Ancara, Turquia, 24/8/2012 – Enquanto os atentados do Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK) se multiplicam e se propagam pela Turquia, Ancara se vê mais obrigada a tomar medidas enérgicas contra a insurgência curda, inclusive com uma invasão por terra no norte do Iraque. Em junho, o PKK trocou suas táticas de ataque e retirada contra postos de segurança por incursões em áreas urbanas e em uma zona geográfica mais extensa. A mira continua voltada para o sudeste do país, onde a maioria da população é curda, mas províncias do leste e oeste, como Van e Izmir, também são alvos de atentados.
Essas mudanças ficaram evidentes com a ocupação, no final de julho, de Semdinli, povoado da província de Hakkari, limítrofe com Iraque e Síria, que o PKK manteve sob controle durante três semanas. As forças do Estado conseguiram forçar os rebeldes a se retirarem, com grandes perdas para os dois lados. A Primavera Árabe parece ser uma nova fonte de inspiração para o PKK, segundo o parlamentar Idris Bal, do governante Partido Justiça e Desenvolvimento (AKP) e especialista em terrorismo interno.
O PKK vê uma oportunidade para incentivar a rebelião popular em regiões da Turquia onde os curdos são maioria, pensando em criar um Estado que possa governar, apontou Bal. A ocupação de Semdinli buscou passar ao mundo a mensagem de que as coisas estão saindo do controle na Turquia, acrescentou. Mas a estratégia maximalista dos rebeldes não é um conceito totalmente novo nesta luta interna, que começou há 28 anos e até agora já causou 40 mil mortes.
O ex-líder do PKK, Abdulah Ocalan, a aplicou na década de 1990, com êxito limitado. O PKK foi declarado organização terrorista por Turquia, União Europeia e Estados Unidos. Ocalan, que em 1999 foi condenado à prisão perpétua, ainda tem influência desde a prisão na estratégia do PKK. Em recente declaração, previu que 2012 seria “o ano final” da rebelião curda, que recomeçou em 2010 após sete anos de relativa calma.
Desde 2003 o governo do primeiro-ministro Recep Tayyip Erdogan tenta encontrar uma solução pacífica para o separatismo curdo, batendo de frente com a feroz oposição do Partido República Popular (CHP) e do Partido do Movimento Nacionalista (MHP). Uma série de conversações secretas entre a agência de segurança nacional da Turquia (MIT) e representantes do PKK aconteceram em Oslo em 2010, facilitadas pelo serviço de inteligência da Grã-Bretanha, mas o processo foi abortado por causa de um prematuro vazamento.
O Estado respondeu intensificando os bombardeios aéreos contra bases do PKK no norte do Iraque. Isso deu algum resultado até que, no final de dezembro, aviões militares mataram 34 jovens curdos confundidos com membros do PKK, em Uludere, perto da fronteira entre Turquia e Iraque. Esta matança desatou a indignação nacional e inflamou os sentimentos antigovernamentais no sul e leste do país.
Antes de Uludere, “no outono de 2011, o parlamento deveria ter trabalhado em um pacto para dar direitos e liberdades fundamentais aos curdos, para chegar a uma solução democrática”, pontuou Mehmet Ozcan, presidente do Instituto de Estratégia de Ancara. “Aquele era o momento para uma reforma, mas agora é o PKK que exerce do domínio psicológico”, acrescentou Ozcan, que não considera realista esperar o fim do terror se não for implementado um processo democrático que atenda as necessidades dos curdos. No entanto, a evolução da revolta síria é um motivo de preocupação maior entre políticos e militares turcos.
A retirada das forças de segurança da Síria das áreas de fronteira com Turquia e Iraque deixou um vazio que foi igualmente aproveitado pela minoria de curdos sírios e pelo PKK. Embora inicialmente fossem leais ao regime de Bashar al-Assad, nos últimos tempos os curdos da Síria revelaram suas intenções de independência em um cenário pós-revolucionário, por intermédio do Partido da União Democrática (PYD), organização irmã do PKK. A falta de autoridade síria na zona limítrofe também facilita a mobilidade dos combatentes do PKK entre o norte do Iraque, o nordeste da Síria e o sudeste da Turquia.
Massoud Barzani, presidente do Governo Regional do Curdistão (KRG) na província autônoma de mesmo nome localizada no norte do Iraque, na fronteira com a Turquia, deixou claro que não participará de um confronto armado com o PKK. Barzani afirmou estar desempenhando um papel conciliador entre PKK e Ancara, mas o KRG se converteu em anfitrião dos movimentos separatistas curdos na região.
Grandes comunidades curdas vivem no Iraque, Irã, Síria e Turquia, totalizando entre 30 e 38 milhões de pessoas, segundo se considerar dados nacionais ou estimativas internacionais. A Turquia representa metade do total. Outros dois milhões vivem na diáspora, principalmente na Armênia e no norte da Europa. Os curdos são considerados a maior minoria étnica do mundo sem território próprio.
A atual instabilidade política no Oriente Médio reviveu as aspirações de um Estado pancurdo, que possa surgir como nova potência regional muçulmana, ao lado de Egito, Irã, Iraque e Turquia. Esta perspectiva deixa o governo turco nervoso. Sacudido pela agitação interna, com uma potencial intervenção armada na Síria, que no momento Washington mantém bloqueada, e relações deterioradas com o Irã, a administração de Endorgan é prudente, mas está intranquila.
Nas últimas semanas, Erdogan acusou reiteradamente Damasco e Teerã de darem apoio ao PKK e se manifestou decepcionado com a passividade de Barzani. Já os opositores CHP e MHP e a opinião pública criticam o primeiro-ministro por sua política externa e sua fraca resposta ao PKK. Na semana passada, observadores próximos ao partido do governo alertaram as autoridades que contemplar uma intervenção militar na Síria, com ou sem consentimento de Washington, é uma estratégia equivocada. Por outro lado, recomendaram, lançar uma operação em grande escala, profunda e duradoura, com forças terrestres no norte do Iraque, daria melhor uso aos recursos e às vidas dos soldados para acabar com a violência separatista curda.
Em um jantar, também na semana passada, com um seleto grupo de jornalistas em Ancara, o vice-primeiro-ministro, Bulent Arinc, disse que a Turquia avalia uma operação nas montanhas de Kandil, norte do Iraque, onde o PKK tem sua base de operações. O governo já obteve a autorização do parlamento. Contudo, isso exigiria a aprovação de Washington (que ainda exerce influência política no Iraque) e colaboração de suas forças armadas e de inteligência, que podem fornecer informação sobre os movimentos do PKK. Isto pode não ser tão simples. Nos últimos meses, a Agência Central de Inteligência (CIA) começou a suspeitar da confiabilidade da Turquia como aliada.
Estas suspeitas se confirmaram na semana passada, quando Arinc admitiu que o MIT, serviço de inteligência turco, havia compartilhado com seu par iraniano, o Savak, informação obtida por aviões espiões não tripulados Predator, dos Estados Unidos. “Entretanto, o maior desafio da Turquia é realizar esta operação radical sem ganhar a rejeição da população local, que vive em aldeias dispersas em Kandil, nem de outros curdos que nada têm a ver com a violência”, disse Abdullah Bozkurt, analista e especialista em políticas governamentais.
A experiência de Semdinli confirma que o PKK não duvidará em infiltrar-se em áreas residenciais e usá-las como escudo contra ataques do governo. Ancara se preocupa que incidentes como a matança de Uludere, ou erros gigantescos como os cometidos pelos Estados Unidos no Afeganistão e Paquistão deteriorem a reputação da Turquia como modelo muçulmano de democracia. Envolverde/IPS