Nova Délhi, Índia, 20/7/2011 – A descoberta, de que os tesouros que jazem nas abóbadas de um antigo templo da Índia podem valer mais de US$ 25 bilhões, coloca sobre a mesa a questão da propriedade da vasta riqueza que possuem os locais sagrados deste país. Quando cinco das seis abóbadas do templo de Padmanabhaswamy, que data do Século 18, foram abertas, no dia 27 de junho, por ordem da Suprema Corte da Índia, os funcionários ficaram espantados diante dos sacos com diamantes, coroas com incrustações de pedras preciosas e cofres transbordando de moedas de ouro.
O templo, localizado na capital do Estado de Kerala, agora é o mais rico do país, superando o popular templo Balaji de Tirupati, no Estado de Andhra Pradesh, que entre outros bens possui três toneladas de ouro. Acredita-se que uma das abóbodas do templo de Padmanabhaswamy, que não foi aberto devido a um complicado mecanismo de fechaduras, contenha a maior parte dos tesouros depositados ali pelos governantes do ex-Estado principado de Travancore.
Ao ser conhecido o volume de riqueza ali guardado, abriu-se a controvérsia sobre quem são seus proprietários. Pertence à família real que governou o agora extinto reino de Travancore ou ao seu sucessor, o Estado de Kerala? Ou, por acaso a uma fundação criada pelos ex-governantes quando terminou o regime colonial britânico, em 1947, dando lugar à união de Estados que se converteu na república indiana?
Considerando que duas abóbadas foram abertas pela última vez há 140 anos, terá alguma influência a Vistoria Arqueológica da Índia, que pode argumentar que o tesouro em questão tem mais de um século? Seema Alavi, professora de história medieval na Universidade de Nova Délhi, disse à IPS que uma solução seria guardar os melhores objetos (coroas incrustadas com gemas e ídolos de ouro sólido, entre outros) em um museu.
“Kerala tem uma longa história de comércio marítimo com os países do Oriente Médio e com o Ocidente, e as moedas acumuladas são um sinal do alcance do comércio”, disse Alavi, referindo-se aos ducados venezianos do Século 7 e a outras raridades numismáticas guardadas nos cofres. Alavi afirmou que o tesouro é claramente parte do patrimônio do povo de Kerala e da Índia. “Seria prático que parte da riqueza fosse investida no bem-estar da população, mas isto é algo que deve ser decidido pela Suprema Corte, porque, obviamente, envolve questões constitucionais”, acrescentou Alavi, autora de “The Eighteenth Century in India” (O Século Dezoito na Índia) e outras publicações.
O assunto foi levado ao máximo tribunal pelo atual chefe da família real de Travancore, Uthradam Thirunal Marthanda Varma, depois que a Suprema Corte de Kerala pediu ao governo estadual que assumisse o controle do templo como sucessor político da família real após a independência. Embora constitucionalmente a Índia seja um país secular, mediante uma série de legislações, o Estado indiano assumiu o controle dos principais templos hindus e passou sua administração aos círculos oficiais.
O controle que várias famílias reais exerceram sobre os templos cessou depois de 1971, quando a Índia legislou para proibir os títulos hereditários e os privilégios principescos, entre eles direito a dinheiro para gastos pessoais do monarca como compensação pela perda de renda estadual ao passá-los à nova união indiana. Entretanto, muitos chefes de famílias reais e seus palácios ainda desempenham um papel em cerimônias e festivais religiosos, bem como em procissões realizadas para perpetuar a tradição.
Seja qual for a decisão da Suprema Corte quanto ao templo de Padmanabhaswamy, é provável que tenha influência nos tesouros que continuam aparecendo em milhares de templos hindus espalhados por todo o país e que sobreviveram a guerras e invasões. Em fevereiro, quando a polícia investigava um roubo no templo de Jagannath, do Século 7, localizado em Puri, no Estado de Orissa, encontrou 18 toneladas de lingotes de prata. Ainda está em disputa a quem pertencem esses lingotes, e uma parte desse tesouro parece ter sido roubada.
Como era de se prever, organizações pró-hinduístas pressionam o governo para garantir que a riqueza encontrada em templos como o de Padmanabhaswamy fique nas mãos de seus fieis. “Embora esteja claro que a riqueza pertence somente ao templo e aos hindus, há certos interesses criados que tentam gerar confusão entre o público com argumentos falsos”, afirma um comunicado divulgado por Bharat Jagran, uma organização hindu internacional. A administração do templo deveria ficar nas mãos de uma fundação integrada por líderes espirituais hindus, chefes da família real, sacerdotes e representantes dos devotos de Padmanabha, acrescenta o comunicado.
Essas cobranças pode ser problemáticas no Estado de Kerala, que entre seus 32 milhões de habitantes tem duas grandes minorias: a cristã (20%) e a muçulmana (25%). O atual governo estadual, liderado pelo ministro-chefe Oommen Chandy, tentou evitar assumir o controle do templo e de seus bens, mas ordenou à polícia que permaneça no complexo para proteger o tesouro.
O jurista V. R. Krishna Iyer disse por telefone à IPS, de Kerala, que “é de interesse público entregar o tesouro a uma fundação nacional e gastá-lo no bem-estar dos pobres”. Iyer, ex-juiz da Suprema Corte e conhecido por seus pontos de vista progressistas, disse ser necessário um enfoque secular, já que o tesouro “não é totalmente hindu, contando com elementos estrangeiros, incluindo doações de diamantes exóticos, ouro sólido, grandes ídolos de prata e outras pedras preciosas”. O melhor para o tesouro é ficar sob controle de “um fiduciário que esteja alheio à religião e a toda denominação particular”, acrescentou Iyer. Envolverde/IPS