Túnis, Tunísia, 16/8/2013 – A Tunísia já estava afundada em um conflito político quando, há três semanas, foi assassinado o líder da oposição, Mohammad Brahmi, e a série de atentados posteriores ameaçam desestabilizar ainda mais este país, berço da Primavera Árabe. O assassinato de Brahmi, dia 25 de julho, do lado de fora de sua casa na capital do país, gerou protestos a favor e contra o governo. Quatro dias depois, oito soldados morreram em um atentado cometido por um grupo de combatentes islâmicos.
Desde então, mais soldados morreram em enfrentamentos, bombas explodiram na cidade de Túnis e arredores, e a polícia matou vários supostos insurgentes em operações especiais, e deteve outros. As forças de segurança frustraram outra tentativa de assassinato contra um dirigente político na cidade costeira de Susa, mas não divulgaram o nome da pessoa supostamente implicada.
“Não temos antecedentes de terrorismo na Tunísia. Não estamos preparados para estes ataques. Devemos persegui-los”, declarou à IPS o xeque Abdelfatteh Muru, vice-presidente do governante partido Ennahda. “O terrorismo não tem nacionalidade, não vê as pessoas como vítimas de um país em particular, mas como inimigas. Buscam o elo mais frágil da cadeia, um país que acaba de sair da revolução, que carece de estabilidade e onde o governo não é suficientemente forte. Assim somos agora”, lamentou.
Felix Tusa, do não governamental Centro Genebra para o Controle Democrático das Forças Armadas, entende que, “embora após a revolução tenham sido nomeados novos responsáveis pelo Ministério do Interior, houve poucas mudanças no aparato de segurança”. “Os grandes desafios são a falta de recursos para salários e equipamento e como criar um serviço de inteligência efetivo, que também seja transparente e respeite os direitos humanos”, explicou Tusa, que trabalha com o governo na reforma da segurança. “Uma das principais críticas ao processo de transição democrática é a falta de reforma na segurança”, acrescentou.
A surpreendente renúncia do chefe do Estado Maior das Forças Armadas, general Rachid Ammar, em junho, foi atribuída, em parte, aos problemas dentro do Ministério do Interior. Ao anunciar sua partida pela televisão nacional, Ammar disse que a falta de um serviço de inteligência operacional impedia que as operações militares fossem efetivas.
O ministro do Interior, Lotfi Ben Yedu, renovou na semana passada seu compromisso de acabar com o terrorismo na fronteira com a Argélia. “As operações militares e de segurança continuarão até erradicar todos os terroristas escondidos na montanha”, afirmou em uma declaração escrita. O ministro foi alvo de críticas em razão das investigações sobre a morte de Chokri Belaid, outro dirigente da oposição assassinado há seis meses, da mesma forma que Brahmi, quando saía de sua casa.
Yedu foi criticado pelo tempo que se demorou para identificar os suspeitos e que, quando finalmente a identificação aconteceu, não foram detidos. “Compensaremos logo essa falha com uma maciça operação de agentes para capturar os terroristas”, respondeu. Quando o assassinato de Belaid completou seis meses, no dia 7 deste mês, dezenas de milhares de pessoas se reuniram para pedir a renúncia do governo.
A manifestação coincidiu com o dia em que a Assembleia Nacional Constituinte interrompeu seu trabalho de redação da lei fundamental até que haja um diálogo entre governo e oposição. Alguns dias antes houve uma grande marcha a favor do governo, mas a do dia 7 foi a maior concentração contra o governo desde a morte de Brahmi. A palavra familiar dégage (“fora”, em francês) foi ouvida mais forte do que nunca.
Inés Karaui, seu marido e dois filhos pequenos participaram do protesto em Túnis. Viajaram desde Sfax, a três horas de carro da capital do país. “É um dever nacional estar aqui. Esta noite não vou dormir, mas há quem perdeu familiares, e filhos que perderam seus pais. Não é nada sacrificar algumas horas de sono comparado com o sacrifício dos soldados que tiveram suas gargantas cortadas”, afirmou.
“A Tunísia sangra, choramos lágrimas de sangue por nosso país. O amamos e pretendemos um futuro para nossos filhos. Não queremos ser como Afeganistão ou Síria”, afirmou Karaui. “O governo quer que sintamos que a ameaça terrorista está muito perto de Túnis, mas eles são os responsáveis. Estamos contra o extremismo. Queremos recuperar nossa Tunísia”, ressaltou.
Sobre as críticas contra o governo, o vice-presidente Muru disse à IPS: “Isso não é certo. A oposição sabe que Al Qaeda, Ansar al-Sharia e os salafistas não são o Ennahda; somos todos muçulmanos, mas não temos o mesmo programa”. Algumas pessoas inclusive questionam a responsabilidade desses grupos.
O xeque Mohammad, um islâmico e professor de teologia que esteve sete anos preso sob o regime de Zine el Abidine Ben Ali (1987-2011), disse à IPS que “se culpa os salafistas pelos ataques terroristas, mas não é certo. Talvez os responsáveis sejam membros do regime anterior ou estrangeiros”, e acrescentou que “muitos salafistas são pacíficos, embora haja violentos infiltrados nas mesquitas e que são jihadistas. Sou a favor da shariá (lei islâmica) e quero que tenha um lugar de destaque na nova Constituição, mas também quero democracia e rechaço todo tipo de violência”.
Todos os dias se tem notícia de novos ataques na fronteira, ameaças de bomba e conspiração de assassinato que prejudicam a economia. Turistas e investidores se assustam, e com eles a economia, vital para uma transição democrática de sucesso. Medhi Zaui, advogado de empresas internacionais, disse à IPS que “dois clientes importantes, um fundo de investimento norte-americano e um operador turístico com dois hotéis, abandonaram a Tunísia desde a revolução”.
Zaui pontuou que também tem três ou quatro clientes que pensavam em investir no país, na indústria e no setor das tecnologias da informação, mas agora estão pensando melhor. “Tive uma reunião com um empresário italiano que trabalhava na indústria química e que me perguntou sobre a situação local. Já investiram muito dinheiro no país, mas temem por seu investimento”, acrescentou. O governo faz esforços para combater o terrorismo. A insegurança e a instabilidade que se sente pode ser a maior ameaça para a Tunísia. Envolverde/IPS