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TPI questionado por se voltar apenas à África

Phakiso Mochochoko, representante do escritório do promotor do TPI, fala aos membros do Conselho de Segurança da ONU. Foto: UN Photo/Rick Bajornas

Nova York, Estados Unidos, 23/10/2012 – Países membros da Organização das Nações Unidas (ONU) se queixaram do alto conteúdo político nos casos em mãos do Tribunal Penal Internacional (TPI) e por se concentrarem em países africanos. O papel desta corte, com sede em Haia, foi questionado, pela primeira vez em seus dez anos de trabalho, em uma reunião do Conselho de Segurança da ONU, na semana passada.

O TPI é o único tribunal internacional permanente com mandato para processar pessoas acusadas dos crimes mais cruéis, como genocídio e crimes de guerra e contra a humanidade, cometidos em algum dos países que ratificaram sua adesão ao Estatuto de Roma, que lhe deu origem. As investigações podem ser abertas por iniciativa do promotor, se os Estados partes ou o Conselho de Segurança lhe enviam um caso.

De fato, recebeu denúncias de centenas de países, mas as investigações abertas se concentram em Costa do Marfim, Quênia, Líbia, República Centro-Africana, República Democrática do Congo (RDC), Sudão e Uganda. Representantes de vários países se mostraram preocupados com a politização dos casos que o Conselho de Segurança envia ao TPI, em um debate realizado no dia 17 na sede da ONU, em Nova York.

O fato de o caso da Síria, por exemplo, não ter sido remetido ao TPI foi destacado por representantes de vários países. As organizações de direitos humanos também questionaram esta situação. A Human Rights Watch (HRW), com sede em Nova York, enviou uma carta a 121 ministros de Relações Exteriores pedindo urgência no sentido de atender a inconsistência na forma com que o Conselho de Segurança envia casos ao TPI. A carta também pede a adoção de um “enfoque coerente para a remissão, a fim de evitar o duplo discurso”.

“O mais revelador foi a segunda parte do debate, com as intervenções excelentes de membros pertencentes ao Conselho de Segurança. Ouve-se uma e outra vez as mesmas frases, um chamado à consistência”, disse à IPS o diretor de justiça internacional da HRW, Richard Dicker. Segundo o Estatuto de Roma, o Conselho de Segurança deve enviar ao promotor do TPI uma situação apresentada em qualquer país se considerar que esta representa uma ameaça à paz e à segurança internacionais.

No entanto, esse órgão de grande importância das Nações Unidas não enviou casos politicamente controversos, como o do território palestino de Gaza ou o conflito na Síria, segundo a HRW. A organização também destaca a influência de China, Estados Unidos e Rússia, todos membros permanentes do Conselho de Segurança e com poder de veto, e acusa as potências de perseguirem os que consideram inimigos e de protegerem os governantes de países com os quais têm vínculos estreitos.

“O que faltou na apresentação do embaixador dos Estados Unidos foi o firme compromisso de enviar o caso da Síria ao TPI”, apontou Dicker. Mesmo nos dois casos que foram enviados ao Tribunal, Líbia e Sudão, as ações do Conselho de Segurança não foram suficientes. Após a queda do regime do líder líbio Muammar Gadafi (1969-2011), o Conselho deixou de apoiar as investigações do TPI e não pressionou o novo governo da Líbia para que cooperasse com o tribunal internacional.

“O Tribunal não passa de um interruptor de luz para os membros do Conselho de Segurança, que acendem e apagam segundo convém à sua agenda política. Parecem considerar o TPI como um casamento de conveniência”, observou Dicker. O presidente do TPI, Song Sang-Hyun, esteve presente na reunião do Conselho de Segurança da semana passada, um fator histórico, porque seu antecessor nunca foi convidado.

“O TPI é uma instituição jovem com muito trabalho e progressos, e ainda tem muito que aprender”, afirmou Sang-Hyun, que também se mostrou preocupado pelo financiamento do Tribunal. “É difícil manter um sistema”, ressaltou, em que o Conselho de Segurança pode enviar casos em nome dos 193 membros da ONU, mas os únicos que pagam o custo das investigações são os Estados partes, isto é, os que ratificaram o Estatuto de Roma.

Atualmente são 121 os países que integram o TPI, 33 deles africanos. A União Africana (UA) recomendou aos seus membros que não cooperem com a ordem de prisão emitida pelo Tribunal contra o presidente do Sudão, Omar Hassan Al-Bashir. Porém, representantes do governo de Mali foram até Haia solicitar a abertura de uma investigação sobre as atrocidades cometidas por grupos islâmicos armados no norte de seu território.

Em declarações à Women News Network, a presidente da Assembleia de Estados Parte do Estatuto de Roma, a estoniana Tiina Intelmann, disse que está dedicada a restaurar o apoio político ao TPI. “De fato preocupa a atual falta de entusiasmo político em relação ao Tribunal, e uma das razões é bastante óbvia. O TPI tem dez anos de existência e muitos países, que inicialmente estiveram muito comprometidos, já o dão por feito. Muitos não se dão conta de todo apoio político que continua necessário”, explicou.

“Se esquecem de que tentamos processar os responsáveis por atos atrozes. E costuma acontecer muito frequentemente de os autores desses crimes serem pessoas que tiveram ou têm altos cargos governamentais. Por definição, o apoio político é necessário, pois estes assuntos, além de serem legais, são políticos”, ressaltou Intelmann. Envolverde/IPS