Túnis, Tunísia, 1/8/2013 – Quando as divisões políticas ameaçam desestabilizar a transição democrática da Tunísia, o primeiro-ministro, Ali Larayedh, divulgou os planos para terminar a redação da nova Constituição e realizar eleições. Contudo, nem todos estão convencidos de que isso será respeitado. Em discurso na televisão, feito no dia 29 de julho, Larayedh pediu calma para resolver a atual crise política, afirmando: “a dissolulção da Assembleia Nacional Constituinte e do governo não ajudará em nada. Há oportunistas que tentam se aproveitar da situação. O diálogo não deveria estar nas ruas nem ocorrer por meio da violência, mas na mesa discutindo estratégias e planos”.
Seu discurso foi uma demonstração de força depois da onda de protestos que sacudiram o país, decorrentes do assassinato do líder da oposição Mohammad Brahmi, no dia 25 de julho, segundo crime desse tipo em cinco meses. A surpresa inicial virou protestos contra o governo com gritos como “Dégage” (fora, em francês), um dos slogans utilizados durante a revolta popular de 2011, que pôs fim ao regime de Zine el Abidine Ben Ali, que estava no poder desde 1987.
A oposição está descontente com o processo de transição do governo. Era prevista que a Constituição fosse redigida em um ano para depois a realização de eleições, mas já se passaram quase dois e o processo continua. As autoridades insistem que demora fazer corretamente, mas os críticos afirmam que os governantes estão se aferrando ao poder.
O primeiro-ministro anunciou agora que a Constituição estará pronta no final deste mês e que as leis eleitorais ficarão prontas para 23 de outubro, quando o atual governo completa dois anos. Também informou que as eleições serão em 17 de dezembro, terceiro aniversário da imolação do vendedor ambulante Mohammad Buazizi (1984-2011), que desatou a revolta popular na Tunísia, dando início à Primavera Árabe.
“É impossível cumprir esses prazos”, disse às IPS Amine Ghali, diretor de programa do Kawakibi Democracy Transition Centre, uma organização internacional com sede em Túnis. “Para redigir as leis eleitorais e organizar eleições são necessários entre seis e oito meses. Talvez a Constituição possa ficar pronta até o final de agosto, mas só se houver uma discussão genuína para melhorar o rascunho atual, considerando suas muitas falhas”, ressaltou.
Os manifestantes também estão descontentes porque não se faz o suficiente para deter os grupos islâmicos extremistas, nem para garantir as fronteiras. O país afundou uma vez mais na dor no dia 29, ao se saber de um ataque terrorista que deixou nove soldados mortos, com seus corpos mutilados, na fronteira com a Argélia. Após o funeral de Brahmi no dia 27, houve confrontos entre manifestantes a favor e contra o governo, na praça em frente à Assembleia Nacional Constituinte, na capital. A polícia os dispersou com gás lacrimogêneo. Também houve protestos em outras partes do país.
Reem Selmi foi com seu marido e sua filha de 12 anos a uma manifestação a favor do primeiro-ministro no dia 28, e opinou que “as pessoas querem que o governo resolva os problemas na hora, mas não é possível”. Segundo ela, o governo liderado pelo partido islâmico moderado Ennahda vai no caminho certo. “Mas este governo deixa que todo mundo leve a vida que quer, com Ben Ali não tínhamos liberdade para praticar nossa religião, e agora podemos. Somos muçulmanos e queremos o Islã. O Islã não significa terrorismo”, acrescentou Selmi.
Entretanto, é um perigo real as divisões políticas se aprofundarem, precisamente, por motivos religiosos. “Queria que Ben Ali saísse porque não deixava os muçulmanos usarem barba nem as mulheres usarem niqab, mas agora creio que sei o motivo”, disse à IPS Maher Gatri, em uma manifestação contra o governo. “Atualmente pode-se ver uma pessoa e dizer de que partido é só por sua roupa ou aparência. Somos todos tunisianos e muçulmanos, mas agora estamos separados em dois grupos. É muito triste”, lamentou. “Me dá medo quando estou perto dos partidários do governo. Sou muçulmana, mas agora temo minha própria religião”, acrescentou.
O governo também tem problemas com a integração da Assembleia Constituinte porque vários membros deixaram o plenário nos últimos dias. “Saíram 59 dos 217 membros, mas queremos que voltem”, declarou à IPS Osama al Saghir, um dos integrantes do partido Ennahda que participa da Constituinte. “Se chegarmos a uma solução, poderemos acabar a redação da Constituição a tempo. Mas, se decidirem não voltar, terão que renunciar e será preciso substituí-los”, afirmou.
Para piorar, há boatos de que o próprio governo, uma coalizão de três partidos, o laico e progressista Congresso para a República, o social-democrata Ettakatol e o majoritário Ennahda, poderia estar se fragmentando. Bannur Mohammad, porta-voz do Ettakatol, disse à rádio Jawhara FM: “Se o Ennahda e o Congresso para a República se negarem a dissolver o governo, o Ettakatol se retirará da troika”. No entanto, Saghir disse que não é o caso. “Seguimos trabalhando com Mustafa Ben Jaafar, secretário-geral do Ettakatol e presidente da Assembleia Constituinte”.
As imagens que a TV mostra da violência instalada no Egito são um duro alerta para os tunisianos sobre o que pode ocorrer quando se segue por esse caminho. Em um artigo intitulado Tunísia não é Egito, Francis Ghilès, pesquisador do Centro Barcelona de Assuntos Exteriores (Cidob), aponta três diferenças fundamentais entre a situação de um e outro país. O exército da Tunísia não tem um papel político importante, a situação econômica e o desemprego não estão tão mal neste país, e a sociedade civil é ativa e vigorosa. O desejo de todos é que tenha razão. Envolverde/IPS