Às cotas científicas de caça de cetáceos defendidas pelo Japão, somam-se reclamações semelhantes com fins de subsistência para comunidades nativas.
Buenos Aires, Argentina, 27 de junho de 2011 (Terramérica).- Os Estados Unidos estão ocupando o lugar do Japão na defesa da caça de baleias, mas, em lugar de pretender que a caça seja tratada cientificamente, o faz sob o guarda-chuva da cota aborígine ou de subsistência. Alertam para isto organizações conservacionistas da América Latina diante da próxima reunião da Comissão Baleeira Internacional (CBI), que acontecerá entre 3 e 5 de julho na britânica Ilha de Jersey.
Criada em 1946 para regular a caça e o comércio de cetáceos, a CBI é integrada por 89 países, incluindo os que reivindicam a exploração dessas espécies e os que mantêm uma postura conservacionista, como o bloco latino-americano. José Truda Palazzo, ex-comissário do Brasil junto à CBI e atual coordenador do projeto Baleia Franca Austral, do Centro de Conservação Cetácea, disse ao Terramérica que a nova ameaça já não vem do Japão, mas dos Estados Unidos.
“Há um grande mal-estar na região porque a delegação norte-americana, que é agressiva e sem capacidade de negociação, tentará em Jersey reviver uma iniciativa que legitime a caça”, afirmou. Esta posição tem uma longa história. Já que as populações de muitas espécies de cetáceos haviam sofrido uma redução radical e estavam em risco, a CBI determinou uma suspensão internacional da caça, que entrou em vigor em 1986. Desde então, o Japão se vale de um artigo da Convenção Internacional para a Regulação da Caça de Baleias, que autoriza a “caça científica”, para continuar capturando.
Organizações ecologistas estimam que o Japão captura cerca de 400 animais por ano, número muito superior ao que se supõe seja necessário para fins de pesquisa, e o faz inclusive em “santuários”, isto é, áreas especialmente protegidas. Os Estados Unidos eram um país líder na conservação baleeira, mas defendia a existência de cotas de subsistência para os aborígines do Estado do Alasca. Em 2002, o Japão fez valer uma maioria de votos na CBI e bloqueou esta cota.
Depois dessa derrota, considerada pelos ambientalistas uma represália japonesa à liderança conservacionista de Washington, os Estados Unidos se mantiveram neutros. No entanto, há três anos seus delegados se tornaram mais favoráveis à caça do que o Japão. Na reunião de 2010 da CBI, realizada em Agadir, no Marrocos, os norte-americanos tentaram aprovar um programa de reformas do organismo que mantinha a moratória, mas propunha cotas de caça e legitimava as capturas japonesas.
Essa proposta fracassou, entre outras razões, pela rejeição maciça da América Latina junto com países como a Austrália. Em Jersey, a delegação dos Estados Unidos, com apoio da Nova Zelândia, voltará à carga. “É um acontecimento muito infeliz, porque os Estados Unidos tinham uma tradição conservacionista e de defesa do uso não letal”, disse José Truda.
Para ele, a mudança de Washington se deve ao fato de “no Norte do Alasca as comunidades tradicionais terem um imenso poder político e mandarem seus delegados às reuniões da CBI, mas não são autênticos esquimós que vão caçar em botes de pele utilizando arpão”. “Possuem tecnologia, subsídios do governo e não caçam por necessidade de subsistência”, assegurou. Em sua opinião, trata-se de um assunto político doméstico dos Estados Unidos, que pretendem “fazer reféns” os demais membros da CBI.
O Grupo de Buenos Aires (GBA), bloco latino-americano na CBI, já adiantou que manterá a rejeição a essa iniciativa. Este grupo é formado por Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, Costa Rica, Equador, Guatemala, México, Nicarágua, Panamá, Peru e Uruguai. A argentina Roxana Schteinbarg, do Instituto de Conservação de Baleias, concorda que a preocupação não está focada no Japão, mas nos Estados Unidos. “Em 2012 se voltará a negociar as cotas aborígines, e pode ser que os Estados Unidos tenham feito agora um acordo bilateral de apoio com o Japão para receber apoio deste país a essas cotas no próximo ano”, disse Roxana ao Terramérica.
Contudo, não só os Estados Unidos defendem essas cotas. Também o fazem Dinamarca, para a Groenlândia; Rússia e, no Mar do Caribe, San Vicente e Granadinas. “Concordamos que haja caça de subsistência, mas cremos que não é o caso da maioria desses países”, acrescentou. Roxana afirmou que, em nações que defendem a cota aborígine, são usados explosivos para capturar animais, e a carne é vendida em supermercados na Groenlândia, por exemplo, o que demonstra que se trata de um uso comercial.
Neste cenário é positivo que o GBA siga buscando uma estratégia comum, que em uma negociação “possa marcar a diferença”, disse Roxana. Na América Latina, a atividade turística do avistamento de baleias cresce sem parar nos últimos 40 anos. Há 18 países da região que a desenvolvem, afirma o “Estado do Avistamento de Cetáceos na América Latina”, publicado em 2008 pelo Fundo Internacional para a Proteção dos Animais e de seu Habitat, pela Global Ocean e a Sociedade para a Conservação das Baleias e dos Golfinhos.
Os delegados do grupo latino-americano vão propor em Jersey mudanças no regulamento da CBI para permitir maior participação da sociedade civil, e voltarão a propor a criação do Santuário Baleeiro do Atlântico Sul, uma iniciativa que ainda não consegue um consenso. Elsa Cabrera, diretora-executiva do Centro de Conservação Cetácea do Chile, disse ao Terramérica que, para ampliar a participação da sociedade civil e empurrar estas iniciativas antes da reunião de Jersey, é feita uma campanha de coleta de assinaturas no site www.cerocazadeballenas.cl.
* O autor é correspondente da IPS.
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Centro de Conservação Cetácea do Chile, em espanhol
Campanha contra a caça de baleias, em espanhol
Estado do Avistamento de Cetáceos na América Latina, pdf em espanhol
Artigo produzido para o Terramérica, projeto de comunicação dos Programas das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) e para o Desenvolvimento (Pnud), realizado pela Inter Press Service (IPS) e distribuído pela Agência Envolverde.