Manter o desenvolvimento sustentável do Lago Titicaca, nos Andes, é uma tarefa que cabe a Peru e Bolívia.
La Paz, Bolívia, 4 de julho de 2011 (Terramérica).- Esforços parciais contra a contaminação do Lago Titicaca conseguiram mais resultados na peruana baía de Puno, enquanto na zona boliviana de Cohana há apenas ações paliativas, afirmam pescadores e autoridades ouvidos pelo Terramérica. O Titicaca é o lago navegável mais alto do mundo, a 3.810 metros de altitude, com 8.562 metros quadrados, sendo 3.790 em território boliviano e 4.772 no peruano. Suas águas azuis são fonte de vida para cerca de 400 mil pessoas que vivem da pesca, da vegetação, usada como alimento do gado, e da ancestral técnica de construção de balsas de totora. Entretanto, o estado de suas águas preocupa os moradores da região de Puno, no extremo sudeste peruano.
Em maio, os moradores aymaras bloquearam por 15 dias a estrada internacional por onde passam os produtos bolivianos rumo ao Oceano Pacífico, em protesto contra as novas concessões de mineração que podem piorar o estado do Titicaca. Seis minas de ouro e urânio peruanas já drenam seus resíduos para o Lago. “Existe um tratamento ineficiente do esgoto e é ultrapassada a capacidade das plantas de purificar a água, devido ao crescimento da população”, disse ao Terramérica o técnico Javier Bojorquez, que lidera um projeto de controle da qualidade hídrica que desde 2009, que leva adiante a organização governamental peruana Suma Quta (Bom Lago, em aymara).
O projeto tem o objetivo de monitorar, com participação da população local, a água dos rios Ramis e Coata, que desembocam no Titicaca, identificar contaminantes e criar estratégias para eliminá-los ou atenuá-los na origem. Estudos de laboratório mostram resíduos fecais com alta presença da bactéria Eschericha coli. Do outro lado da fronteira, os pescadores bolivianos Roberto Villcacuti e Ricardo Chasqui disseram, praticamente ao mesmo tempo, que “não há” nenhum trabalho para limpar as águas do Lago. Líderes de comunidades aymaras das províncias de Camacho e Los Andes, no Departamento de La Paz, retiram do Titicaca pescado e forragem.
As águas são “escuras, gelatinosas, com restos de óxido” e uma permanente ameaça para a vida dos peixes, observaram os pescadores ao Terramérica. Segundo eles, o Rio Suches, que nasce em uma lagoa peruana e corre na direção norte-sul até o Titicaca, é a fonte de resíduos tóxicos e restos de minerais. A queda da pesca é dramática, disse ao Terramérica Valentín Calisaya, morador de Camacho, que ganha a vida com essa atividade. Aos 69 anos, recorda que há três décadas as redes de palha brava capturavam em uma tarefa noturna até 40 quilos de carachi, uma variedade do gênero Orestias.
Hoje, em duas noites de trabalho as redes não pegam mais do que dez peixes. “O Lago mudou, o clima e as pessoas também”, contou Valentín. A extinção de espécies é constatada em um diagnóstico do Projeto de Apoio à Gestão Integrada e Participativa da Água no Sistema Lago Titicaca, Rio Desaguadero, Lago Poopó e Salar de Coipasa, realizado pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) junto com a Autoridade Binacional Autônoma desse sistema hídrico, conhecida pela sigla ALT.
Ali é citado o desaparecimento do umanto (Orestias cuvieri) e da boga (Orestias pentlandii). Outras espécies estão em perigo: o suche (Trichomycterus rivulatus), carachi amarelo (Orestias albus) e o ispi (Orestias ispi), devido à pesca irracional e seletiva, à depredação de espécies introduzidas e à influência da intensa produção dos criadores de trutas. A família de Roberto pesca em uma semana 20 quilos de ispi, que vende por cerca de US$ 3 nos mercados urbanos, devido à necessidade de adquirir outros alimentos que não são produzidos no altiplano, como arroz e macarrão.
O Titicaca é “o ecossistema aquático da região mais estudado há várias décadas”, diz o diagnóstico do Pnuma. No entanto, a contaminação é “preocupante e perigosa”, sobretudo no Lago Menor ou Wiñay Marka, ao qual pertence a boliviana baía de Cohana. Desde que as chancelarias dos dois países acordaram, em outubro de 2006, recuperar em conjunto as zonas mais contaminadas, a ALT dirigiu a limpeza da camada formada pela lentilha de água (Lemna giba), convertida em praga por sua capacidade de assimilar os nutrientes da abundante matéria em decomposição, disse ao Terramérica Néstor Loayza, integrante do Componente de Desenvolvimento Hidrológico da instituição binacional.
A lentilha de água bloqueia a luz do Sol e mata a vida no Lago, explicou Néstor. Na baía de Puno, técnicos e operários apoiados por máquinas retiraram 40 mil toneladas de lentilha de água em uma extensão de 500 hectares, acrescentou. A resposta da natureza foi imediata: voltaram os peixes e as aves, e agora cinco equipes trabalham para injetar oxigênio em grandes profundidades do Lago. A região de Puno possui 1.200 hectares lacustres contaminados com a lentilha de água.
Contudo, na baía de Cohana, do lado boliviano, com cerca de cinco mil hectares afetados, só foram retiradas cinco mil toneladas de Lemna, e está pendente a aprovação pela chancelaria da Bolívia de um projeto de US$ 16 milhões para continuar com a tarefa, segundo Néstor. Porém, a região recebe uma descarga de quatro mil litros por segundo de esgoto residencial e industrial, rico em cádmio, arsênico e chumbo, das cidades de El Alto, Viacha e Laja, onde vivem um milhão de pessoas.
Em Lima, o chefe da Reserva Nacional do Titicaca, Víctor Hugo Apaza, descreveu progressos na conservação de aves e vegetação em razão de um trabalho de conscientização nas comunidades camponesas. Até o momento, sua instituição registrou 109 aves, entre as quais destaca-se o mergulhão do Titicaca (Rollandia microptera), que não pode voar e alimenta-se da flora do Lago. É endêmica da região e há alguns anos esteve em risco de extinção, destacou Victor Hugo ao Terramérica.
Embora a ALT tenha 18 anos de existência, está longe de responder aos desafios ambientais relacionados ao Titicaca. Diante da evidência desta debilidade, em outubro de 2010 os presidentes do Peru, Alan García, e da Bolívia, Evo Morales, acordaram criar uma comissão binacional para preparar, em seis meses, as bases da recomposição institucional, estatutária e operacional da Autoridade. Os seis meses terminaram em abril. “A recente conjuntura no Peru impede terminar os trabalhos no prazo previsto”, admitiu ao Terramérica Luis Felipe Isasi, funcionário do Ministério de Relações Exteriores desse país.
* O autor é correspondente da IPS. Com colaboração de Milagros Salazar (Lima).
LINKS
A verdade do Titicaca está por ser conhecida
A doença do Titicaca, em espanhol
Autoridade Binacional Autônoma, em espanhol
Reserva Nacional do Titicaca, em espanhol e inglês
Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, em espanhol e inglês
Artigo produzido para o Terramérica, projeto de comunicação dos Programas das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) e para o Desenvolvimento (Pnud), realizado pela Inter Press Service (IPS) e distribuído pela Agência Envolverde.