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Ucrânia também dividida em Donetsk

Um manifestante pró-russo enfrenta a polícia antidistúrbios ucraniana na porta do edifício da administração regional, no centro de Donetsk. Foto: Zack Baddorf/IPS
Um manifestante pró-russo enfrenta a polícia antidistúrbios ucraniana na porta do edifício da administração regional, no centro de Donetsk. Foto: Zack Baddorf/IPS

 

Donetsk, Ucrânia, 25/3/2014 – Na praça Vladimir Lenin desta cidade do leste da Ucrânia, Yuroslav Korotenko mantém uma constante vigília em uma barraca de campanha instalada a poucos metros da estátua do líder histórico da revolução soviética. “Ficamos aqui para salvar esse monumento e esse lugar, porque as pessoas do Ocidente vêm aqui para fazer a guerra. As pessoas de Donetsk pensam na paz com a Federação Russa e não quer a guerra”, disse à IPS.

Korotenko se define com protetor da praça, onde milhares de pró-russos realizam manifestações diárias em apoio à adesão da Crimeia à Rússia e contra o novo governo ucraniano, formado após a expulsão do presidente Viktor Yanukovych.

“Não aceitamos o novo governo que está agora em Kiev”, disse Alex Yoktov, natural de Donetsk e assíduo nas mobilizações pró-russas. “É como mudar uma oligarquia por outra”, ressaltou. Ele destacou que o movimento de protestos pró-europeus em Kiev, conhecido como Euromaidan, apelou para a violência e “a extremistas para chegar ao poder”. À IPS, afirmou: “temo que os partidos nazistas como o Svoboda e outros estarão no poder. E poderão fazer o que quiserem. Será quase a mesma situação que na Alemanha, quando os fascistas chegaram o poder”.

Com cerca de dois milhões de habitantes, Donetsk é um importante ponto econômico, industrial e científico no leste da Ucrânia, apenas a 80 quilômetros da fronteira russa. Também é o centro administrativo da óbalst (província) de mesmo nome. No começo deste mês, o conselho municipal pediu a realização de um referendo sobre o futuro desta óblast para “proteger os cidadãos de possíveis ações violentas de parte de forças nacionalistas radicais”. O órgão destacou que considera a Rússia uma sócia estratégica.

Yoktov disse se sentir mais próximo da Rússia do que da Europa. “É como uma relação familiar. Somos o mesmo povo. São nossos irmãos”, afirmou. Muitas pessoas na província, incluindo ele próprio, têm familiares na Rússia. Porém, Nadiia Zima, professora de 24 anos, não concorda. Ela participou de mobilizações Euromaidan em Donetsk. Zima está convencida de que haverá um referendo em breve na região, já que o presidente russo, Vladimir Putin disse que, como a Crimeia, esta zona oriental ucraniana também é parte histórica da Rússia.

“Para mim, qualquer referendo é simplesmente um desejo imperial do presidente russo”, afirmou Zima à IPS. Ela está preocupada com o futuro de seu país. “Tenho medo de que comece uma guerra. Mas o que mais me dá medo é que nossa região de Donetsk siga o mesmo caminho da Crimeia”, acrescentou.

Vitalik, militante pró-russo que monta guarda em um posto de vigilância a cerca de 20 quilômetros de Donetsk, também disse temer uma guerra. Não quis dar seu sobrenome por medo de represálias das forças de segurança ucranianas. Estes voluntários, sem armas e de organização autônoma, se identificam com a bandeira de São Jorge, laranja e negra, que simboliza o valor militar russo.

“Paramos os ônibus que vão e vêm  para verificar que não estão transportando armas, e também pessoas estranhas. Estamos protegendo Donetsk”, explicou Vitalik à IPS. Este trabalhador da construção, de 30 anos, disse estar especialmente preocupado pela nova Guarda Nacional Ucraniana, de 60 mil efetivos, que incluiria membros do grupo paramilitar Pravii Sektor (Setor Direito), que protagonizou vários enfrentamentos em Kiev durante o Euromaidan. “Não significa que não confiamos nos militares ucranianos. Não confiamos nos chefes dos militares ucranianos”, afirmou.

A mais de 700 quilômetros de distância, em Kiev, Vitalik Cojda é outro guarda voluntário, neste caso do grupo que guarda a entrada do reduto da Euromaidan, no centro da capital ucraniana. É membro do partido Svoboda, que muitos pró-russos consideram “extremista”. Cojda está atento a possíveis “baderneiros”, que portem armas ou bombas. “Patrulhamos e detemos todos os suspeitos. Todos são enviados por Putin. Pode-se notar seu sotaque russo”, disse à IPS. Cojda chegou a Euromaidan em 26 de novembro, pouco depois de começarem os protestos.

Contou que um amigo seu, de 19 anos, morreu em seus braços após receber um disparo em enfrentamentos com a Berkut, a unidade policial de elite antidistúrbios. “Foi muito difícil olhar sua mãe nos olhos, porque eu o convidei para estar aqui, para proteger o país dos bandidos”, lamentou. Cojda acrescentou que “realmente luta pela verdade e pela liberdade”, e assegurou que permanecerá em pronto para a luta até que as tropas russas abandonem a Ucrânia.

A desconfiança com a Euromaidan é resultado de uma campanha de desprestígio lançada pelas elites russas e ucranianas, afirmou Aleksandr Beznis, ativista pró-europeu em Donetsk. “As pessoas não sabem a verdade. Não há extremistas” no movimento pró-europeu, assegurou, e ressaltou à IPS que “agora o maior problema da Ucrânia é a Rússia”.

Beznis viajou de Kiev para Donetsk para treinar no uso de armas. “Também não gostamos da Rússia, mas não queremos nenhuma guerra aqui”, afirmou. “Como não queremos nos envolver devemos apoiar nossa segurança e a democracia na Ucrânia”, acrescentou. Seu maior medo é a guerra civil. “Espero que não ocorra. Realmente espero. Tento não pensar nisso”, afirmou. Vitalik, no posto pró-russo nos arredores de Donetsk, pensa igual: “Ninguém quer a guerra. Todos querem continuar em paz”. Envolverde/IPS