O uso que se faz no México do financiamento internacional para combater a mudança climática necessita de maior transparência, afirmam ativistas.
Cidade do México, México, 2 de maio de 2011 (Terramérica).- Enquanto o México é anfitrião da negociação sobre um Fundo Verde para o Clima, persistem dúvidas quanto aos créditos milionários que o país recebeu nos últimos anos, sobre se teriam sido aplicados eficazmente para combater o aquecimento e suas manifestações. Na última década, empréstimos de organismos multilaterais, como o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e o Banco Mundial, e dos governos da Noruega e Alemanha entraram nos cofres mexicanos, sem que tenham sido avaliados os resultados ambientais dessa dívida externa.
As metas de redução de emissões de gases-estufa foram aspirações, “pois dependem dos fundos internacionais. Embora estes sejam importantes, não devem ser determinantes para que o México as alcance. Tem recursos e os usa com pouca congruência”, disse ao Terramérica a ativista Sandra Guzmán, do Programa Ar e Energia do não governamental Centro Mexicano de Direito Ambiental. Desde 2009, o BID entregou mais de US$ 400 milhões para iniciativas relacionadas com a mudança climática. Entre 1996 e 2010, o Banco financiou 13 projetos ambientais no valor de US$ 377,4 milhões. De fato, o México é o maior receptor de fundos do BID.
A relação com o Banco Mundial não foi muito diferente. Desde 1999, foram entregues US$ 672 milhões para 43 projetos destinados a desenvolver formas de economia baixa em carbono, eficiência energética, energias renováveis, transporte sustentável e qualidade do ar. “Temos dificuldades para dar seguimento a esses fundos porque a informação não está toda disponível ao público. Não existe uma linha para identificar os resultados dos projetos. Queremos conhecer o destino dos recursos”, disse ao Terramérica Andrés Pirazzoli, advogado da Associação Interamericana para a Defesa do Ambiente (Aida).
O México lança na atmosfera cerca de 709 milhões de toneladas anuais de dióxido de carbono, um dos gases responsáveis pelo aumento da temperatura global. Até 2012, o governo de Felipe Calderón assumiu o objetivo voluntário de reduzir essas emissões em 50 milhões de toneladas por ano. Este país é muito vulnerável às manifestações da mudança climática, como secas intensas, chuvas torrenciais e inundações. Calderón insiste que o México precisa de recursos internacionais para realizar ações de adaptação e mitigação.
Ao final da 16ª Conferência das Partes da Convenção Marco das Nações Unidas sobre Mudança Climática (COP 16), realizada em dezembro no balneário mexicano de Cancún, foi acordada a criação do Fundo Verde para o Clima, com a responsabilidade de dotá-lo de US$ 30 bilhões, em 2012, e de US$ 100 bilhões anuais até 2020. Esses recursos serão destinados a ajudar os países pobres a se adaptar a impactos que são dramáticos e a desenvolver economias baixas em carbono.
O Banco Mundial administrará o Fundo nos três primeiros anos, sob os padrões da Convenção. O acordo também prevê a formação de um Comitê de Transição de 40 membros – 15 países industrializados e 25 em desenvolvimento – que cuidará do projeto do Fundo Verde e dará lugar a um comitê permanente, de 24 membros distribuídos entre nações ricas e pobres, que será responsável pela execução e vigilância do uso dos recursos.
O Comitê de Transição realizou sua primeira reunião, no México, nos dias 28 e 29 de abril. “É preciso reformar o monitoramento quanto ao destino, impacto e aos resultados do financiamento, o que não acontece atualmente”, disse ao Terramérica Mariana González, da área de Transparência e Prestação de Contas da Fundar – Centro de Análises e Pesquisa. Um dos obstáculos no México é a falta de definição precisa sobre o destino do financiamento governamental.
No orçamento de 2001, por exemplo, estão rotulados somente os fundos dos Programas de Mitigação e Adaptação à Mudança Climática e Especial de Mudança Climática, dotados, respectivamente, de US$ 46 milhões e quase US$ 1 bilhão. Estes programas estão tutelados pelo Ministério do Meio Ambiente e Recursos Naturais, e esta rotulagem não aparece nos ministérios de Energia ou de Agricultura, estreitamente vinculados às políticas sobre mudança climática.
“O que falta é como serão aplicados os novos instrumentos. O México precisa aplicar as medidas para reduzir vulnerabilidades. Não há um sistema de transparência no uso de recursos, e nosso temor é que ocorra o mesmo com o novo Fundo Verde”, disse Sandra. No documento “Financiando a Mudança Climática sem Mudar o Clima”, publicado em 11 de novembro de 2010, dez organizações não governamentais analisam a correspondência entre o financiamento internacional e os planos setoriais e federais mexicanos para enfrentar a mudança climática.
Dessa forma, foram encontradas inconsistências, como o alto gasto em energia nuclear e na construção de hidrelétricas, consideradas pouco apropriadas para enfrentar os efeitos do aquecimento global. O setor nuclear federal tem orçamento de US$ 46 bilhões, maior do que os outros setores. No BID são preparados projetos de eficiência energética, no valor de US$ 100 milhões; de desenvolvimento de tecnologias eólicas locais, por US$ 23,6 milhões, e para o desenvolvimento sustentável de Estados e municípios, no valor de US$ 310 milhões.
“Existe o risco de que isto se repita com o fundo climático. Qual será a possibilidade de os cidadãos conhecerem o destino desses fundos? Outro é a localização efetiva, que solucione o problema da mudança climática”, destacou Andrés. A dívida externa mexicana chega a US$ 182 bilhões, uma das mais onerosas da região, segundo o Banco Central do México.
* O autor é correspondente da IPS.
LINKS
Combustíveis fósseis impunes em Cancun
GEF: Dilemas do crédito verde – Cobertura especial da IPS, em espanhol
Clima: Cada vez mais quente – Cobertura especial da IPS, em espanhol
Metas do Milênio – Cobertura especial da IPS, em espanhol
Centro Mexicano de Direito Ambiental, em espanhol e inglês
“Financiando a mudança sem mudar o clima”, em espanhol
Associação Interamericana para a Defesa do Ambiente, em espanhol e inglês
Fundar, Centro de Análise e Pesquisa, em espanhol e inglês
Secretaria de Meio Ambiente e Recursos Naturais, em espanhol e inglês
Banco Interamericano de Desenvolvimento, em português, espanhol, inglês e francês
Banco Mundial – México, em espanhol
Artigo produzido para o Terramérica, projeto de comunicação dos Programas das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) e para o Desenvolvimento (Pnud), realizado pela Inter Press Service (IPS) e distribuído pela Agência Envolverde.