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Trabalho feminino passa despercebido em Timor Leste

As mulheres rurais de Timor Leste trabalham duro, mas continuam relegadas. Foto: Alexia Skok
As mulheres rurais de Timor Leste trabalham duro, mas continuam relegadas. Foto: Alexia Skok

 

Nações Unidas, 11/3/2015 – A brecha entre ricos e pobres em Timor Leste tem um impacto maior entre meninas, meninos e mulheres pobres, especialmente nas zonas rurais. Elas realizam grandes aportes, mas nem sempre se reconhece sua contribuição à reconstrução desse país do sudeste da Ásia ainda dominado por um discurso masculino.

Timor Leste tem o coração em suas montanhas sagradas, conhecidas como “foho”, onde se organizou a resistência contra a violenta ocupação pela Indonésia, que durou 24 anos e terminou em 2002. Bella Galhos foi uma resistente. Depois que seus irmãos foram assassinados e seu pai torturado por indonésios, ela se infiltrou no exército, conseguiu a confiança de seus superiores e que a mandassem como embaixadora estudantil ao Canadá.

Neste país, Galhos desertou e viajou pela América do Norte denunciando as atrocidades cometidas em seu país. Após regressar, em 1999, ela se converteu em defensora da causa das mulheres e crianças, bem como do ambiente. A IPS conversou com esta mulher por telefone sobre seu novo projeto: uma escola verde na aldeia montanhosa de Maubisse.

“Tenho razões profundas para ter ido a Maubisse, começando pelo fato de minha mãe ter morrido no ano passado e ter sido uma grande professora. O lugar onde comecei o projeto é conhecido por ter sido a primeira escola para meninas da região. Não queria perder o valor iniciado por minha mãe há muitos anos”, contou Galhos.

“Estou consciente de que o tema do ambiente não tem a devida importância e temo que no longo prazo tenhamos um grande problema neste país. Quero que as crianças tenham um lugar onde possam aprender a cultivar frutas e verduras”, explicou Galhos, que também quer capacitá-las para “a vida com paz, amor, gentileza, não apenas para o ambiente, mas também para as pessoas”.

Galhos pontuou que as mulheres rurais devem enfrentar vários desafios, como a falta de acesso a informação e a serviços de saúde, além da violência doméstica. Um trabalho em Dili não é para todos e se vê as dificuldades que têm muitas pessoas procedentes do meio rural para conseguir emprego na capital.

Galhos espera que a iniciativa se sustente como empresa social, aproveitando a beleza e o potencial que tem a região para o turismo ecológico. Porém, se decepcionou com a falta de ajuda econômica do governo, oito meses após ter enviado propostas a diferentes departamentos. “Não é nada fácil e há grandes obstáculos. Como mulher em um país dominado por homens, basicamente não tenho a quem recorrer”, lamentou.

O documentário Wawata Topu mostra as mulheres que pescam com arpão em Timor Leste. Foto: David Palazón
O documentário Wawata Topu mostra as mulheres que pescam com arpão em Timor Leste. Foto: David Palazón

 

O governo de Timor Leste reservou parte da renda procedente das reservas de petróleo no mar de Timor para o desenvolvimento do país. Mas é preocupante que os fundos procedentes do petróleo se concentrem cada vez mais nas mãos de uns poucos e não cheguem às mulheres rurais pobres. Galhos financia o projeto da escola verde com seu próprio salário e com apoio de amigos no exterior.

“Não vejo muitas mulheres em Timor Leste fazendo o que estou fazendo, nem conseguindo apoio do governo. Sou muito pessimista sobre as autoridades atuais, mas ainda tento fazer com que vejam” do que se trata, afirmou.

Em outro lado de Timor Leste as mulheres mergulham desafiando as narrativas masculinas dominantes, que não valorizam o trabalho feminino. As mergulhadoras de Adara, na ilha de Atauro, ficaram conhecidas em todo o mundo pelo filme Wawata Topu, que recebeu o prêmio de melhor documentário estrangeiro da American Online Film Awards, em Nova York.

“Quem revisar a bibliografia sobre o papel das mulheres no setor pesqueiro de Timor Leste verá que estão ausentes”, afirmou Enrique Alonso codiretor e coprodutor do filme, junto com David Palazón. “Alguns informes dos últimos anos lançam alguma luz, mas, no geral, as mulheres são totalmente invisíveis”, destacou Alonso em entrevista à IPS.

“Em todo o país verá que as mulheres das comunidades pesqueiras têm um papel crucial na gestão da renda do lar, na criação do gado e na confecção de artesanato, no processamento de produtos da horta e na secagem de pescados, bem como participam da pesca costeira sazonal, sobretudo na coleta de mariscos e pesca nos arrecifes”, acrescentou Alonso.

“Há uma pesquisa, realizada no leste da ilha principal, em que os especialistas descrevem o papel das mulheres como marginal”, afirmou o codiretor. “O documentário Wawata Topu é o claro exemplo de que o papel das mulheres não é marginal em nada no setor pesqueiro”, acrescentou. “E mostra que seu trabalho é de primordial importância não só no tocante à produção de alimentos, mas também na cadeia de mercado”, ressaltou.

Segundo Alonso, as mulheres de Adara têm que caminhar várias horas aos sábados para chegarem ao mercado onde vendem o pescado. “Elas transportam e vendem o pescado, também capturado pelos homens, no mercado todas as semanas. Delas depende a renda de várias famílias. As crianças têm que caminhar uma hora até a escola na escarpada faixa costeira. Quando chove é muito perigoso a ida à aula. São condições de vida muito duras. Nesse contexto, as mergulhadoras estão entre os grupos mais vulneráveis”, acrescentou.

O documentário mostra como as mulheres de Adara se adaptaram às duras condições e romperam barreiras de gênero ao pescarem com arpão. “Como Maria Cabeça, uma das pioneiras, explica no filme, ela começou a pescar porque tinha fome. Desafiou as barreiras sociais e uniu-se aos homens com o arpão”, contou Alonso, ressaltando que “no filme as mulheres erguem suas vozes para serem ouvidas”.

O aconteceimento mais importante ocorreu no Dia Nacional da Mulher Timorense, segundo Alonso. “Nesse dia, o secretário de Estado para a Promoção da Igualdade concedeu a Maria Cabeça e ao Wawata Topu o Prêmio à Mulher do Ano. De certa forma, o filme serviu para colocar a ilha de Atauro e o documentário no mapa”, enfatizou. Envolverde/IPS