A Ucrânia e a atração do modelo da União Europeia
Miami, Estados Unidos, março/2014 – Na busca por explicações para a crise da Ucrânia e nas acusações mútuas se destacam vários aspectos. Em primeiro lugar, se enfatiza a estratégia da Rússia, liderada por Vladimir Putin, de não permitir que seu projeto de uma União Euroasiática seja ameaçado.
Miami, Estados Unidos, março/2014 – Na busca por explicações para a crise da Ucrânia e nas acusações mútuas se destacam vários aspectos. Em primeiro lugar, se enfatiza a estratégia da Rússia, liderada por Vladimir Putin, de não permitir que seu projeto de uma União Euroasiática seja ameaçado.
Também se refere à distração dos Estados Unidos, com o presidente Barack Obama mais preocupado com outros cenários (Síria, Irã) e insistindo em não liderar em determinados teatros e em esperar para influenciá-los “nos bastidores”.
Paradoxalmente, a crise da Ucrânia revela a ação de um protagonista que é mencionado apenas de forma frontal nas análises: a União Europeia (UE). Seria curioso comprovar que, no desenvolvimento da busca por uma solução, o papel da própria UE resulte evidente.
Uma revisão rigorosa da história descobre simultaneamente a dupla dimensão da UE como modelo ativo de integração e, ao mesmo tempo, como débil protagonista de iniciativa em política internacional.
Desde a fundação da Comunidade Europeia do Carvão e do Aço, em 1951, como resultado da chamada Declaração Schuman, de maio de 1950, a motivação da integração tem sido a segurança, impulsionada por mecanismos econômicos.
A origem da presente crise se deve, fundamentalmente, à atração da UE como zona de paz, estabilidade, progresso e proteção de direitos básicos. Entretanto, na busca por uma solução, o bloco se mostra coletivamente mais carente de iniciativa e mecanismos convincentes de liderança.
Diante da contundência das ações russas, os Estados Unidos são o protagonista que apruma a situação, acompanhado com certa prudência por alguns Estados membros da UE, como o caso óbvio da Alemanha.
As motivações iniciais da Ucrânia obedeceram às expectativas de conseguir um acordo sólido de associação com a UE.
Nos planos de Kiev, incentivados desde Bruxelas, se destacava o tradicional “poder de recrutamento” da UE. Este primeiro passo lhe teria dado o status prioritário para conseguir os benefícios reforçados da “política de vizinhança” da UE, estendida a Estados limítrofes. Para alguns deles, como é o caso da Ucrânia, seria concedida uma considerável vantagem para optar, algum dia (ainda que distante) pela condição de candidato para uma completa pertinência.
Essa expectativa sempre esteve por trás das motivações e da estratégia de numerosos países que, em diferentes épocas, tiveram no centro de suas agendas fazer parte da UE. Espanha e Portugal executaram um rígido exercício de transformação e atualização de suas estruturas econômicas, com grandes sacrifícios, para se inserirem na então chamada Comunidade Europeia da metade da década dos anos 1980.
Ao final da Guerra Fria, teve lugar uma corrida frenética para a incorporação dos países do leste, anteriormente sob a órbita soviética.
O núcleo duro da UE considerou, desde a queda do Muro de Berlim, que a divisão artificial da Europa durante quatro décadas foi injusta e devia ser aplicada uma correção. Os anteriormente presos na órbita soviética procederam a uma transformação drástica para serem merecedores de entrar no bloco.
O mesmo se pode dizer dos antigos membros da Iugoslávia. Um a um, todos se esmeraram em conseguir credenciais mínimas para imitar o êxito inicial da Eslovênia. Foi semelhante o ainda frustrado caminho da Turquia para a UE, projeto que enfrenta obstáculos por carências internas e oposição externa (sobretudo da própria Europa), mas em nada afetou o poder de atração da União Europeia.
Inclusive na eventualidade de o ingresso turco na UE não ocorrer, as mínimas reformas que o sistema político e econômico sofreu serão devidas à pressão das condições de ingresso impostas por Bruxelas.
Em suma, apesar de todas as dificuldades e da carência de operações de grande impacto midiático, o certo é que o poder de atração da UE não cessa. Basta o caso da sistemática tentativa dos imigrantes de chegar ao território comunitário. Os incontroláveis e repetitivos incidentes em Lampedusa demonstram isso. As tensões na fronteira das cidades espanholas no norte da África revelam a mesma pressão.
Concluindo, para o bem ou para o mal, a mera existência da União Europeia continuará exercendo protagonismo, mais além da resolução do problema da Ucrânia.
Por maior que seja a agressiva política da Rússia, a presença de uma alternativa de estabilidade justamente do outro lado da fronteira continuará pesando forte. Este fato deveria continuar instalado nas análises que são feitas por Washington, pelo menos para ter em conta que a ajuda econômica da Europa à Ucrânia pode ser dez vezes superior à norte-americana. Envolverde/IPS
* Joaquín Roy é catedrático Jean Monnet e diretor do Centro da União Europeia da Universidade de Miami (jroy@Miami.edu).




