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Ucrânia olha para o Ocidente

Kiev, Ucrânia, 8/6/2011 – A possibilidade de a Ucrânia, com um governo nominalmente pró-russo, assinar um acordo de livre comércio com a União Europeia (UE) no final deste ano é um duro golpe para os interesses da Rússia. Será o passo mais importante para a integração deste país com a Europa ocidental desde que se uniu à Organização Mundial do Comércio em 2008. A Ucrânia é um mercado importante para a região. Com 45 milhões de habitantes, é a maior economia das ex-repúblicas soviéticas, atrás de seu gigante vizinho oriental.

O Acordo de Livre Comércio Europeu supõe no curto prazo um desafio político e econômico para este país, cujos maiores sócios comerciais continuam sendo as ex-repúblicas soviéticas. A surpreendente iniciativa partiu do presidente, Viktor Yanukovich, mundialmente conhecido como “o vilão”, com apoio da Rússia, da Revolução Laranja de 2004. O descontentamento popular com as eleições daquele ano levou à repetição da votação, que acabou vencida pelo candidato liberal e pró-Ocidente, Viktor Yushchenko.

Contudo, não houve muita integração com o Ocidente durante a caótica presidência de Yushchenko (2005-2010). Yanukovich, que o sucedeu, se comprometeu a estreitar laços entre Ucrânia e UE sem inquietar a Rússia. Suas ações caíram melhor no Ocidente do que em Moscou, considerando as baixas expectativas iniciais. Até a Embaixada dos Estados Unidos neste país considera o atual presidente um homem diferenciado em relação a 2004, segundo um telegrama divulgado pelo Wikileaks.

Yanukovich garantiu o reinício dos créditos do Fundo Monetário Internacional (FMI), após a suspensão de um empréstimo de US$ 15 bilhões em 2009, pela incapacidade do então presidente Yushchenko de cumprir seus compromissos com o FMI. A Ucrânia sofreu duramente o impacto da crise financeira que quase leva o país à bancarrota em 2008 e no ano seguinte registrou uma contração de 15% do produto interno bruto. Yanukovich chegou ao governo com condições econômicas favoráveis. Graças ao aumento no preço de metais, o crescimento de 2010 chegou a 4,5%. Além disso, se prevê aumento nos investimentos para o ano que vem, quando Ucrânia e Polônia organizarão o campeonato europeu de futebol.

No que é considerada uma tentativa de agradar UE e FMI, também tomou medidas para desregulamentar e reduzir o número de licenças e permissões, congelar as aposentadorias, aumentar a tarifa do gás e reformar o Estado, embora haja enormes dificuldades para colocar em prática. “Em especial se deve à corrupção. O governo não costuma fazer o que diz”, afirmou Ildar Gazizullin, analista econômico do independente Centro Internacional de Estudos Políticos de Kiev.

Os investidores estrangeiros se mostram satisfeitos com a estabilidade política e a macroeconomia, mas “a corrupção está tão institucionalizada que os que chegam à Ucrânia devem prever que serão roubados”, afirmou à IPS um alto diplomata da UE que pediu para ficar no anonimato. Também há muitos casos de licitações sem competição, como a privatização da estatal de telefonia fixa Ukrtelecom.

A população está claramente insatisfeita, pois sofre as reformas receitadas pelo FMI, da mesma forma que a Rússia, que quer evitar que a Ucrânia assine um tratado de livre comércio com a UE para atraí-la para uma união aduaneira com países da Comunidade de Estados Independentes. Numerosas pesquisas de opinião indicam que a maioria dos ucranianos entrevistados se mostra pessimista sobre seu futuro econômico e está descontente com as reformas, especialmente o aumento dos serviços e do novo código de impostos. Os críticos afirmam que o novo código beneficiará as grandes empresas em detrimento das pequenas e médias.

A Rússia, por seu lado, também está decepcionada pela falta de políticas favoráveis e tenta atrair a Ucrânia para a união aduaneira mediante um desconto anual no preço do gás, que chega a US$ 9 bilhões. A iniciativa será saudada pelas grandes empresas ucranianas, especialmente da siderurgia, grande consumidora de energia, que precisa do gás barato e pode ser considerada o “motor do crescimento econômico no curto prazo”, disse Gazizullin.

No entanto, o acordo com a UE abre para a Ucrânia o enorme mercado europeu e pode atrair investimento para setores que há muito tempo precisam se modernizar. Também servirá para romper muitos dos obscuros monopólios protegidos pelo governo. Será um grande desafio para Yanukovich, cuja assistência financeira procede das grandes siderúrgicas e da indústria química. São setores que funcionam com grandes margens de lucro e temem a competição dos produtos europeus de boa qualidade.

Sua influência no governo atual, bem como nos anteriores, é enorme. Especula-se que seis dos 16 integrantes do gabinete são multimilionários que mantêm seus negócios registrando-os em nome de familiares. Os investidores estrangeiros costumam se concentrar em setores de menor interesse para a oligarquia e o Estado, como a agricultura, onde o potencial da Ucrânia é substancial.

Entretanto, mesmo nesse setor, o governo ucraniano foi criticado por dar tratamento preferencial a um monopólio com participação estatal, que agora tem a melhor parte das cotas de exportação de grãos, o que limita o interesse em investir dos capitais estrangeiros. As autoridades justificaram sua decisão afirmando que devem proteger os agricultores ucranianos da competição estrangeira, mas os críticos dizem que a medida servirá somente para manter baixo o preço da terra para os que têm possibilidades de comprá-la, e evitar que vendam seus produtos ao preço internacional. Envolverde/IPS