TERRAMÉRICA – Recessão espanhola respeita economia solidária
Os que se dedicam a promover o comércio justo na Espanha da recessão acreditam que a crise ajuda na reativação da consciência crítica do consumidor. Málaga, Espanha, 4 de junho de 2012 (Terramérica).
Os que se dedicam a promover o comércio justo na Espanha da recessão acreditam que a crise ajuda na reativação da consciência crítica do consumidor.
Málaga, Espanha, 4 de junho de 2012 (Terramérica).- A venda na Espanha de produtos do comércio justo procedentes da América Latina, especialmente alimentos, apenas se ressente pela crise econômica e financeira que castiga os países da União Europeia (UE). “O impacto da crise no comércio justo é diferente conforme o tipo de produto e o canal de distribuição. Afeta menos os artigos da América Latina e a venda em grandes superfícies comerciais”, disse ao Terramérica o responsável pela área de estudos da Coordenadoria Estatal de Comércio Justo (CECJ), Gonzalo Donaire.
A CECJ reúne cerca de 30 organizações vinculadas a este sistema comercial alternativo. Em 2010, o faturamento total dos artigos de comércio justo na Espanha foi de 22,5 milhões de euros (US$ 28,2 milhões), o que representa aumento de 24,2% em relação a 2009 e de 33,6% com relação a 2008, segundo estudo da CECJ, que compila as vendas de suas organizações filiadas e de produtos certificados pela Fairtrade Labelling Organizations International (FLO).
A FLO concede o selo Fairtrade após fiscalizar o cumprimento de uma série de critérios a ser cumprida por parte das organizações de produtores, como pagamento de salário digno e condições de trabalho saudáveis, respeito ao meio ambiente, erradicação do trabalho infantil, igualdade de gênero e reinvestimento no desenvolvimento das comunidades.
Quase 70% das vendas totais do setor no mercado espanhol são artigos de alimentação, especialmente café, açúcar e cacau. Em seguida estão artesanatos (25%), procedentes de 24 países (nove latino-americanos, nove asiáticos, cinco africanos e um do Oriente Médio), segundo o informe O comércio justo na Espanha 2010: Crises, impactos e alternativas, publicado pela CECJ em julho de 2011. Dos 35 países que fornecem alimentos de comércio justo para o mercado espanhol por intermédio de importadores da CECJ, 15 são latino-americanos, nove asiáticos e oito africanos, segundo o informe.
“Notamos muito a queda na venda de artesanato e decoração”, contou ao Terramérica a coordenadora de comercialização da Iniciativas de Economia Alternativa e Solidária (Ideas), Mercedes García. A Ideas é uma cooperativa de comércio justo que trabalha há 20 anos com a América Latina em projetos de cooperação, importando principalmente produtos como açúcar de cana integral ecológica. Este açúcar provém da entidade equatoriana Maquita Cushunchic (Demos as mãos, na língua quechua) – Comercializando como Irmãos, que reúne 400 cooperativas rurais e urbanas, produtoras de alimentos e têxteis, e as capacita para a autogestão comercial e o controle dos recursos.
Enquanto a venda de alimentos pouco sofreu em 2010 com a conjuntura da crise, e inclusive cresceu 0,4%, a de artesanato registrou redução de 44,5%, revela o estudo. Há 20 anos, dois em cada três produtos do comércio justo eram artesanatos. Por outro lado, “desde o começo da década a tendência reflete uma paralisação das primeiras e cada vez mais vendas de alimentos”, explicou Gonzalo. Para Mercedes, a crise econômica favorece o consumo “responsável” dos espanhóis, que gastam menos comendo fora de casa e apostam em uma alimentação mais sadia.
Gonzalo também vê que o descalabro da economia contribui para ampliar a consciência sobre o que se compra. No calor de movimentos como o dos “indignados”, estão surgindo grupos de consumo baseados no comércio justo. “A crise está ajudando na reativação da consciência crítica do consumidor”. A Espanha vive seu maior ajuste no gasto desde a instauração da democracia em 1977, a fim de reduzir o déficit fiscal de 8,5% para 5,3%, com exige a UE para não intervir no país. Contudo, com um desemprego acima dos 20%, o bolso do grosso da população não está para luxos.
Desde 2008, os artigos com certificação FLO chegam às grandes superfícies comerciais, como supermercados, e redes de cafeterias, em detrimento de lojas das organizações e de outros pequenos comércios que, estes sim, notaram os efeitos da crise. “A crise mudou os modos de consumo da população, que prefere comprar em um supermercado e em grandes superfícies comerciais e menos nas lojas de comércio justo das organizações”, explicou Gonzalo, destacando o aumento nas vendas de produtos certificados nestes novos nichos de mercado.
Gonzalo observou que o desafio é determinar se, uma vez superada a crise, as lojas especializadas voltarão a ser o motor de crescimento deste mercado ou se o novo canal das grandes superfícies comerciais chegou para ficar. “Qualquer aumento nas vendas nos parece positivo por representar mais renda”, destacou. No entanto, a comercialização em lojas pequenas apresenta valores agregados, como a sensibilização do tratamento pessoal e a incidência política.
O responsável por acesso a mercados de comércio justo da não governamental Intermón Oxfam, Juanjo Martínez, declarou ao Terramérica que, entre 2007 e 2008, houve uma importante queda das vendas. Porém, nos últimos três anos, “se mantém em cerca de oito milhões de euros anuais” (US$ 10 milhões). As marcas convencionais que decidem incorporar produtos de comércio justo contribuem para dinamizar e compensam a queda das pequenas lojas, observou.
A Intermón Oxfam lançou recentemente na Espanha o café Tierra Madre, produzido por mulheres da cooperativa nicaraguense Aldea Global, que tem um componente adicional por contribuir para que as produtoras obtenham títulos de propriedade das áreas onde produzem. Apesar de tudo, o consumo espanhol de comércio justo foi de quase US$ 600 para cada mil habitantes em 2010, quase dez vezes menos do que a média europeia, de acordo com o estudo da CECJ. Embora as vendas tenham triplicado desde 2000, “temos muito por fazer”, ressaltou Gonzalo.
* A autora é correspondente da IPS.
LINKS
Justiça comercial mostra seus frutos
Recessão desafia o comércio justo
Economia, comércio e desenvolvimento – Cobertura especial da IPS, em espanhol
Coordenadoria Estatal de Comércio Justo, em espanhol
O comércio justo na Espanha 2010: Crise, impactos e alternativas – Informe da CECJ, pdf em espanhol
Fairtrade Labelling Organizations International, em inglês e espanhol
Maquita Cushunchic – Comercializando Como Irmãos, em espanhol e inglês
Artigo produzido para o Terramérica, projeto de comunicação dos Programas das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) e para o Desenvolvimento (Pnud), realizado pela Inter Press Service (IPS) e distribuído pela Agência Envolverde.




