O Protocolo de Kyoto nasceu equivocado: centrou-se no dióxido de carbono e nos mecanismos de mercado. Por isso, fracassou, afirma neste artigo a economista Hazel Henderson.
[media-credit name=”Fabricio Vanden Broek” align=”alignright” width=”340″][/media-credit]Saint Augustine, Flórida, Estados Unidos, 30 de maio de 2011 (Terramérica).- O Protocolo de Kyoto sobre mudança climática expirará no final de 2012. Sua ênfase nas emissões de dióxido de carbono (CO²) e seu programa de venda de bônus de carbono com sede em Londres e em outros centros financeiros estão em xeque. A debacle de Wall Street de 2007-2008, com ajuda dos lobbies dos hidrocarbonos, fez fracassar a aprovação de uma lei nos Estados Unidos sobre esta espécie de troca de emissões de carbono.
Por outro lado, uma ampla fraude na venda de compensações pelas emissões de CO² levou a Interpol a alertar que uma onda de crimes internacionais do “colarinho branco” pode ocorrer em torno destes negócios. Este sistema de troca é um dos mecanismos de descontaminação propostos pelo Protocolo de Kyoto para reduzir as emissões de gases causadores do efeito estufa, que provoca o aquecimento global. As trocas permitem aos países do Norte industrializado investir em projetos de redução de emissões em nações em desenvolvimento em troca do direito de emitirem em seus próprios territórios uma tonelada de CO² para cada bônus.
Estes mercados, no contexto do Protocolo de Kyoto, incluem o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL) para ajudar os países em desenvolvimento a utilizarem tecnologias limpas. Os operadores de Wall Street e de Londres saudaram essas “inovações financeiras” e assumiram o novo negócio. Contudo, as indústrias contaminadoras que estão no Esquema de Comercialização de Emissões se aproveitaram do Protocolo de Kyoto ao seu modo. Pressionaram os governos da União Europeia para autorizarem bônus que inundaram o mercado.
Portanto, em lugar de passar dos combustíveis fósseis para as energias eólica, solar e geotérmica e para a eficiência no consumo, as indústrias poluentes limitaram-se a comprar “compensações” no contexto do MDL para financiar projetos nos países em desenvolvimento. A verificação desses projetos foi quase impossível, pois muitos foram realizados de qualquer maneira.
A maioria das compensações do MDL foi para a China, permitindo que este país desenvolvesse tecnologias solares e eólicas. Agora, os chineses tomaram conta desses mercados de exportação, e deixaram de vender “compensações” para as indústrias europeias contaminantes, que devem se voltar para as tecnologias verdes e comprar seus novos equipamentos na China.
Os economistas promoveram soluções de mercado para a mudança climática no Senado dos Estados Unidos durante os governos de Ronald Reagan (1981-1989) e de Bill Clinton (1993-2001). Sob a influência de economistas conservadores e ambientalistas de elite, se lançaram a privatizar, desregulamentar e promover a globalização do mercado. Os Estados Unidos se impuseram na conferência de 1997 que deu lugar ao Protocolo de Kyoto, e o orientou para o comércio de emissões.
A ênfase nesse gás em detrimento de outros com maior efeito estufa, como o metano ou o óxido nitroso, se deveu, em grande parte, ao fato de os financistas de Wall Street e Londres necessitarem de apenas uma matéria-prima, o carbono, para construir instrumentos comercializáveis. Muitos países em desenvolvimento desconfiavam da conveniência de suas políticas ambientais ficarem subordinadas a distantes escritórios financeiros. Também advertiram que esses novos mercados não eram “livres”, mas criados e administrados por governos que estabeleciam e controlavam os limites das emissões.
Ter consentido que o fundamentalismo de mercado focasse sua atenção no carbono parece, agora, um erro estratégico. Errou-se ao criar mecanismos de limitação e venda de emissões que implicavam também criar burocracias caras e complicadas. Os contaminadores opuseram-se à fiscalização das compensações e dos Certificados de Energia Renovável, dificultando a comprovação da redução ou não dos volumes de emissões de CO².
Os bônus tiveram de ser leiloados, mas rapidamente foram entregues em abundância aos contaminadores, que depois os vendiam com lucro, enquanto os volumes mundiais de contaminação continuavam aumentando. Definitivamente, esse sistema resultou ser menos eficiente do que a aplicação de impostos diretos e regulamentações, como afirmam muitos países em desenvolvimento, ambientalistas, acadêmicos e alguns economistas.
Um “imposto verde” continua sendo a melhor solução. São reduzidos os tributos sobre a renda e as contribuições patronais e taxados todo tipo de contaminação (não apenas de dióxido de carbono), a extração de recursos naturais virgens e o lixo. Lentamente este enfoque está ganhando apoio, inclusive no Congresso dos Estados Unidos, em torno das senadoras Maria Cantwell e Susan Collins.
Ao mesmo tempo, a reconsideração da política sobre o clima avança em informes do Grupo Intergovernamental de Especialistas sobre a Mudança Climática e da Convenção Marco das Nações Unidas sobre a Mudança Climática, junto à Organização Meteorológica Mundial. Estes estudos aconselham enfoques mais amplos sobre as emissões, além do CO², para centrar-se em fuligem, metano, compostos orgânicos voláteis e ozônio.
Assim, poderia ser desacelerado mais rapidamente o aquecimento global. Estas mudanças também enfatizam a energia verde. A aplicação das duas políticas pode levar a bons resultados para a qualidade do ar e tornar viáveis as ações regionais antes de se chegar a novos acordos mundiais.
* Hazel Henderson, economista, presidente do Ethical Markets Media e coautora do Índice de Indicadores de Qualidade da Vida Calvert-Henderson. Direitos exclusivos IPS.
Artigo produzido para o Terramérica, projeto de comunicação dos Programas das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) e para o Desenvolvimento (Pnud), realizado pela Inter Press Service (IPS) e distribuído pela Agência Envolverde.