Varsóvia, Polônia, 23/7/2013 – O único sinal vital do “aeroporto internacional” de Szymany são os mosquitos que se lançam sobre o raro visitante. O portão está fechado com um cadeado e uma corrente enferrujada. A evidência indica que os últimos viajantes que passaram por aqui foram agentes da Agência Central de Inteligência (CIA) dos Estados Unidos e seus prisioneiros. Isso foi em 2003. Pouco depois, este aeroporto, que fica 180 quilômetros ao norte de Varsóvia, no pitoresco bosque de Mazury, foi desativado.
Obrigadas pela lei de liberdade de informação, as autoridades aeronáuticas da Polônia revelaram que pelo menos 11 aviões da CIA aterrissaram em Szymany e que alguns de seus passageiros permaneceram neste país. A Organização Europeia para a Segurança da Navegação Aérea (Eurocontrol) não foi informada sobre esses voos. De Szymany os prisioneiros eram levados para uma academia de inteligência próxima, em Stare Kiejkuty, onde a CIA contava com instalações próprias.
Em 2006, alguns meses depois de ficar conhecido que a Polônia abrigava uma prisão secreta da CIA, o ombudsman (defensor do povo) Janusz Kochanowski visitou o lugar e descobriu que seus pavilhões estavam completamente reformados. Segundo uma fonte de inteligência citada pelo jornal The New York Times, a prisão polonesa foi a mais importante desses locais secretos da CIA, onde supostos suspeitos de terrorismo eram submetidos a interrogatórios com torturas proibidas nos Estados Unidos. A fonte afirmou que a Polônia foi escolhida “porque seus oficiais de inteligência estavam desejosos para cooperar”.
Romênia e Lituânia são outros dois países europeus com prisões secretas conhecidas, mas não confirmadas. As demais estavam na Ásia e no norte da África. Organizações de direitos humanos acreditam que cerca de oito presos permaneceram na Polônia, entre eles Jalid Sheij Mohammad, o paquistanês que confessou ser o cérebro dos ataques terroristas de 11 de setembro nos Estados Unidos. Para outros dois homens, atualmente presos na base militar de Guantânamo, foi reconhecido seu status de “pessoas feridas” no curso da atual investigação.
O primeiro é Abd al-Rahim al-Nashiri, um saudita que supostamente organizou em 2000 a explosão do navio norte-americano USS Cole. Ele denunciou que, nos sete meses que passou em Stare Kiejkuty, seus captores o mantiveram nu, encapuzado e acorrentado, o submeteram a simulações de execução e ameaçaram violar membros de sua família. O segundo, um palestino conhecido como Abu Zubaydah, denunciou que sofreu castigos físicos muito dolorosos, torturas psicológicas e simulações de afogamento.
As autoridades polonesas que aceitaram estas práticas norte-americanas violaram a Constituição ao ceder o controle sobre uma parte do território nacional a um poder estrangeiro e ao permitirem que ali fossem cometidos crimes. As críticas se dirigem principalmente ao atual presidente da opositora Aliança da Esquerda Democrática, Leszek Miller, que foi primeiro-ministro entre 2001 e 2004. Há quem peça que ele seja submetido a um tribunal especial para julgar altos funcionários.
As autoridades abriram uma investigação penal em março de 2008. “Isto indica que na Polônia rege o Estado de direito”, disse à IPS o senador Jozef Pinior. “Porém, é preocupante a demora. O caso já passou por três escritórios de promotores. Parece que tentam ganhar tempo”, alertou. Pinior, um dos dirigentes do movimento opositor Solidariedade, da década de 1980, e mais tarde membro do Parlamento Europeu, há tempos pressiona para que se investigue a fundo o que a CIA fazia neste país e se apresentou como testemunha em duas ocasiões.
Pinior garante ter visto um documento sobre uma prisão da CIA com a assinatura do então primeiro-ministro Miller. “O governo polonês, e Miller em especial, devia saber que a existência desses locais no território nacional não tinham base legal”, pontuou. “Também deveriam saber das torturas. A Polônia não é uma república bananeira, nossos serviços de segurança não fazem tais coisas pelas costas do governo”, acrescentou.
Ainda não está claro quanto as autoridades sabiam sobre Stare Kiejkuty. Alguns ex-funcionários negam com veemência sua existência, enquanto outros a admitem, mas rechaçando toda responsabilidade. “Naturalmente que tudo o que aconteceu foi com meu conhecimento”, disse o ex-presidente Aleksander Kwasniewski (1995-2005) em uma entrevista ao jornal Gazeta Wyborcza.
“O presidente e o primeiro-ministro aceitaram cooperar com os serviços secretos dos Estados Unidos porque assim exigia o interesse nacional. A decisão de cooperar com a CIA trazia consigo o risco de eles usarem métodos inaceitáveis. Mas, se um agente da CIA trata brutalmente um prisioneiro em um hotel da rede Marriott de Varsóvia, você acusaria os diretores do hotel?”, perguntou Kwasniewski.
Até a agora a Polônia é o único país que investiga as prisões secretas. A Lituânia encerrou sua investigação sem chegar a conclusão alguma. Os funcionários asseguram que os atrasos se devem à falta de cooperação do governo norte-americano. Em uma pesquisa feita pela consultoria SW Research em junho, 82% das pessoas entrevistadas disseram que este assunto deve ser esclarecido e 78% afirmaram que os responsáveis por abusos e por violar a Constituição devem ser julgados.
“Nos Estados Unidos se faz vista grossa. Inclusive, se houve torturas não têm vontade de ir atrás dos criminosos. Portanto, a Polônia tem uma enorme responsabilidade em prosseguir a investigação e encontrar os culpados. Seria um exemplo inspirador para o resto do mundo”, disse à IPS o advogado Ramzi Kassem, defensor de vários presos de Guantânamo. Kassem acrescentou que, do contrário, a Polônia se mostrará como um “governo títere, pronto para fazer o trabalho sujo dos Estados Unidos, tal como faziam na época Jordânia, Egito e outras ditaduras, detendo e torturando gente porque Washington pedia”.
Embora nenhum dos grandes partidos políticos da Polônia queira que saia à luz a cooperação com a CIA, o senador Pinior se manifesta “cautelosamente otimista”. Segundo ele, “qualquer tentativa de encobrimento seria uma enorme vergonha. Creio que a democracia e as instituições polonesas são muito fortes para serem manipuladas”. Envolverde/IPS