Mogadíscio, Somália, 25/9/2013 – A somaliana Maryan Yusuf, de 39 anos, está fraca e mal pode se expressar pela dor. Há poucas horas deu à luz um bebê no Hospital Afgooye, onde os medicamentos essenciais diminuem em ritmo alarmante. “É o quarto filho que tenho aqui. Mas já não recebo tanto cuidado e tratamento quanto antes. Estou com dores. Não sei se voltarei a ficar bem”, contou à IPS, deitada em uma cama sem colchão no hospital.
O Hospital Afgooye, na localidade rural de mesmo nome, fica 30 quilômetros a sudoeste de Mogadíscio. É um dos muitos que recebia apoio da organização internacional Médicos Sem Fronteiras (MSF). Graças a essa ajuda, o centro podia dar atenção médica aos residentes de Afgooye e das áreas agrícolas próximas. Porém, já passou quase um mês desde que o MSF abandonou a Somália devido aos constantes ataques que seu pessoal sofria por parte do grupo radical islâmico Al Shabab.
O hospital está ficando sem remédios básicos e vacinas, disse à IPS a enfermeira Aisha Ahmed. A clínica conta com apenas 20 camas, só um médico e sete enfermeiras, mas recebe centenas de pacientes por semana. “Esse é o lugar para onde vem quem precisa de cuidados médicos gratuitos, mas, desde que o MSF partiu e nenhuma agência ocupou seu lugar, não podemos cobrir as necessidades de saúde das pessoas daqui e da periferia”, afirmou.
O MSF foi uma das poucas organizações internacionais a dar assistência sanitária aos somalianos nos últimos 20 anos, enquanto esse país do Chifre da África era açoitado pela guerra civil, pobreza e falta de serviços essenciais. O governo central funciona com recursos financeiros limitados e sob a contínua ameaça do Al Shabab, que lançou vários ataques terroristas em Mogadíscio, apesar de ter sido desalojado de outras cidades importantes do país.
Em entrevista à IPS, o porta-voz presidencial, Abdirahman Omar Osman, afirmou que a Somália enfrenta grandes limitações financeiras. “O governo recebe mensalmente cerca de US$ 3 milhões do porto e do aeroporto de Mogadíscio, mas o orçamento que precisamos para realizar nossas atividades diárias é de pelo menos US$ 20 milhões por mês”, declarou.
Os centros de saúde apoiados pelo MSF ofereciam cuidados primários, tratamento contra desnutrição, cirurgias, campanhas de resposta a epidemias e distribuição de água e outros suprimentos essenciais. Mais de 1.500 pessoas trabalhavam em seus programas de saúde em toda a Somália, incluindo a capital e outras cidades.
“Só em 2012, as equipes do MSF atenderam mais de 624 mil consultas médicas, hospitalizaram 41.100 pacientes, proporcionaram cuidados a 30.090 meninas e meninos desnutridos, vacinaram 58.520 pessoas e fizeram 7.300 partos”, informou a organização em agosto, quando decidiu abandonar a Somália. Médicos somalianos acreditam que a decisão do MSF afetará “centenas de milhares de pessoas”.
Na verdade, o impacto foi imediato, indicou à IPS Mohmaoud Yarow, funcionário da saúde de Mogadíscio. “Posso entender o quanto foi difícil para o MSF abandonar a Somália, mas o efeito de sua retirada é enorme. Com o tempo isto poderá se traduzir em uma crise sanitária mortal”, alertou. Meios de comunicação locais informaram em agosto que combatentes do Al Shabab ocuparam um hospital financiado pelo MSF em Marere, na região de Yuba Médio, e roubaram equipamentos e medicamentos.
Autoridades médicas também alertam que a saída do MSF complica ainda mais o último foco de poliomielite, pois a organização distribuía vacinas contra a doença. No começo deste ano, foi detectada esta enfermidade em várias regiões do país, como a de Puntlandia, no oeste, e também no sul e centro do território. A Organização Mundial da Saúde confirmou 101 casos, e em agosto foi lançada uma campanha de imunização em massa.
O governo disse que “lamenta profundamente” a decisão do MSF, e reiterou seu compromisso de criar condições de segurança para todas as entidades de ajuda internacionais. “É lamentável que a retirada do MSF esteja tendo um impacto na vida dos somalianos”, declarou à IPS o porta-voz do Ministério de Desenvolvimento Humano e Serviços Sociais, Abdelaziz Qafiifores, responsável pelo setor da saúde. “Entendemos as razões, mas a decisão, seja qual for a justificativa, está causando um grande sofrimento na Somália”, acrescentou.
O governo estima que este “vazio crítico deve ser preenchido”, pois do contrário poderá “derivar em uma catástrofe humanitária”. Assim, pediu à comunidade internacional para aumentar seu apoio. Contudo, enquanto essa ajuda não chega, muitos ficam sem atenção médica.
Daahir Owre, um idoso do distrito de Daynile, não conseguiu antibióticos no hospital local para a infecção que sua mulher tem em uma das pernas. As enfermeiras lhe disseram que o hospital estava sem medicamentos. “Não sei o que vou fazer. Caminhei cinco quilômetros para chegar aqui, mas não consegui remédios para minha família”, contou à IPS. Envolverde/IPS