TERRAMÉRICA - Mudar exige inteligência e tempo

Mariana Matranga à entrada da Faculdade de Engenharia da Universidade de Buenos Aires. Foto: Juan Moseinco/IPS

Explorar gás e petróleo não convencional pode se mostrar certo em curto e médio prazos na Argentina. Porém, no longo prazo é preciso aumentar o consumo de outras fontes e reduzir o peso dos hidrocarbonos, afirma a especialista Mariana Matranga.

Buenos Aires, Argentina, 2 de julho de 2012 (Terramérica).- A recuperação do controle estatal da empresa petroleira YPF é um avanço estratégico para a Argentina, muito dependente dos combustíveis fósseis. Contudo, é preciso incorporar fontes limpas e isso levará tempo, alerta nesta entrevista a especialista Mariana Matranga. A energia deste país depende em 90% dos combustíveis fósseis, uma realidade que não pode ser ignorada, ponderou Matranga em entrevista ao Terramérica.

“Todos gostamos de viajar de carro, chegar rápido, ligar o ar-condicionado. Cada vez há mais coisas que não se pode fazer sem utilizar baterias. O importante é que a sociedade se dê conta de que nosso modo de vida tem um custo”, afirmou esta engenheira química e pesquisadora da Universidade de Buenos Aires, que trabalhou no setor de hidrocarbonos de Argentina, Bolívia, Canadá e Noruega.

TERRAMÉRICA: O que pensa da decisão de nacionalizar a YPF?

MARIANA MATRANGA: Estou de acordo. Era necessária. Dará ao Estado uma boa ferramenta para atuar sobre uma matriz que, embora não nos agrade, hoje é dominada por fósseis.

TERRAMÉRICA: Acredita que esta maior participação estatal será estratégica?

MM: Sim, porque afeta todos os aspectos da vida. O consumo de energia não é um fim em si mesmo, mas um meio. Com esta decisão, não se está pensando no ganho de uma commodity, mas no bem comum. A energia é o que mantém em funcionamento a economia. Por isso todo o setor é estratégico. A Argentina hoje depende em 90% dos fósseis. Não é meu desejo que os fósseis sejam estratégicos. Gostaria não o fossem. Mas a realidade é que são.

TERRAMÉRICA: E o que se pode fazer para modificar esta realidade?

MM: É uma realidade que precisa ser corrigida enquanto continua funcionando. Mudar a matriz energética implica obras de engenharia que exigem tempo e dinheiro. A matriz é um sistema inercial. É muito difícil modificá-la. O modo de operar sobre elas se dá mediante um plano estratégico de longo prazo.

TERRAMÉRICA: Um governo pode fazer isso?

MM: Um governo deve lidar com a conjuntura. É preciso manter a máquina andando e também trabalhar em um plano para modificar essa situação. Não é fácil nem se faz do dia para a noite. Temos máquinas dos anos 1970 que estão dentro de sua vida útil e com boa manutenção podem continuar sendo usadas nas centrais térmicas. Quando se investe em energia é para 40 ou 50 anos.

TERRAMÉRICA: O que pensa do debate sobre uso da energia que disparou na Argentina depois da nacionalização da YPF?

MM: O importante é que a sociedade se dê conta de que nosso modo de vida tem um custo. Até a energia mais limpa tem impacto. Um parque eólico em meio a uma rota de migração de aves causa impacto. Todos gostamos de viajar de carro, chegar rápido, ligar o ar-condicionado. Cada vez há mais coisas que só se pode fazer usando baterias. Demandamos cada vez mais energia. Ninguém gosta que lhe digam que precisa consumir menos ou baixar seu nível de vida para torná-lo amigável com o meio ambiente. Desde que o homem descobriu o fogo, há impacto e esse impacto será maior se a demanda crescer.

TERRAMÉRICA: Então, como incorporar mais fontes alternativas?

MM: As tecnologias que menos causam impacto são as que exigem maiores investimentos iniciais e, então, é preciso adotar soluções de compromisso. Se me perguntarem, gostaria que toda a energia fosse renovável. Mas, não creio que seja possível. Os governos traçam uma linha de equilíbrio e tomam decisões de compromisso.

TERRAMÉRICA: Neste contexto, acredita que a anunciada exploração de hidrocarbonos não convencionais aumentará ainda mais a dependência dos fósseis?

MM: Os fósseis não são renováveis e é provável que em um curto período sua produção caia. Os não convencionais começarão a ser em cinco anos. Isto não implica necessariamente uma expansão, mas que se manterá a proporção atual.

TERRAMÉRICA: E o custo ambiental da exploração não convencional

MM: Depende de como for feita. A tecnologia não convencional se aplica há pouco tempo no mundo. Utiliza uma quantidade importante de água e, embora 90% saia como vapor, é preciso estudar muito bem a conta hidrológica. Pode-se fazer bem ou fazer mal. Muito depende de quanto se investir.

TERRAMÉRICA: Há estudos internacionais de impactos sobre este tipo de exploração?

MM: Na França está proibida. Mas eles têm uma matriz dominada pela energia nuclear, que não mudará facilmente. Nos Estados Unidos e no Canadá, onde há grande potencial de recursos para extrair de forma não convencional, é onde surgiram as preocupações. No Texas e na Pensilvânia já são exploradas bacias que estão em zonas agropecuárias e densamente povoadas. Já em Nova York, foram suspensas as autorizações para fraturas hidráulicas e só se permite testes científicos para conhecer seu impacto. Isto mostra o novo que é tudo isto e o pouco que se sabe. Nos Estados Unidos, o resultado de um estudo de impacto será conhecido em setembro.

TERRAMÉRICA: Acredita que existe um grande risco nesse campo?

MM: A disposição final da água tratada é um fator importante. Contém os químicos usados na fratura e os que se arrastam do reservatório. E tratá-la tem custos. Pode-se fazer bem, mas é caro. Por isto, é importante regular. Aumentando o investimento se reduz o risco. Mas o risco sempre existe. É preciso pensar se alguém quer corrê-lo, ou não. São decisões políticas. Creio que não é o mais inteligente isso ser tudo o que fazemos. Na Argentina, a exploração não convencional pode se mostrar útil em curto e médio prazos. Mas no longo prazo é preciso aumentar o consumo de outras energias e reduzir o peso dos hidrocarbonos.

* A autora é correspondente da IPS.

 

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Artigo produzido para o Terramérica, projeto de comunicação dos Programas das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) e para o Desenvolvimento (Pnud), realizado pela Inter Press Service (IPS) e distribuído pela Agência Envolverde.