Arquivo

Toque de recolher atemoriza civis do norte da Nigéria

O atentado contra um edifício da ONU em Abuja, capital da Nigéria, deixou 23 mortos e 81 feridos no dia 26 de agosto de 2011. Foto: Chris Ewokor/IPS

 

Lagos, Nigéria, 10/6/2013 – Os habitantes dos três Estados do norte da Nigéria onde vigora o toque de recolher vivem atemorizados pelas invasões casa por casa que fazem os militares em busca de terroristas, bem como pelo aumento de preços. A Força-Tarefa conjunta opera nos Estados de Borno, Yobe e Adamawa, desde que o presidente Goodluck Jonathan os colocou em estado de emergência no dia 14 de maio.

A medida foi tomada devido à presença de organizações terroristas, entre elas a Boko Haram, de tendência islâmica, que invadiram algumas cidades da região, onde em seguida retiraram bandeiras nacionais e içaram as suas. A subdiretora de programa para a África da Anistia Internacional, Lucy Freeman, disse à IPS que, além do medo dos ataques da Boko Haram, a população dos Estados afetados sofre violações de direitos humanos por parte das forças de segurança, que estão ali para lhes dar proteção.

“Nas últimas semanas, residentes de Borno disseram à Anistia que aumentaram as detenções em massa na cidade de Maiduguri. Muita gente abandonou suas casas e algumas áreas se converteram em ‘povoados fantasmas’. As escolas públicas fecharam porque os pais têm muito medo de mandar seus filhos estudarem”, contou Freeman. A Boko Haram (“educação ocidental é pecado”, em árabe) luta por um Estado independente no norte da Nigéria, onde imporia a shariá (lei islâmica).

Segundo informe da organização Human Rights Watch, de 2012, o grupo matou quase três mil pessoas desde 2009. O último ataque foi no dia 7 de maio, na cidade de Bama, e deixou 55 mortos. Freeman também denunciou que as investigações da Anistia mostram que os presos não têm acesso ao mundo exterior, não têm contato com advogados, familiares, nem tribunais, e carecem de proteção legal.

“Os suspeitos ou acusados de integrar a Boko Haram não costumam receber explicações do motivo de serem detidos, suas famílias ignoram seus paradeiros e, em geral, não têm direito de falar com um advogado”, afirmou Freeman. “Os detidos sob a acusação de integrar a Boko Haram, responsabilizados por algum delito ou que foram levados a um tribunal desde 2009, em pouquíssimos casos tiveram um processo judicial. A maioria permanece na prisão esperando julgamento”, ressaltou.

Ali Sani fugiu de sua casa em Mubi, uma das maiores cidades do Estado de Adamawa, e agora vive em Kano, a maior do norte da Nigéria. Sani, que se mantém informada sobre o que ocorre em sua cidade, disse à IPS que o toque de recolher, que vigora desde o anoitecer até o amanhecer, prejudica seriamente a atividade comercial. “Um amigo, que veio de Mubi no final de semana, me contou que não havia combates lá, mas que o toque de recolher afeta o comércio e a liberdade de movimento. É impossível se comunicar porque os telefones foram cortados. Os agricultores não podem plantar porque têm medo e os preços dispararam”, detalhou Sani.

O presidente justificou a medida como necessária, por causa da última onda de atividades terroristas, que aumentava os desafios em matéria de segurança no norte nigeriano. Além dos ataques de maio, um atentado suicida cometido em março custou a vida de 41 pessoas, enquanto no mês seguinte um confronto entre combatentes da Boko Haram e o exército deixou 187 mortos e 77 feridos.

Um editor do Estado de Kaduna, que pediu para ser identificado como Rahman, disse à IPS que desde a declaração do estado de emergência foram cortadas as comunicações com Borno, Yobe e Adamawa. “Creio que é uma medida deliberada para bloquear as comunicações entre os membros da Boko Haram e impedir que usem celulares para detonar bombas”, afirmou. “Mas também afetou os usuários civis inocentes, que não podem receber, nem fazer, um telefonema de parentes ou amigos”, explicou à IPS.

Fredrick Fasehun, fundador da Oodua Peoples’ Congress (OPC), no sudoeste da Nigéria, afirmou à IPS que as operações militares na região afetada eram enormes no contexto de um estado de emergência. A OPC é uma organização nacionalista armada do povo yoruba. “Quando se declara o estado de emergência em uma região, as forças armadas têm o dever de manter a lei e a ordem, e sabe-se que os soldados o fazem pela força”, pontuou, em Lagos.

Como fundador da OPC, Fasehun esteve detido várias vezes por liderar um grupo armado ilegal. Segundo o dirigente, devem ser feitos interrogatórios adequados e libertar quem nada tem a ver com a insurgência. Além disso, opinou que os implicados em combates devem ser levados a um tribunal da jurisdição competente.

O advogado e ativista pelos direitos humanos Femi Falana disse à imprensa em Lagos que é a favor do estado de emergência nos três Estados onde foi decretado. Contudo, destacou que, diante dos incessantes ataques terroristas, sequestros, roubos a mão armada e crimes violentos no país, o governo deve deixar de falar que existe segurança pessoal e da propriedade no país. Além disso, exortou Jonathan a agir dentro da Constituição e não dissolver as estruturas democráticas nos Estados afetados pelo estado de emergência. Envolverde/IPS