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Tráfico de biodiversidade acusado de financiar terrorismo

Um  rinoceronte branco em um santuário da província de Limpopo, África do Sul. Em 2011, caçadores ilegais mataram 668 desses animais nesse país. foto: Jennifer McKellar/IPS
Um rinoceronte branco em um santuário da província de Limpopo, África do Sul. Em 2011, caçadores ilegais mataram 668 desses animais nesse país. Foto: Jennifer McKellar/IPS

 

Washington, Estados Unidos, 15/1/2014 – Altos diplomatas e funcionários militares dos Estados Unidos pedem urgência aos governos africanos e do Ocidente no sentido de intensificarem a luta mundial contra a caça ilegal, quando crescem evidências de que esta atividade é usada para financiar organizações criminosas e terroristas em várias partes da África. Isso acrescenta pressão para a Conferência sobre o Comércio Ilegal de Biodiversidade, que acontecerá em Londres em fevereiro.

Entre os grupos acusados estão Al Shabab, na Somália, e Exército de Resistência do Senhor (LRA), em Uganda e Sudão do Sul, apontados como responsáveis pela matança de rinocerontes selvagens, bem como de elefantes e outras espécies protegidas, para vender suas presas. Esse tipo de tráfico está associado a um comércio ilícito enormemente lucrativo.

“Embora tenha havido muitos avanços (contra a caça ilegal), ainda não conseguimos deter este crime, não ganhamos impulso”, afirmou, no dia 10, o general da reserva Carter Ham, que liderou o Comando dos Estados Unidos para a África (Africom) até abril de 2013. “Agora é o momento”, garantiu. Ham sugeriu que uma resposta efetiva à caça ilegal na África pode incluir um forte componente militar, envolvendo o uso de veículos aéreos não tripulados, conhecidos por drones. “O uso desses aparelhos é desejável e tem probabilidades de ser muito efetivo”, afirmou.

Peter Westmacott, embaixador britânico nos Estados Unidos, apoiou o chamado para se focar em maior segurança na luta contra a caça ilegal e o tráfico de biodiversidade. “O comércio ilegal de biodiversidade é uma tragédia para o mundo natural, mas também para a segurança internacional”, afirmou, acrescentando que um passo importante será a Conferência de Londres.

Este encontro acontecerá em 13 de fevereiro na capital britânica, organizado pela Convenção sobre o Comércio Internacional de Espécies Ameaçadas de Fauna e Flora Silvestres (Cites), com patrocínio do governo britânico.

O Centro Stimson, com sede em Washington, publicou este mês o informe Killing Animals, Buying Arms (Matando Animais, Comprando Armas), sobre o crescente vínculo entre a caça ilegal e o terrorismo, com base em uma investigação feita no Quênia. O estudo diz que “o ponto máximo de caça ilegal e crimes vinculados à biodiversidade coincide com o maior envolvimento de sofisticados criminosos transnacionais organizados e organizações terroristas”.

“Embora não conheçamos o alcance total dessa relação, sabemos que há um vínculo importante entre caça ilegal e segurança”, disse Jonah Bergenas, subdiretor da Iniciativa de Manejo Além das Fronteiras, do Centro Stimson, e autor do relatório. “Temos que tratar esse assunto não só como um desafio de conservação, mas também como um desafio de segurança que exigirá um enfoque integral, que leve à criação de associações tanto dentro como fora do governo”, afirmou à IPS. Os governos da África e do Ocidente deveriam cooperar com os atores locais para se chegar a uma solução verdadeiramente ampla, afirmou.

Segundo o informe, a caça ilegal é usada para financiar uma indústria de US$ 19 bilhões em todo o mundo, estendendo-se da África à Ásia oriental e aos países ocidentais. A China impulsiona uma boa parte da demanda. O impacto sobre a natureza é marcante e aumentou significativamente nos últimos anos. Só em 2012 e 2013, foram mortos ilegalmente quase 60 mil elefantes e mais de 1.600 rinocerontes.

Especialistas estimam que um chifre de rinoceronte vale US$ 50 mil por libra (cerca de meio quilo) no mercado ilegal, mais do que ouro ou platina. Por isso é muito difícil resistir diante da caça ilegal, afirmam os ativistas. “A maioria das pessoas sabe que isto não é certo, mas é necessário fazer uma distinção entre os caçadores ilegais”, disse Andrea Crosta, diretor-executivo da Liga de Ação pelos Elefantes, com sede nos Estados Unidos.

“Em um extremo está o pobre indígena local que não tem trabalho e apenas precisa de dinheiro. No outro estão os grupos criminosos organizados, com armas e dinheiro, que podem subornar os guardas florestais e obter sua informação”, ponderou Crosta à IPS. Um par de presas pode ser vendido pelo preço equivalente ao salário de vários anos em muitos países africanos, acrescentou. “Para alguém desempregado e com uma grande família para alimentar, é muito dinheiro. Eles sabem que não é certo, mas a tentação é muito forte”, ressaltou.

Junto com uma equipe de membros da Liga, Crosta passou boa parte do período 2010-2012 investigando a caça ilegal na África oriental. Concluíram que grandes quantidades de marfim entravam na Somália de um modo sistemático e organizado. Depois descobriram que o tráfico era administrado pelo Al Shabab. “Estávamos encobertos, nos passando por pesquisadores e zoólogos, e assim pudemos falar com pequenos e grandes comerciantes, caçadores ilegais e intermediários”, explicou Crosta, atualmente radicado na Holanda.

Diplomatas e outras pessoas agora exortam os governos do Ocidente e da África a unir esforços para acabar com esse mercado ilegal. “As pessoas precisam entender que o comércio de biodiversidade é similar ao dos diamantes de sangue”, disse à IPS o diretor-executivo da WildAid, Peter Knights. Sua organização busca pôr fim ao tráfico de natureza em todo o mundo.

Knights disse que uma campanha de conscientização semelhante à que buscou deslegitimar o fenômeno dos diamantes de sangue pode servir para frear a caça ilegal. “Uma das melhores maneiras de fazer isto é desfinanciar a caça ilegal pelo lado da demanda, educando os consumidores na Ásia e em outros países para não comprarem estes produtos”, afirmou.

“Os consumidores devem compreender que estes produtos não procedem de uma morte natural e que sua compra impulsiona essa atividade, que também se está matando os caçadores ilegais e que os ganhos derivados dessa prática são usados para financiar atividades ilegais”, ressaltou Knights. De fato, os ativistas afirmam que é comum passar por alto quanto ao aspecto humano da caça ilegal. Milhares de caçadores morrem a cada ano enquanto capturam elefantes e rinocerontes, frequentemente deixando suas famílias sem nenhum sustento.

Pela primeira vez, no dia 6, a China destruiu publicamente 6,1 toneladas de marfim, enquanto os Estados Unidos fizeram algo semelhante em novembro. A ação de Pequim foi aplaudida por Washington e organizações conservacionistas em razão do peso do país no comércio mundial de natureza. “Foi um gesto público importante, mas insuficiente. O governo chinês deve ser ativamente pressionado, inclusive pelos Estados Unidos, para reduzir sua demanda interna”, disse Crosta. Envolverde/IPS