Gaza, Palestina, 22/6/2011 – “Nos primeiros anos do cerco ainda podíamos nos arranjar de alguma forma, mas agora não temos alternativas”, disse Hassan Khalaf, vice-ministro de Saúde em Gaza, ao anunciar uma grave crise médica na região. “Muitos serviços de saúde deixaram de funcionar, e temo que isto fuja ao controle, porque Gaza não tem os medicamentos essenciais nem os insumos que precisa”, alertou.
Os pacientes com câncer e os que precisam de transplantes, bem como os que requerem cirurgias de rotina, incluindo dentais e oftalmológicas, estão severamente prejudicados pelos cinco anos do cerco implantado por Israel com apoio internacional. A cada ano crescem as advertências sobre a crise sanitária de Gaza e o Ministério da Saúde acaba de se declarar em emergência diante da falta de atendimento das necessidades.
Após as eleições democráticas de 2006, que levaram ao poder em Gaza o Hamas (Movimento de Resistência Islâmica), a população foi afetada por um bloqueio israelense que proíbe a entrada de alimentos, materiais de construção e insumos escolares, entre outras coisas. Os insumos médicos não fogem da lista negra, que por anos priva os moradores de Gaza de antibióticos e máquinas de raio X, entre outras coisas, que, segundo Israel, poderiam ser usados com “propósitos terroristas”.
Embora Gaza anunciasse, já em 2007, estar em um “nível zero” de medicamentos (carecia de 90 dos 480 remédios considerados essenciais), os médicos palestinos encontraram formas de lidar com a situação. O Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICR) informava, em novembro de 2008, que o pessoal médico do território tentava “superar a situação apelando para a solução mais à mão, o que nem sempre era bom. Por exemplo, se eram necessários tubos para alguns procedimentos médicos, usaram outros menores ou maiores do que o apropriado”.
Embora as alternativas não fossem ótimas e pudessem levar a tratamentos inadequados e dolorosos, ao menos havia opções. Mas com o endurecimento do cerco, especialmente após os 23 dias de ataques israelenses sobre Gaza entre 2008 e 2009, o sistema de Saúde na área ficou à beira do colapso. Durante essa ofensiva, aviões israelenses bombardearam mais da metade dos hospitais de Gaza, bem como 44 clínicas e os armazéns da Sociedade da Meia Lua Vermelha Palestina.
Em fevereiro de 2011, uma ofensiva israelense destruiu um depósito de suprimentos médicos em Jabliya. “Perdemos uma grande quantidade de produtos que havíamos recebido da cidade de Ramalá poucos dias antes do bombardeio”, disse Khalaf. Em junho de 2010, a Organização Mundial da Saúde pediu um “acesso ilimitado à Faixa de Gaza para os fornecimentos médicos, incluindo equipamentos e remédios, bem como um mais efetivo movimento de pessoas dentro e fora do território para sua capacitação médica e a reparação dos artigos necessários para uma atenção médica apropriada, para atender às necessidades humanitárias da população”.
Contudo, a escassez prolongada de suprimentos médicos fez novamente soar o alarme. “Em 2008, Gaza recebeu menos da metade dos medicamentos e insumos necessários”, afirmou Khalaf. A OMS informou que, em 2010, o território recebeu ainda menos, somente 40% do necessário. “E agora, em 2011, obtivemos somente um terço do que precisamos” acrescentou. “Faltam calmantes e anestésicos, medicamentos contra câncer e epilepsia, remédios infantis, produtos para diálise e inclusive luvas de borracha”, ressaltou Khalaf.
O alerta do Ministério foi repetido pela OMS, pelo CICR e pelo Centro Palestino para os Direitos Humanos. O Centro informou, na semana passada, que Gaza não recebe suprimentos médicos desde fevereiro deste ano, e indicou que a escassez afeta “centros de terapia intensiva, enfermarias neonatais, salas de operação, de anestesia e recuperação, de emergência, de cateterização cardíaca, de hematologia e oncologia, de doenças nefrológicas e de pediatria”. Segundo Khalaf, centenas de pacientes palestinos esperam “cirurgias de olho, endoscopias, operações vasculares e pediátricas e neurocirurgias”.
Uma equipe de médicos noruegueses fez uma pesquisa em hospitais e clínicas de Gaza em fevereiro. Seu estudo, divulgado na revista britânica The Lancet, revela as dificuldades dos pacientes com câncer, que receberam apenas parte de seus tratamentos de quimioterapia. Muitos morreram como consequência. “Oncologistas disseram que entre cem e 260 pacientes no maior hospital de Gaza não puderam receber tratamento efetivo por não ser possível obter a combinação de vários medicamentos”, informou a revista.
Para aliviar a atual crise médica, o CICR entregou na semana passada suas reservas de suprimentos médicos a hospitais em Gaza. O Ministério da Saúde da Autoridade Nacional Palestina (ANP), com sede em Ramalá, anunciou que também faria o mesmo, bem como o Egito. “Israel e o governo em Ramalá têm mútua responsabilidade na crise médica de Gaza”, afirmou Khalaf, condenando os atrasos e os obstáculos impostos por Israel nos embarques, bem com a negligência da ANP. Envolverde/IPS