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Traficantes trocam crime pela paz no Rio de Janeiro

Yuri Fedotov, diretor-executivo da ONUDD durante visita à favela Pavão-Pavãozinho, no Rio de Janeiro. Foto: Fabíola Ortiz/IPS

Rio de Janeiro, Brasil, 10/5/2013 – Os que desejam abandonar a criminalidade encontram inúmeros obstáculos para deixar no passado um destino de prisão e morte. Contudo, nesta cidade vários projetos começam a abrir-lhes uma porta de saída. Francisco Paulo Monteiro Cejas Rio, conhecido como Tuchinha, chegou à cúpula da hierarquia criminal. Como sabia ler e escrever, estudara cinco séries primárias e era bom de cálculo, ficou encarregado das contas de um dos grandes grupos da cidade.

Tuchinha se converteu em figura mítica dentro do crime organizado e, inclusive, da polícia. Chegou a dominar o tráfico de drogas no morro da Mangueira. Metade de sua vida, 25 anos, foi dedicada a atividades ligadas o tráfico. Ganhou dinheiro, mulheres e outras recompensas, mas em sua escalada criminosa pagou um preço caro. No total ficou 21 anos preso, por duas condenações distintas, e tanto ele quanto sua família foram ameaçados de morte.

Agora, com 49 anos, se diz arrependido. “Cresci na Mangueira, fui um líder. Tinha dinheiro, mulheres, joias, mas faltava liberdade. Quando saía do bairro tinha que ser escondido ou ir para fora do Rio. Se tivesse tido a oportunidade antes, minha vida teria mudado antes”, contou à IPS. Foi em 5 de agosto de 2011 que deixou totalmente e para sempre o tráfico de drogas, depois de ser convidado pela organização não governamental AfroReggae para ajudar as pessoas a deixarem o crime e dar palestras mostrando como fazer isso.

“Cometi muitas maldades e mandei fazer outras tantas. Paguei muito caro, com minha liberdade. Hoje, meu papel é resgatar os que querem deixar o crime, e sou a prova viva de que vale a pena viver em paz”, afirmou Tuchinha. Ele visita prisões para conversar com jovens condenados e inclusive ajuda a mediar conflitos em áreas afetadas pela violência. “Queremos dar a mesma oportunidade a pessoas que querem seguir pelo bom caminho, deixar a criminalidade e poder viver em paz com suas famílias. Muitos estão sem esperança, mas lhes digo que ela existe e está viva”, explicou.

Este ex-líder do tráfico defende que sejam anistiados os presos e ex-criminosos, para que tenham oportunidade de começar uma nova vida. Tuchinha acredita que ainda pode terminar seus estudos e que pode convencer jovens que foram ou são traficantes a entrarem no projeto de Empregabilidade do AfroReggae. Essa iniciativa, criada em 2008, já conseguiu empregar mais de 3.100 pessoas.

Daniela Pereira da Silva, de 35 anos, esteve presa por três anos e agora é uma das coordenadoras do programa. “Faço parte das estatísticas femininas, em que as mulheres, em sua maioria, caem presas por seu envolvimento amoroso com um traficante”, contou à IPS. O objetivo do projeto é abrir para ex-presos o acesso ao mercado de trabalho, destacou. “A demanda tem sido genial e também inclui moradores das comunidades onde opera o tráfico e parentes de ex-presidiários, para aumentar a renda familiar e evitar que voltem à criminalidade”, ressaltou.

Daniela e Tuchinha fazem parte do grupo de ex-traficantes apoiados pelo AfroReggae que se reuniu com o diretor-executivo do Escritório das Nações Unidas Contra a Droga e o Crime (ONUDD), Yuri Fedotov, durante sua primeira visita oficial ao Brasil, entre 7 e 9 deste mês. O encontro, do qual a IPS participou, aconteceu na sede da organização da favela Pavão-Pavãozinho, que fica atrás da praia de Ipanema e já foi pacificada pelas autoridades.

A visita de Fedotov à cidade teve por objetivo conhecer os programas sociais e de segurança pública implantados nas favelas. “O projeto de pacificação parece estar funcionando. É a primeira vez que vejo algo parecido em relação a uma política de pacificação e fiquei muito impressionado”, disse o diplomata russo. “Estive há dez anos no Rio e posso sentir mudanças visíveis. Quero expressar minha admiração pelas pessoas que tiveram a coragem de deixar o crime, uma vida ilegal, para viver uma vida legal”, pontuou, ao defender a inclusão social como uma ferramenta de prevenção ao crime.

Mangueira e Pavão-Pavãozinho fazem parte das 32 favelas do Rio de Janeiro que estiveram dominadas pelo narcotráfico e que foram pacificadas pelas forças policiais. A meta das autoridades para 2014 é instalar 40 Unidades de Polícia Pacificadora (UPP). No Rio de Janeiro vivem cerca de seis milhões de pessoas, das quais pelo menos um milhão residem em favelas, algumas ainda dominadas pelos traficantes.

“Tivemos uma política focada na repressão, o que gerou mais conflitos e morte. A polícia não agia sobre a causa da violência, mas sobre seus efeitos. As armas nas mãos dos criminosos, no entanto, eram cada vez mais potentes”, disse durante a reunião na Pavão-Pavãozinho o comandante da UPP, major Felipe Magalhães dos Reis. Os custos da “guerra contra as drogas” foram muito grandes e houve muitas perdas humanas, afirmou.

Entre 1991 e 2008, a polícia assegura que morreram dois mil agentes e outras dez mil pessoas nos enfrentamentos com as forças da ordem, e que foram apreendidas 170 mil armas. “Não havia saída, até que surgiu a ideia de criar a UPP”, afirmou o major. Para Fedotov, a experiência brasileira pode ser adaptada para outros países. “É um processo desenhado para o Rio, mas alguns de seus elementos servem para outros países, especialmente as ideias de integração social, pacificação e alternativas de vida”, afirmou.

O Brasil agora serve apenas como rota dentro do narcotráfico internacional, mas o país se converteu em importante consumidor de drogas. Durante sua visita a Brasília, Fedotov se encontrou com funcionários para discutir a futura cooperação, como as associações regionais e mundiais. “O Brasil é um ator global e estamos interessados em contar com seu apoio e sua participação em temas globais, como a luta contra o crime organizado transnacional e as drogas ilícitas”, afirmou o diretor-executivo do ONUDD. Envolverde/IPS