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Tráfico de pessoas em Serra Leoa deixa menores na rua

Kaita (D) é um dos milhares de menores que acabam vivendo nas ruas em Serra Leoa. Foto: Tommy Trenchard/IPS

 

Freetown, Serra Leoa, 11/6/2013 – Em uma esquina do centro da capital de Serra Leoa, Kaita, de 12 anos, está sentado com um amigo sobre uma cerca de aço observando os faróis dos motociclistas. Ele é um dos milhares de meninos e meninas deste país que ficaram sem lar depois que seus pais os entregaram a conhecidos sob a promessa de lhes dar educação. Passa da meia-noite e se vê formas humanas imóveis enroladas nas portas das casas ou estendidas nas calçadas. Para Kaita, estas ruas são seu lar, e tem sido assim há seis anos.

“Alguns (traficantes de crianças) são familiares, outros são amigos ou mesmo estranhos. Vão aos povoados e pedem aos pais que lhes entreguem seus filhos, prometendo que terão melhor educação na cidade”, contou à IPS a subdiretora de assuntos de infância do Ministério de Bem-Estar Social, Gênero e Assuntos da Infância, Joice Kamara. Até o ano passado, ela coordenava a equipe de trabalho do governo em matéria de tráfico de pessoas.

Apesar dos significativos êxitos obtidos desde que, em 2002, terminaram 11 anos de guerra civil, esta nação da África ocidental continua sendo uma das menos desenvolvidas do mundo, onde numerosas famílias rurais simplesmente não podem cuidar nem educar os filhos. “Lamentavelmente, depois que os levam para as cidades, em lugar de cumprirem sua promessa, os fazem trabalhar, e algumas dessas crianças são obrigadas a se converterem em escravos sexuais ou são usadas em rituais”, detalhou Kamara.

Kaita estava sob os cuidados do tio, mas este em lugar de enviá-lo à escola não cuidou dele, negou comida, até que, por fim, fugiu. “Faz frio”, disse sobre sua vida na rua. “Só o que tenho para comer são restos”, acrescentou. Lothar Wagner, diretor da organização não governamental Don Bosco Fambul, disse à IPS que “a razão pela qual estão na rua é o tráfico de pessoas. Depois de certo grau de maus-tratos, muitos sentem que não têm outra alternativa”, pontuou o responsável pela organização dedicada à atenção de meninos e meninas de rua.

Uma pesquisa de 2010 mostra que cerca de 2.500 meninas e meninos dormem todas as noites nas ruas em Freetown, embora outras estimativas indiquem um número maior. Mohammad tem 14 anos e há dois vive na rua. Seus únicos pertences são uma camiseta e um calção de futebol desgastado do clube inglês Chelsea, um papelão e um cesto de vime para recolher lixo, o que lhe permite ganhar algum dinheiro para comprar comida.

Todas as crianças entrevistadas pela IPS disseram que têm medo de abuso, diante do qual são vulneráveis. Os crimes contra menores em situação de rua raramente são investigados e se presume que costumam ser cometidos pelos próprios policiais. “Os policiais não protegem as crianças. Eles as exploram”, denunciou Wagner.

O informe médico sobre um menino de rua detido, que denunciou que apanhou de policiais quando estava preso, detalha uma série de ferimentos em um braço, ao que parece causados por paus e fio elétrico. “É totalmente falso”, afirmou à IPS por telefone uma fonte policial. “É uma tentativa deliberada de manchar a reputação da polícia de Serra Leoa. A delegacia, em geral, não tem eletricidade, assim, com poderíamos lhe aplicar choques?”, questionou.

Poucas organizações não governamentais trabalham para reduzir a prevalência do tráfico de pessoas em Serra Leoa, e para reunir as vítimas com suas famílias. A Faith Alliance Against Slavery and Trafficking (Faast – Aliança de Fé Contra a Escravidão e o Tráfico) ajuda a conscientizar sobre o problema e a integrar o tema nos programas de capacitação de policiais. “Todos os recrutas deveriam aprender o que é o tráfico e como enfrentá-lo”, disse Janet Nickel, diretora do capítulo local da Faast, organização que mantém um abrigo para crianças vítimas de tráfico.

A Don Bosco Fambul também criou vários abrigos e programas para menores sem lar. “A proteção da infância simplesmente não é uma prioridade do governo”, argumentou Wagner, acrescentando que não tem nem a capacidade nem os fundos para isso. Porém, Kamara, do Ministério de Bem-Estar Social, Gênero e Assuntos da Infância, não concorda e destaca os êxitos do governo nessa área, como os 13 condenados desde 2005 por tráfico de pessoas. Foram sentenciados a 22 anos de prisão. “O governo realmente ajuda e se esforça muito para erradicar o tráfico de pessoas em Serra Leoa”, assegurou.

Um informe de 2012 do Departamento de Estado norte-americano afirma que o governo de Serra Leoa faz tudo o que pode, mas não basta para cobrir suas responsabilidades para deter este flagelo. Envolverde/IPS