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A troika é a vilã na tragédia grega

Um manifestante grego tenta derrubar as barreiras de segurança, durante um dos numerosos protestos em Atenas contra as medidas de austeridade. Foto: Infowar Productions/IPS
Um manifestante grego tenta derrubar as barreiras de segurança, durante um dos numerosos protestos em Atenas contra as medidas de austeridade. Foto: Infowar Productions/IPS

 

Atenas, Grécia, 20/2/2014 – Na Grécia e em outros países europeus afundados na recessão está desatando uma crise humanitária, devido às inclementes medidas de austeridade impostas para seu resgate financeiro. A chamada troika é a principal responsável pela crescente precariedade de amplas camadas da população, afirmam sindicatos e organizações da sociedade civil.

O grupo, integrado por Fundo Monetário Internacional (FMI), Banco Central Europeu e Comissão Europeia, representa os credores internacionais e é acusado de exigir reformas econômicas que afundaram os países insolventes europeus em uma profunda recessão, em detrimento dos direitos humanos.

Uma missão da Federação Internacional de Direitos Humanos (FIDH) fez uma visita de investigação à Grécia para avaliar os efeitos da crise em matéria humanitária e propor a necessidade de responsabilizar os culpados das violações.

“A finalidade de nossa visita era coletar provas de que as medidas de austeridade e as reformas estruturais que o governo aplicou como condição para o resgate provocaram uma situação na qual os direitos econômicos, sociais e políticos e os fundamentos democráticos nos quais se baseia o Estado estão ameaçados”, afirmou à IPS a responsável pela FIDH para a Europa ocidental, Elena Crespi.

“Nossa meta legítima também é alertar para o risco de que aquilo que começou como uma crise econômica mundial se converta em uma crise mundial de direitos humanos, cujos efeitos podem ser facilmente previstos, mas que pode ser difícil de deter”, ressaltou a representante da rede que reúne 178 organizações de todo o mundo.

No dia 21 de janeiro, 20 centrais sindicais, organizações de direitos humanos e grupos da sociedade civil solicitaram a Martin Schultz, presidente do Parlamento Europeu, que encomendasse um relatório sobre a situação de direitos humanos, o estado de direito e a democracia na Grécia. “Ao ler a Carta de Direitos Fundamentais da União Europeia (UE), custa encontrar um artigo que o governo grego não tenha infringido nos últimos três anos como parte das políticas que aplicou contra sua própria população”, diz a carta.

A Grécia recebeu empréstimo de 230 bilhões de euros (US$ 315 bilhões) nos últimos quatro anos, em troca de um duro programa de austeridade supervisionado pela troika). Como resultado, a economia do país afundou em uma recessão sem precedentes e o desemprego chegou a 30% da população economicamente ativa, nesse país de 11,4 milhões de pessoas.

Entre os signatários da carta está a Associação Europeia para a Defesa dos Direitos Humanos, uma organização que reúne 30 grupos de 22 dos 27 Estados da UE. Também foi assinada pelos principais sindicatos gregos, pela maior central belga e por outras organizações políticas e da sociedade civil, como o Observatório Europeu das Corporações. Participantes do Observatório criaram a TroikaWatch, uma rede da sociedade destinada a vigiar o órgão que representa os credores nos países onde intervêm e impõem ajustes desumanos. A organização publica um boletim mensal em nove idiomas europeus.

Em 31 de janeiro, a Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa, que agrupa 47 países do continente, aprovou uma resolução de seu Comitê de Assuntos Legais e Direitos Humanos, com várias recomendações sobre a “responsabilidade das organizações internacionais pelas violações dos direitos humanos”. Os deputados europeus propuseram que os “Estados membros também deveriam ser responsabilizados pelo papel que desempenham nas organizações internacionais e por ajudá-las a aplicar suas decisões”.

O parlamentar grego Epaminondas Marias afirmou durante o debate que “a troika deve saber que já não pode se esconder atrás de sua imunidade para evitar os tribunais gregos pelas violações dos direitos humanos cometidas no país”. Esse deputado da direita eurocéptica acrescentou que “nos impõe o rigor, uma situação desastrosa, empobrece nossos povos, destroi nossos empregos e vulneram os direitos humanos”.

Foi informado que, desde que começaram a ser aplicadas as medidas de austeridade, o salário básico caiu 22%, o desemprego juvenil afeta mais de 60% e mais de um milhão de pessoas não têm nenhum tipo de seguro de saúde. Em junho de 2013, o FMI reconheceu ter cometido erros no manejo da crise da dívida grega que exacerbou a recessão. Porém, a troika nunca apresentou uma avaliação de impacto antes de solicitar que fossem adotadas reformas sociais e medidas fiscais.

A Confederação Europeia de sindicatos contratou Andreas Fischer-Lescano, catedrático de direito e política europeia na universidade de Bremen, para examinar a legalidade dos memorandos de entendimento assinados entre os países resgatados e seus credores. As conclusões foram divulgadas no final de janeiro.

Em um rascunho de sua investigação ao qual a IPS teve acesso, Fischer-Lescano afirma que “a Comissão e o BCE, em nome da Europa, fixam os termos que são responsáveis pela situação desesperada de milhões de europeus. É preciso deslegitimar os memorandos de entendimento. Não há obrigação de aplicar disposições ilícitas. Os tribunais nacionais e internacionais, com o Tribunal de Justiça Europeu e o Tribunal Europeu de Direitos Humanos, e os comitês de direitos humanos terão que esclarecer isto”, disse à IPS.

“A batalha legal contra a austeridade acaba de começar. A finalidade deve ser defender os princípios fundamentais de justiça social na Europa”, acrescentou Fischer-Lescano. O Conselho de Estado grego declarou inconstitucional um imposto de emergência sobre o patrimônio aprovado no país em 2011. Um comitê de investigação especial nomeado pela Comissão de Assuntos Econômicos e Monetários do Parlamento Europeu para avaliar o papel da troika em seus resgates já visitou quatro países sob intervenção: Chipre, Grécia, Irlanda e Portugal.

Na Grécia, membros do comitê reconheceram que a troika cometeu erros, mas que também salvou o país da bancarrota. O comitê publicará as conclusões de sua investigação antes das eleições europeias de 25 de maio. Para essa ocasião, se prevê que ocorra outra situação de risco com relação ao futuro do programa grego de consolidação fiscal, já que o crédito destinado ao país praticamente acabou.

Serão necessários de 15 bilhões a 20 bilhões de euros (entre US$ 20 bilhões e US$ 27 bilhões) adicionais para manter o país respirando, embora muitos considerem que não será na forma de outro memorando de entendimento. A Alemanha elabora uma proposta para reduzir as taxas de juros e estender o prazo de pagamento da dívida grega para 50 anos.

Os economistas afirmam que, com essas medidas, a elite política espera controlar a opinião pública, que nos países credores provavelmente não aceite outro empréstimo à Grécia, um país em quebra, onde a opinião pública se opõe cada vez mais aos acordos com a troika e apoia os partidos de extrema direita. Envolverde/IPS