TERRAMÉRICA - Indígenas ainda esperam serem consultados

Chefe de uma família huaorani, armado com suas lanças tradicionais, recebe junto com sua mulher e filhos um grupo de turistas na comunidade de Tigüino, dentro do Parque Nacional Yasuní. Foto: Eduardo Valenzuela g/IPS

A definição de um projeto de lei sobre consulta prévia a povos indígenas, sobre medidas legislativas que os afetam, nunca acaba no parlamento do Equador.

Quito, Equador, 29 de abril de 2013 (Terramérica).- A Constituição do Equador reconheceu em 2008 amplos direitos de povos e nacionalidades indígenas, como a consulta prévia, que lhes dá a oportunidade de incidir em decisões que afetem sua vida. Mas este direito não está plenamente regulamentado, enquanto segue em debate o projeto de Lei Orgânica de Consulta a Comunidades, Povos e Nacionalidades.

O Inciso 7 do Artigo 57 da Constituição garante a “consulta prévia, livre e informada, em prazo razoável, sobre planos e programas de prospecção, exploração e comercialização de recursos não renováveis que estiverem em suas terras e que possam afetá-los ambiental e culturalmente.

O texto constitucional também dá a estas populações direito de “participar dos lucros que esses projetos proporcionarem e receber indenizações pelos prejuízos sociais, culturais e ambientais que lhes causarem. A consulta que deve ser realizada pelas autoridades competentes será obrigatória e oportuna. Se não houve consentimento da comunidade consultada, se procederá conforme a Constituição e a lei”, acrescenta.

A base jurídica da consulta também consta do Convênio 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que o Equador ratificou em 1998, e na Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas, adotada em 2007. Contudo, recentes projetos mineiros e petroleiros colocaram à prova a vontade do governo de respeitar a consulta, e em alerta as organizações indígenas.

No dia 28 de novembro de 2012, centenas de nativos chegaram a Quito para protestar com grandes cartazes porque não houve consulta antes de convocar a XI Rodada de Licitação Petroleira, que colocou à disposição de capitais privados jazidas contendo 1,6 bilhão de barris de petróleo. Nesse momento, Domingo Peas, líder da nacionalidade achuar, assegurou que “o governo diz que fez a consulta prévia, mas isto não é verdade”.

“As consultas realizadas entre os povos e nacionalidades das zonas de influência são nulas porque sua regulamentação não contou com participação dos povos e das nacionalidades indígenas, não foram respeitados seus métodos tradicionais de tomada de decisões e não estavam incluídos procedimentos culturais adequados, como o idioma”, ressaltou Peas. Resumindo, acrescentou: “não são prévias, não são livres, não são informadas e se desenvolveram com má fé”.

O presidente da influente Confederação de Nacionalidades Indígenas do Equador (Conaie), Humberto Cholango, considera que o trabalho das autoridades não é suficiente. “A consulta prévia está pendente, ainda não temos os resultados que desejamos. Precisamos da aprovação da lei, com isso se avançaria muito”, declarou ao Terramérica.

O projeto, de 29 artigos, se refere a consultas sobre medidas legislativas e prevê quatro fases: preparação, convocação pública e inscrição, realização da consulta, análise de resultados e encerramento. Desta forma, o Estado determinará se um projeto de lei afeta os direitos de determinada comunidade e depois a Assembleia Nacional legislativa convocará uma consulta pré-legislativa que será executada por meio do Conselho Nacional Eleitoral.

É crucial que esta norma entre em vigor, porque “garantirá às nacionalidades indígenas sua participação para decidir sobre futuras leis que as afetarem diretamente, e assim se evitará a falta de consenso”, explicou ao Terramérica a legisladora nativa Lourdes Tibán, do esquerdista e opositor movimento Pachakutik.

Uma vez em vigor essa legislação, será possível abordar projetos de maior interesse, como a lei de recursos hídricos, cujo debate é adiado desde 2010, precisamente pela resistência dos povos indígenas, que expõem uma preocupação central: que o que for proposto na consulta pré-legislativa não seja incluído na redação final da lei consultada. O mesmo ocorre com outras iniciativas legais, como a de culturas e a de terras. Daí o ponto central do conflito.

Há um ano o presidente Rafael Correa alertou, em uma de suas mensagens que divulga aos sábados, que as organizações não governamentais “buscam que a consulta prévia seja consulta popular e vinculante; isso significa que para dar qualquer passo teremos que pedir permissão à comunidade”. Correa acrescentou que “isso é gravíssimo, isso não consta dos tratados internacionais, não é velar pelos interesses das maiorias, mas da unanimidade. Seria impossível governar dessa forma”.

Diante dessa afirmação, as organizações indígenas buscaram se blindar, solicitando a organismos como a Comissão Interamericana de Direitos Humanos e a OIT que supervisionem a aplicação da consulta prévia. Na verdade, comunidades indígenas já lançaram mão de alguns desses mecanismos. Em 2003, o povo kichwa de Sarayaku denunciou o Estado perante a Comissão Interamericana de Direitos Humanos por autorizar exploração de petróleo em seu território, sem contar com uma consulta prévia.

A comunidade, localizada na província amazônica de Pastaza, denunciou danos ao seu território, à sua cultura e à economia. Em junho de 2012, o Tribunal Interamericano de Direitos Humanos emitiu uma sentença condenatória contra o Estado. O governo ainda estuda como pagar uma quantia de US$ 1,398 milhão de indenização por danos materiais e imateriais, custas e gastos do processo, e como terminar de ressarcir o dano. Envolverde/Terramérica.

* A autora é correspondente da IPS.

 

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Vozes da terra – Cobertura especial da IPS, em espanhol

Decisão do Tribunal Interamericano de Direitos Humanos – Povo indígena kichwa de Sarayaku versus Equador, pdf em espanhol

Constituição do Equador, pdf em espanhol

Convênio 169 de a Organização Internacional do Trabalho, em espanhol, inglês e francês

Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas, pdf em espanhol

Confederação de Nacionalidades Indígenas do Equador, em espanhol

Conselho Nacional Eleitoral, em espanhol

Comissão Interamericana de Direitos Humanos, em espanhol, português, inglês e francês

Tribunal Interamericano de Direitos Humanos, em espanhol e inglês

 

Artigo produzido para o Terramérica, projeto de comunicação apoiado pelo Banco Mundial Latin America and Caribbean, realizado pela Inter Press Service (IPS) e distribuído pela Agência Envolverde.