Um delicioso bife de 500 gramas de gado amazônico, produzido com sete mil gramas de dióxido de carbono e sete mil litros de água misturados com arrotos de metano, é a receita ideal da mudança climática.
Belém, Brasil, 19 de setembro de 2011 (Terramérica).- A indústria pecuária é um dos contribuintes mais importantes para o agravamento da mudança climática. A crescente capacidade dos consumidores leva à substituição dos cereais por carne e produtos lácteos na dieta. Esta tendência, combinada com práticas de produção insustentáveis, particularmente na Amazônia brasileira, pode levar ao colapso da selva úmida e dos serviços de equilíbrio ambiental que presta ao planeta.
O informe 2009 da Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação (FAO) diz que a expansão da atividade pecuária responde por 18% das emissões de gases-estufa, e do desmatamento em alguns países, enquanto gera menos de 2% do produto bruto mundial. Esta escassa contribuição ao produto mundial exige, no entanto, 26% das terras livres de gelo para pastagem e 33% das terras agrícolas para produzir o alimento consumido pelo gado.
Há uma forte pressão para duplicar a produção pecuária, que de hoje até 2050 passaria de 228 para 463 milhões de toneladas, elevando a quantidade de cabeças de gado em mais de 73%. Desde a década de 1970, o governo brasileiro fomenta a criação de gado bovino. O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) destina mais de US$ 10 bilhões à indústria da carne, 30% para empréstimos, 60% para aquisições (como as das firmas JBS-Friboi e Marfrig), e 10% para futuras compras.
A tradição de roçar e queimar as terras para roubar áreas para agropecuária da selva amazônica faz o planeta perder o serviço que lhe presta a biodiversidade de suas florestas. Essas práticas liberam na atmosfera enormes volumes do gás-estufa dióxido de carbono. O desmatamento amazônico representa aumento entre 5% e 6% das emissões desse gás-estufa e contribui em 75% para a vasta produção brasileira de carbono na atmosfera.
Até 2009, foram desmatados 74 milhões de hectares, 15% da Amazônia brasileira. Esta área equivale aos territórios de Alemanha, Áustria e Itália juntos e quase em sua totalidade destina-se ao pastoreio. A carne bovina é um alimento saboroso. Mas seu preço final, ainda que alto, não reflete o alarmante custo real de sua produção, já que, para obter um quilo de carne, são liberados 15 mil quilos de dióxido de carbono e exigidos 14 mil litros de água.
A carne da Amazônia é um alimento extremamente caro por seu custo ambiental, social e econômico. A produção de carne bovina amazônica tem impactos sociais, pois gera pouco emprego, e mal remunerado. Em algumas fazendas brasileiras a escravidão e o trabalho infantil ainda são uma prática normal. O traslado da produção pecuária para a Amazônia nos últimos 50 anos não registra antecedentes na história.
Se projetarmos o crescimento do gado no Brasil para os próximos 20 anos, com base no registrado entre 1994 e 2007, teremos 103,7% de bovinos amazônicos em 2030, o que pode produzir o desmatamento de 55% dessa região brasileira. Todos os fatores contradizem o compromisso brasileiro de reduzir suas emissões de gases-estufa. O desafio para os governantes é responder à demanda de carne do mercado sem afetar a igualdade social, o meio ambiente e a saúde pública.
É urgente empreender ações para transformar a cadeia de valor da produção pecuária e de carne. Devemos promover:
– Políticas e regulamentações nacionais e internacionais para obter uma produção social, ambiental e economicamente sustentável;
– A formalização de todas as atividades da cadeia de produção, com ênfase na região amazônica;
– Sistemas de monitoramento que assegurem a implantação das políticas e regulações e contribuam para o cumprimento da lei;
– Políticas sustentáveis e inclusivas que contemplem as necessidades das comunidades rurais tradicionais, camponeses e pequenos produtores, para ampliar sua capacidade de produzir de maneira mais eficiente e sustentável, e para beneficiá-los de uma participação ativa na cadeia de valor da produção pecuária e de carne e nos serviços técnicos e financeiros;
– Criação de consciência em nível mundial entre os consumidores sobre o custo real da carne bovina;
– Criação de consciência ambiental entre as comunidades rurais brasileiras, incluindo-as no monitoramento do impacto da produção de gado em seus meios de vida e diversificando estratégias que valorizem a selva, como a prestação de serviços ambientais e a venda de outros produtos que contribuam para manter a biodiversidade;
– Maior pesquisa para garantir que os estudos sobre a cadeia de valor da indústria incluam o impacto ambiental e econômico em comunidades que sofrem exclusão;
– Estratégias de melhores práticas e tecnologias mais sustentáveis a fim de tornar mais eficiente o uso dos recursos.
* João Meirelles Filho é diretor e Maria José Barney González é consultora do Instituto Peabiru, www.peabiru.org.br/index-.htm, com sede em Belém, Brasil. Direitos exclusivos IPS.
Artigo produzido para o Terramérica, projeto de comunicação dos Programas das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) e para o Desenvolvimento (Pnud), realizado pela Inter Press Service (IPS) e distribuído pela Agência Envolverde.