Há muito tempo sonhava com as paisagens maravilhosas que via nas fotos da descida de trem entre Curitiba e Paranaguá, até que um dia consegui realizar a viagem. Procurei me posicionar na melhor janela, no melhor vagão, para tirar belas fotos, mas assim que o trem saiu da estação e começamos a descer a serra, começou o nevoeiro que só engrossava à medida que o trem descia, até que mal conseguia ver um palmo além do meu nariz. Pensei: de nada vai adiantar ficar chateado agora que já estou aqui. O que posso fazer para aproveitar a viagem mesmo assim? Então passei a curtir o balanço do trem, deixei que o frio do nevoeiro e da umidade entrasse pela janela para molhar o meu rosto, tomando o cuidado de me agasalhar bem e de não estar incomodando os outros passageiros. Escolhi boas músicas nos fones de ouvido, relaxei e aproveitei a viagem. Olhando por outro ângulo, pensei comigo mesmo: precisarei fazer de novo essa viagem. Que bom! Claro, da próxima vez iria me assegurar melhor sobre os períodos de céu sem nuvens.
Por que somos assim mesmo. Parte de nós é sonho, é idéia, é utopia e parte é ação, é realidade. Antes de realizarmos, uma viagem na vida real, a imaginamos nos sonhos. O pessoal que vende pacotes de turismo sabe disso, por isso são vendedores de sonhos muito mais que de destinos. Coloca em nossas mãos e nas nossas idéias imagens de paraísos perfeitos que passamos a cultivar e a pagar em suaves prestações, antevendo o dia em que finalmente iremos realizar os sonhos, e só a idéia de sonhar com a viagem já nos dá o benefício de suportar às vezes com um cotidiano aborrecido de trabalho tedioso. Até que chega o dia da viagem tão sonhada, e então tudo pode ser bem diferente do que “nos venderam” e acalentamos em nossa imaginação. Diferente tanto para o mal quanto para o bem. Não só podemos ter de encarar paisagens cheias de nuvens ou temporais onde imaginávamos pores-de-sol deslumbrantes, ou ao contrário. A realidade pode nos surpreender oferecendo muito mais do que imaginávamos.
Não são as viagens que são assim. A própria vida é assim, parte sonho parte realidade. Por isso é prudente deixarmos espaço para o improviso, para a surpresa, e também para as frustrações, pois a felicidade é espiritual, sensória, interior. Não está na viagem, na meteorologia, nos nossos acompanhantes, nos prestadores de serviço. Se não permitirmos, nada nem ninguém tem o poder de estragar nosso humor, nosso dia, nossa vida, nossos sonhos, a não ser nós mesmos.
Passamos mais tempo de nossas vidas lidando com o que não conseguimos alcançar do que com o que alcançamos de fato que até deveríamos estar acostumados. Nossa capacidade de sonhar, de idealizar, de imaginar é muito maior do que a de realizar o sonho. Não são os lugares ou as pessoas que são maravilhosos – por mais que os guias de turismo nos contem maravilhas e as pessoas nos queiram encantar. São nossos olhos, nosso coração, nossas escolhas que tornam os lugares e as pessoas maravilhosas ou não. Podemos estar no melhor dos paraísos, com pessoas fantásticas, e não conseguimos perceber.
Motivos para reclamar, todos temos, aos montes. O que precisamos fazer é não nos deixar dominar por eles. Podemos escolher nos adaptar às circunstâncias e às pessoas quando elas nos beneficiam e nos são favoráveis, ou nos libertar delas. Não deveríamos nos permitir nem ser refém de nossas manias de perfeição muito menos da mania de perfeição dos outros, ou nos tornar reféns de pessoas mal-humoradas que não sabem lidar com suas frustrações. Cabe a nós escolher acompanhá-las ou não então, não podemos culpá-las por nossas escolhas.
A felicidade não é um folheto bonito numa prateleira de destinos de turismo, uma meta ou lugar, mas um sentimento do próprio ato de caminhar. Viajar não é só poder ir ao encontro de paisagens e pessoas diferentes, interessantes, mas é a possibilidade de aprendizado, de aproveitar a vida, mas para isso precisamos estar dispostos a nos oferecer inteiros à vida, aprender e compartilhar aprendizados, pois não há outro bem mais precioso que a vida vivida com plenitude e encantamento.
* Vilmar Sidnei Demamam Berna é escritor e jornalista, fundou a Rebia (Rede Brasileira de Informação Ambiental) e edita, deste janeiro de 1996, a Revista do Meio Ambiente (que substituiu o Jornal do Meio Ambiente) e o Portal do Meio Ambiente. Em 1999, recebeu no Japão o Prêmio Global 500 do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente e, em 2003, o Prêmio Verde das Américas.