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Tratado sobre “bens verdes” desperta desconfianças

Empregados da LM Glasfiber com uma pá de turbina de vento em Grand Forks, Estados Unidos. Foto: Tu/cc by 2.0
Empregados da LM Glasfiber com uma pá de turbina de vento em Grand Forks, Estados Unidos. Foto: Tu/cc by 2.0

 

Washington, Estados Unidos, 16/7/2014 – A desconfiança das organizações ecológicas marcou o início das negociações formais entre os países industrializados para alcançar um tratado que regule o crescente comércio de “bens verdes”, aqueles produtos que são considerados benéficos para o ambiente. A liberalização deste mercado é tentada há anos.

No dia 8, representantes de 13 países, que geram 90% do comércio atual de produtos ecológicos, como painéis solares, turbinas de vento e filtros para tratamento de águas residuais, se reuniram em Genebra para, mais uma vez, buscar um acordo. Porém, persiste confusão em torno da possibilidade real ou do alcance das negociações sobre o que se denomina Acordo de Bens Ambientais. As organizações ecológicas expressaram seu ceticismo sobre o processo, que acontece sob a órbita da Organização Mundial do Comércio (OMC).

“Pensamos que o aumento do comércio de produtos benéficos para o ambiente, bem como seu uso, é muito importante. Mas temos preocupações muito sérias sobre a estratégia que a OMC adota” a respeito, afirmou Ilana Solomon, diretora do Programa de Comércio Responsável do Sierra Club, uma das organizações ecologistas mais influentes dos Estados Unidos.

“Essa estratégia se refere a eliminar tarifas alfandegárias de uma lista de produtos que supostamente beneficiam o ambiente. Mas ainda não existe uma definição do que realmente constitui um “bem ambiental”, e muitos dos produtos que estão na relação na realidade são daninhos para o ambiente”, apontou Solomon.

As conversações da OMC acontecem entre Estados Unidos, União Europeia, China, Austrália, Japão e outros, em torno de uma lista inicial de 54 categorias de produtos, acordadas em 2012 pelo Fórum de Cooperação Econômica Ásia-Pacífico (Apec). Os países da Apec pretendem reduzir as tarifas alfandegárias desses produtos para menos de 5% no ano que vem.

Mas a lista inclui muitos artigos que podem ser usados de maneira positiva ou negativa para o ambiente, como os incineradores de lixo, centrífugas, turbinas de gás, compactadores de lodo e uma grande variedade de maquinário técnico. A lista também exclui os países pobres, já que só a Costa Rica participa das negociações, que ocorrem principalmente entre economias industrializadas e de renda média.

“É provável que os países pobres não produzam estes bens”, disse Kim Elliott, do Centro para o Desenvolvimento Global (CGD), com sede em Washington. “Se não participam das conversações, seguramente perdem com as tarifas alfandegárias elevadas, mas é provável que não exportem muito”, acrescentou.

As negociações também terão consequências para as indústrias nacionais emergentes. “Um país em desenvolvimento pode querer sua própria indústria de painéis solares ou turbinas de vento. Mas as tarifas alfandegárias baixas ou nulas podem impedir sua capacidade de desenvolver indústrias de energia renovável nacionais”, advertiu Solomon.

A OMC não inclui a mudança climática em suas conversações. Mas, desde meados da década de 1990, esta organização garante trabalhar para estabelecer “um claro vínculo entre o desenvolvimento sustentável e a liberalização disciplinada do comércio, para garantir que a abertura do mercado siga de mãos dadas com os objetivos ambientais e sociais”.

Estas negociações devem ser parte do esforço dos Estados Unidos. Em 2013, o presidente Barack Obama anunciou que seu governo participaria de negociações para “ajudar mais países a vencerem a fase de desenvolvimento sujo e se unirem a uma economia global baixa em carbono”. O interesse de Washington é compartilhado por outros partidários da expansão do livre comércio.

As negociações comerciais multilaterais tiveram poucos progressos nos últimos 20 anos, por isso muitos esperam que o vínculo entre estes temas impulsione o sistema multilateral. “Todo o mundo, ao menos no papel, quer fazer algo sobre a mudança climática. A ideia é considerada uma situação na qual todos ganham, tão útil para o sistema comercial quanto para o planeta”, afirmou Elliott.

Naturalmente, o interesse de Washington também gira em torno de aumentar as exportações norte-americanas e, como sobe a pressão política referente à mudança climática, o comércio de bens ecológicos se transformou rapidamente em uma força importante. Cálculos oficiais indicam que o valor deste mercado duplicou entre 2007 e 2011, e que alcançou o trilhão de dólares em 2013. A cota dos Estados Unidos cresceu 8% ao ano desde 2009, e chegou a US$ 106 bilhões no ano passado.

O setor empresarial, dos Estados Unidos e dos demais países industrializados, mostram um forte interesse nas negociações. No dia 8, cerca de 50 associações empresariais e comerciais escreveram aos negociadores da OMC expressando sua “forte adesão” aos seus esforços.

O acordo “aumentará ainda mais o comércio mundial de bens ambientais, reduzindo o custo dos desafios ambientais e climáticos mediante a eliminação das tarifas, que podem chegar até a 35%”, declararam as associações. “Além de sua importância comercial intrínseca e sua conveniência, um acordo bem desenhado pode atuar como um trampolim para a redução de tarifas alfandegárias e outras barreiras comerciais em outros setores e outras cadeias de valor associadas”, afirmaram os signatários da carta.

É possível que o governo dos Estados Unidos compartilhe este ponto de vista. Uma recente carta de Michael Froman, principal funcionário comercial de Washington, pedia à Comissão de Comércio Internacional deste país para investigar o impacto potencial da liberalização do comércio em torno dos bens ambientais, segundo Solomon. “Diante da falta de uma definição universalmente aceita de bem ambiental, solicito que, para efeito de sua análise, a Comissão se refira aos elementos que constam da lista adjunta à presente carta”, escreveu o funcionário.

Essa lista, de 34 páginas, contém centenas de artigos que não estão na lista da Apec e que incluem desde produtos naturais (mel, óleo de palma, ureia, fibras de coco, bambu), técnicos (tubulações e invólucros, do tipo usado para extração de petróleo e gás) e até aparentemente aleatórios (aspiradores, câmaras). “Isto parece sugerir que esse exercício não se refere à proteção ambiental, mas à expansão do modelo atual de livre comércio, uma tentativa disfarçada de conseguir a liberalização de uma ampla gama de produtos”, ressaltou Solomon. Envolverde/IPS