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Trabalho por conta própria cresce, mas não o suficiente

Havana, Cuba, 26/9/2911 – O governo cubano suavizou este mês impostos e outros aspectos legais para impulsionar o trabalho por conta própria, mas especialistas alertam para as sérias limitações que impedem um crescimento relevante dessa opção destinada a absorver mão de obra excedente do setor estatal. “Há resistência às mudanças desejadas por Raúl Castro e o que acontece com o trabalho por conta própria é um exemplo”, disse um especialista ouvido pela IPS que pediu para não ser identificado.

Entretanto, os trabalhadores autônomos aumentaram de 157 mil em setembro de 2010 para 333.206 em agosto deste ano. Citada pela imprensa estatal cubana, a vice-ministra de Finanças e Preços, Meisi Bolaños Weiss, assegurou que essa quantidade ultrapassou as expectativas de crescimento em um ano. Segundo fontes especializadas, o número de licenças devolvidas até julho estava em “torno de 25%”.

Pelo menos “no aluguel de moradia, gente que conheço desistiu do negócio porque perdiam dinheiro”, disse à IPS uma mulher que aluga quartos para estrangeiros em sua casa no bairro El Vedado, em Havana. “Minha mãe e eu decidimos esperar e ver se surgem tempos melhores, embora não fosse por meu filho, que de vez em quando nos manda algum dinheiro, estaríamos em problemas”, acrescentou.

A mulher assegurou que este ano há uma baixa sensível de hóspedes, seja pela “crise econômica no mundo” ou porque as pessoas perderam o “interesse” por Cuba, entre outras causas. Contudo, reconheceu que a última redução no imposto mensal para cada quarto alugado “ajuda, mas não o suficiente. O ruim é que esse pagamento é obrigatório, tenha ou não alugado o quarto”, queixou-se.

Por outro lado, Ariel García, também de El Vedado, assegurou que sua experiência é diferente. “Nós que alugamos em pesos (moeda nacional) sempre temos clientes, pelo menos na minha área é assim”, afirmou. “Talvez se deva ao fato de dependermos menos do turismo internacional”, disse García, ex-trabalhador da área de manutenção em um hotel da capital. Os economistas Omar Everleny Pérez e Pável Vidal apontam em uma pesquisa sobre o assunto, à qual a IPS teve acesso, que entre as licenças mais procuradas até o primeiro semestre deste ano estão as de preparação e venda de alimentos, transportadores, trabalhadores contratados e arrendamento de moradias.

O primeiro caso inclui cafés e pequenos restaurantes, chamados paladares, termo herdado de uma popular telenovela brasileira. Para estes estabelecimentos, disposições aprovadas no começo deste mês elevaram para 50 lugares a capacidade de pessoas a serem atendidas por vez, número que em meados da década de 1990 era de apenas 12.

“No momento fico com 15 lugares. Está bem e estou entusiasmado com meu pequeno negócio”, contou à IPS Santiago González, dono do “Paladar el Lobo”, no central passeio do Prado em Cienfuegos, a 254 quilômetros de Havana. González teve uma sala de vídeo durante quatro anos na década de 1990. “Com o dinheiro que economizei agora pude me instalar”, contou, calculando que em dois anos recuperará o investimento feito. “O bom é que não precisei pedir dinheiro emprestado”, acrescentou.

O governo aprovou, há alguns meses, o crédito bancário para setores agrícola e trabalhista não estatal. Contudo, para os autônomos não funciona, segundo Villanueva e Vidal. “Além disso, o sistema financeiro tem problemas de liquidez e as duas moedas nacionais (peso e CUC, que circula no país em lugar do dólar norte-americano) tem limitações de conversibilidade em divisas”, dizem os pesquisadores, que propõem como alternativa “agilizar e promover a colaboração internacional na questão do microcrédito”.

“Embora não haja dados disponíveis ou confiáveis, tudo parece indicar que as remessas estão sendo uma das fontes de capital para os novos negócios que são abertos, diante da falta do crédito nacional”, afirmam os economistas em um artigo sobre o trabalho autônomo e “suas limitações para o incremento de sua produção”.

A esse respeito, um estudo publicado na última edição da revista católica Palavra Nova, baseado em uma pesquisa que incluiu 300 receptores de remessas em Cuba, mostra que 34% dos entrevistados pensam abrir um pequeno negócio, 23% já o têm e 43% não estão interessados nessa ideia. Assinada pelos acadêmicos norte-americanos Manuel Orozco e Katryn Hansing, esta pesquisa comprova que o segmento desinteressado em criar alguma microempresa apresentou como razões principais a falta de recursos e capital inicial, carência de conhecimento empresarial e o “instável contexto político-econômico”.

As novas regulamentações que buscam tornar mais atraente o setor do trabalho autônomo incluem, entre outras, redução de impostos, maior abertura na renda de moradias, autorização para comercializar bens e serviços a entidades estatais e para contratar força de trabalho em qualquer dos 181 ofícios ou atividades permitidos para exercer por conta própria. Esta última opção “os converte em microempresas”, destacam Villanueva e Vidal, que apontam entre as limitações do crescimento o fato de ainda não ser permitida “a criação de pequenas e médias empresas, com possibilidade de integrar-se ao setor produtivo nacional de maior escala, nem com possibilidades de gerar fundos exportáveis”.

Outro obstáculo é a falta de um mercado atacadista de insumos, algo que dificilmente pode ser resolvido no curto prazo devido à precária situação econômica e financeira do país. Porém, uma abertura para o “microcrédito com colaboração internacional” permitiria renda em divisas para as importações dos novos microempresários, segundo os estudiosos. Para estes especialistas, a maior complicação está no pouco crescimento econômico, o que unido ao aumento de “pessoas disponíveis” (sem trabalho) torna “muito difícil pensar em uma demanda por bens e serviços suficiente desde as famílias ou desde as empresas estatais”, como a que necessitam os autônomos.

O governo de Raúl Castro ampliou, no ano passado, as possibilidades de trabalho privado como uma forma de minimizar o impacto de uma reestruturação trabalhista no majoritário setor estatal, que deixaram sem emprego no curto e médio prazos um milhão de pessoas. Ao que parece, essa reforma deteve o ritmo inicialmente previsto, à espera de condições menos traumáticas. Envolverde/IPS