Acordo entre países da Ásia Pacífico mostra que grupos menores, com liderança, facilitam consensos, principalmente sobre políticas de imediata implementação, com benefício geral. Bom sinal para políticas voltadas para mudança climática e promoção da economia de baixo carbono.
Na reunião que terminou no final da semana passada em Honolulu, os 21 países da APEC (Associação para Cooperação Econômica dos Países da Ásia-Pacífico) aprovaram a redução de tarifas de importação para promover o comércio regional de produtos que reduzam o consumo de combustíveis fósseis e reduzam a poluição.
A reunião começou marcada por um confronto entre EUA e China, marcado por palavras duras nos discursos de abertura do presidente Barack Obama, o anfitrião em sua terra natal, e do presidente da China, Hu Jintao. Eles foram muito explícitos em relação às divergências comerciais entre os dois países. Obama chegou, mesmo a mostrar certa irritação ao falar com a imprensa sobre as reiteradas reclamações relativas a subsídios ilegais e práticas de dumping (preços artificialmente baixos) pela China, usando a expressão “enough is enough”, que poderia ser traduzida por “passou dos limites”. Ele afirmou que seu governo “continuará a ser firme na posição de que a China deve operar pelas mesmas regras que todos seguem”.
No seu discurso de abertura, Hu Jintao insistiu que a China precisa ter mais voz como uma potência global emergente. Também deixou claro que Pequim prefere trabalhar dentro da arquitetura de comércio global existente, do que se sujeitar às pressões do EUA para abertura dos mercados da Ásia-Pacífico a qualquer custo. Autoridades chinesas também alertaram, durante a reunião, que a decisão recente de Washington de iniciar investigação que poderia levar à imposição de tarifas anti-dumping para células e placas fotovoltaicas chinesas prejudicaria a cooperação no campo da energia dentro da APEC.
Mas, ao final do encontro, os dois países encontraram pontos de consenso e concordaram em reduzir as tarifas de importação para “bens ambientais” (principalmente produtos para geração de energia) para no máximo 5% até 2015. Os países da APEC também se comprometeram a eliminar requisitos de “conteúdo nacional” que distorcem o comércio de bens e serviços ambientais até o final de 2012.
Adicionalmente, o acordo, formalizado na Declaração de Honolulu incluiu:
a racionalização e progressiva eliminação de subsídios ineficientes a combustíveis fósseis, que encorajam consumo perdulário, e a criação de um mecanismo para reportar o progresso obtido, com revisão anual pelo grupo;
a promoção da eficiência energética, adotando medidas específicas nos setores de transportes, construção, redes elétricas, empregos, compartilhamento de conhecimento e educação, em apoio a comunidades de baixo carbono com “inteligência energética”;
incorporar estratégias de desenvolvimento de baixo carbono nos planos de crescimento econômico e dar poder à APEC para implementar essa agenda;
adotar a meta de redução da intensidade de energia da região em 45% até 2035;
trabalhar em cooperação para implementar medidas que proíbam o comércio de produtos florestais ilegais e adotar medidas adicionais na APEC para combater o desmatamento ilegal e o comércio associado a ele.
O presidente Hu Jintao assinou o acordo, apesar de no início da reunião ministros chineses terem criticado a proposta de redução tarifária como “ambiciosa demais para países em desenvolvimento”.
Os “bens ambientais” a serem beneficiados pelos cortes tarifários não foram designados no acordo. Ficou para o ano que vem. Representantes do governo do EUA disseram que listaram “painéis solares, turbinas eólicas e hidráulicas, filtros para poluição do ar e bombas para tratamento de esgotos” entre os que gostariam de ver incluídos no acordo.
Cortes de tarifas e subsídios e medidas de comando e controle para evitar práticas ilegais são mais fáceis de implementar e fazer cumprir, inclusive porque entram em vigor tão logo as medidas sejam promulgadas. Metas de redução de intensidade de energia são mais elusivas, de implementação mais demorada e menos apreensíveis por todos os interessados. Autoridades chinesas se apressaram a explicar que a meta era uma aspiração e que os compromissos da APEC são “voluntários e “não-vinculantes”, isto é, não têm força legal. Mas reduções tarifárias, cortes de subsídios e proibição de comércio de madeira e produtos florestais ilegais requerem atos com força legal.
“Nós podemos e devemos enfrentar tanto os desafios econômicos da região como os ambientais, acelerando a transição para a economia global de baixo carbono, de forma que aumente a segurança energética e crie novas fontes de crescimento e emprego.” (Declaração de Honolulu: Rumo a uma Economia Regional sem Barreiras).
O acordo da APEC pode ser um passo significativo para adoção mais ampla e rápida de energia limpa pelas economias desenvolvidas e emergentes. Pode ser também uma lição para o resto do mundo, sobre como abordar construtivamente temas conflituosos. Se o acordo se tornar efetivo em 2012, ele poderá ser usado como referência em negociações climáticas em outros fóruns.
Negociações em torno de questões difíceis tem melhor chance de sucesso quando o número de negociadores é relativamente pequeno. Compare-se os 21 membros da APEC, que formam um conjunto bastante heterogêneo que vai do EUA a Brunei, com os 193 membros da Convenção do Clima. Para fazer diferença em relação ao status quo as partes do acordo tem que ter representatividade e peso. A APEC é a maior zona comercial do mundo, um conglomerado econômico muito poderoso. Responde por mais da metade do PIB global, 44% do comércio mundial e 63% das emissões de gases estufa. Estão no grupo, além do EUA e China, Japão, Coreia, Hong Kong, Cingapura, Rússia, Austrália, Nova Zelândia, México e Chile. Têm países com importantes extensões de floresta tropical como Indonésia, Tailândia, Malásia, Papua Nova Guiné e Peru.
Dos grandes atores da política global para mudança climática só não estão os países da União Europeia, o Brasil e a Índia. Uma contribuição relevante que a APEC poderia fazer seria levar essa agenda de acordo para ser adotada pelos países do G20-Fórum das Maiores Economias (MEF). Corresponderia a, praticamente, incluir a UE, o Brasil e a Índia. Um acordo desses no âmbito do G20 poderia dar grande impulso às negociações do clima, talvez permitindo imaginar como possível um acordo pós-Quioto em 2015.
* Publicado originalmente no site Ecopolítica.