Havana, Cuba, 13/7/2011 – Café! Bolsas! Queijo creme do bom! As vozes, todas femininas, se confundem entre o ruído e as ofertas habituais em qualquer mercado cubano. Elisa de 64 anos, esteve entre estas mulheres até ser multada por prática de comércio ilegal. “Paguei caro”, conta. Porém, alguém a aconselhou a tirar uma licença para continuar vendendo a bolsa de material plástico que sua sobrinha costura em uma máquina emprestada. “Já estou muito velha para isso. E o que farei se depois não puder pagar os impostos?”, pergunta Eliza. Sem esperar pela resposta, se perde entre as pessoas que comparam preço e qualidade entre uma e outra banca da feira agropecuária.
Alejandrina é outra trabalhadora que começou a costurar roupas para suas amigas há dez anos. “Até agora, ninguém me disse que preciso me inscrever como autônoma. Não me decidi porque os impostos são violentos”, afirmou. Por outro lado, Felicia tirou sua licença de cabeleireira na década de 1990 e garante que “tudo continua como antes” para ela. O trabalho por conta própria, ampliado em 2010 de 157 para 178 ofícios e atividades, como alternativa à redução do emprego estatal, não é novo no cenário cubano. Embora a política para sua aplicação na década de 1990, marcada pelo começo da crise que seguiu a queda do campo socialista, tenha sido diferente da atual.
Os trabalhadores autônomos passaram de 50 mil para 121 mil em 1994, um ano depois do decreto-lei que permitiu sua ampliação. O número mais alto registrado oficialmente foi de 165 mil inscritos em 2005. Segundo pesquisadores, esse crescimento esteve “limitado” por uma grande quantidade de proibições. “O débil contexto legal para a atuação efetiva dos autônomos os levou a subsistir em meio à ilegalidade”, afirmam os economistas cubanos Omar Everleny Pérez Villanueva e Pável Vidal em um amplo estudo sobre o assunto.
Além disso, esta atividade esteve marcada por seu declarado caráter temporário e à não aceitação ideológica dentro do modelo econômico que impera em Cuba. Na década de 1990, muitas mulheres aproveitaram o setor não estatal da economia, mas, geralmente subordinadas, como ajudantes familiares, muitas não recebiam remuneração alguma e permaneciam invisíveis. Segundo dados oficiais, até 2007, as mulheres eram algo em torno da quarta parte dos trabalhadores por conta própria registrados.
Segundo estudiosas do tema, nesta segunda onda de reformas no trabalho autônomo, poderá aumentar a faixa de informalidade precária, que já existe, ocupada fundamentalmente por mulheres. O mais visível é o trabalho autônomo de alta renda, que não é majoritário. “Porém, também é eminentemente masculino”, segundo uma das fontes consultadas. A esse respeito, a pesquisadora e professora universitária Luisa Iñiguez diz que em Havana, onde a população economicamente ativa feminina é quase 50% do total, somente 38% das solicitações para trabalho autônomo foram apresentadas por mulheres até 31 de janeiro último.
Este dado já indica uma desvantagem quanto à incorporação de mulheres ao trabalho por conta própria, disse a especialista, ao ser consultada pela IPS durante um seminário organizado pelo Centro de Estudos da Economia Cubana, com apoio conjunto da Fundação Friedrich Ebert e a Agência Suíça para o Desenvolvimento e a Cooperação. Por mera observação, é possível constatar que no trabalho autônomo elas exercem ocupações consideradas tradicionalmente femininas. Nesse sentido, é mais comum vê-las como processadoras e vendedoras de alimentos, bordadeiras, manicures, cabeleireiras, babás e no serviço doméstico.
As mulheres são quase a metade da população cubana, de 11,2 milhões de pessoas, seu trabalho remunerado se concentra fundamentalmente nos setores estatal e civil, onde representam 42,7% do total, e chegaram, em 2009, a constituir 59% do pessoal administrativo, segundo o Escritório Nacional de Estatísticas. A maior abertura e a flexibilização do trabalho autônomo integram as reformas da atualização do modelo econômico cubano, concebida pelo governo para favorecer alternativas à racionalização de mais de um milhão de empregos do setor estatal entre 2011 e 2015, cujo cronograma inicial, que deveria ter começado em outubro do ano passado, foi adiado.
Segundo Villanueva e Vidal, “os cálculos originais, ao que parece, não previram, entre outros elementos, que os espaços legais abertos ao trabalho por conta própria poderiam ser ocupados, antes de se concretizar a racionalização do emprego estatal, por pessoas sem vínculos de trabalho anteriores, aposentados e/ou que já realizavam estas atividades de maneira informal”. Dados estatísticos citados na pesquisa indicam que 68% das 221.839 novas licenças concedidas e em processo de o serem até abril correspondiam a pessoas que não tinham vínculo trabalhista e 16% a aposentados e trabalhadores estatais. Nem os informes oficiais nem o artigo dos dois economistas fornecem dados com enfoque de gênero. Por outro lado, muitas das licenças foram entregues a pessoas que já eram autônomos, embora sem autorização.
Villanueva e Vidal concordam que o microcrédito e o mercado atacadista de insumos, fundamentais para fazer crescer o setor não estatal, também podem incentivar a legalização, pois para ter acesso a eles o autônomo deve estar registrado e pagar impostos. Outros analistas dizem que se 64,7% dos universitários graduados e 66,4% da força técnica e profissional do país são mulheres, as opções em oferta para o trabalho por conta própria são tão precárias e pobres em conhecimento como para os homens. Tanto é assim que, das licenças concedidas até maio passado, apenas 7% foram entregues a universitários. Envolverde/IPS