Madri, Espanha, 18/7/2011 – A eliminação do tráfico de armas para os países onde se atenta contra os direitos humanos ou há violência política é possível sempre e quando exista vontade para isso por parte dos governos e da sociedade civil dos países exportadores, em geral do Norte e com sistemas democráticos. Foi o que afirmou à IPS a deputada espanhola no Parlamento Europeu, Francisca Sauquillo, fundadora e presidente desde 1984 do Movimento pela Paz, pelo Desarmamento e pela Liberdade (MPDL).
Vontade que parece estar ausente no governo espanhol do socialista José Luis Rodríguez Zapatero, que em junho suspendeu a venda de armas para a Líbia, mas, agora, se dispõe a receber na próxima semana representantes das forças rebeldes que combatem contra o regime de Muammar Gadafi. A chanceler Trinidad Jiménez organizou a reunião após viajar, em junho, à cidade de Bengasi, reduto dos rebeldes agrupados no Conselho Nacional de Transição Líbio (CNTL), que para Madri é o representante legítimo do povo líbio.
O assunto ganhou notoriedade no dia 15, ao final da Terceira Reunião do Comitê Preparatório encarregado de negociar um Tratado Internacional sobre Comércio de Armas (ATT), após dois dias de sessões na sede da Organização das Nações Unidas (ONU). A intenção no acordo – que se espera seja assinado em 2012 – é estabelecer um marco regulatório efetivo do comércio de armas, que contribua para evitar o tráfico para países em conflito bélico e para organizações criminosas.
A anulação na Espanha de duas licenças de venda da armas acordadas em 2010 para a Líbia afeta uma parte do decidido, pois já foram enviadas duas partidas, sem divulgação do valor das mesmas. Contudo, o informe, enviado no primeiro semestre do ano ao Congresso de Deputados, indica que era autorizada uma exportação de US$ 11 milhões, além de outros US$ 9,8 milhões já exportados.
O diretor da Fundação pela Paz, Jordi Armadans, acusou o governo de ter vulnerado os acordos de controle de venda de armas. Neste mesmo ano, além da reunião da próxima semana, serão exportadas armas para Arábia Saudita e Egito. “O que se deve fazer é prevenir, e não, como no caso da Líbia, perceber tarde o dano que se está causando”, disse à IPS o responsável dessa organização não governamental que tem sua sede em Barcelona.
Em todo caso, não se trata de suprimir a exportação de armas, mas de regulá-la, já que não é o mesmo vendê-las a um país democrático e a uma ditadura, para depois indicar que “haverá algumas reformas, mas que não afetarão as empresas”, acrescentou Armadans. Um problema que está presente é a crise, pois diante dela é possível que se tente vender ainda mais, ressaltou.
A propósito, a Fundação pela Paz, Greenpeace e Intermón Oxfam expressaram em um comunicado sua preocupação com a notícia publicada no jornal El País, de Madri, segundo a qual o governo espanhol negocia a venda de carros de combate para a Arábia Saudita no valor de três bilhões de euros. “Esta possível operação descumpre claramente a lei sobre Controle do Comércio Exterior de Material de Defesa e de Duplo Uso, que estipula que serão negadas operações de vendas de armas a países que atentam contra os direitos humanos”, acrescentaram as organizações não governamentais.
Por outro lado, a revogação pelo governo, pela primeira vez, de duas licenças de exportação já concedidas pode desatar um forte enfrentamento com as empresas prejudicadas, que têm o caminho de recorrer à justiça em busca de indenização. Na reunião preparatória da ATT, nos dias 14 e 15 em Nova York, o coordenador do secretariado da organização não governamental Armas Sob Controle, Jeff Abramson, exigiu que os governos apliquem medidas para regular o comércio de armas. “Não se pode ir a uma reunião como esta e avalizar um processo para conseguir um acordo mundial para regular as armas e, ao mesmo tempo, estar comprometido em transferências irresponsáveis de tais armas”, ressaltou.
As principais críticas das 140 organizações da sociedade civil, de 50 países, presentes na sede da ONU foram dirigidas à venda de armas e ao treinamento militar para Bahrein, Líbia e Arábia Saudita. Referindo-se à necessidade de desenvolver uma legislação mais ampla e, sobretudo, sua aplicação, Abramson disse que “os vendedores são mestres no uso de lacunas legais existentes no comércio internacional de armas e munições. Devemos acabar com essas lacunas, e para isso os países devem se comprometer a desenvolver legislações fortes que regulem o comércio de armas”.
Este assunto começou a ser tratado na ONU em 2006, quando foi aprovada uma resolução pedindo que os países expressassem sua opinião sobre o comércio de armas em 2007. Mais de uma centena de governos responderam, seguindo-se um informe elaborado no ano seguinte por um grupo de especialistas. Este grupo realizou dois encontros em 2009, após os quais a Assembleia Geral da ONU decidiu convocar para 2012 uma Conferência pelo Tratado sobre Comércio de Armas, com o objetivo de elaborar um instrumento legalmente vinculante com os padrões internacionais comuns mais altos possíveis para controlar este tema. Envolverde/IPS