coalizão de organizações sindicais, ambientalistas e de desenvolvimento pediu que os negociadores em Bonn considerassem levar adiante a ideia de um tributo inferior a US$ 0,01 para cada transação financeira. Este imposto arrecadaria entre US$ 200 bilhões e US$ 600 bilhões ao ano, e desestimularia a especulação, explicou Robert Baugh, representante da Federação Norte-Americana do Trabalho – Congresso de Organizações Industriais (AFL-CIO).

“Todos falam da necessidade de um Fundo Verde para o Clima (a fim de ajudar os países em desenvolvimento a enfrentar a mudança climática), mas ninguém quer falar em como pagá-lo”, disse Baugh aos jornalistas. França e Alemanha, e inclusive o Fundo Monetário Internacional, acreditam que o imposto sobre as transações financeiras é uma boa solução, afirmou. “É hora de o setor financeiro fazer o que é certo”, acrescentou.

* O autor é correspondente da IPS.

LINKS

Fundo climático verde “escuro” no México

É preciso ir além do mercado de carbono

Há algo para os pobres no mercado de carbono?

O capitalismo pode ser verde?

O negócio europeu das emissões perversas (I)

O negócio europeu das emissões perversas (II)

Na falta de tratados, buscam-se alternativas

Reduzir fuligem e smog pode estabilizar o clima

Mercado de carbono pisa no freio

Clima: Cada vez mais quente – Cobertura especial da IPS, em espanhol

Protocolo de Kyoto, pdf em espanhol

Instituto de Políticas Agrícolas e Comerciais, em inglês

SinksWatch, em inglês

Federação Norte-Americana do Trabalho – Congresso de Organizações Industriais, em espanhol e inglês

Artigo produzido para o Terramérica, projeto de comunicação dos Programas das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) e para o Desenvolvimento (Pnud), realizado pela Inter Press Service (IPS) e distribuído pela Agência Envolverde.