Nações Unidas, 21/1/2015 – No ano passado, perderam a vida 61 membros do pessoal da Organização das Nações Unidas (ONU) no cumprimento de seu dever em missões internacionais, sobretudo em zonas de conflito na África, Ásia e Oriente Médio. O perigo que implicam essas missões é tão previsível que a ONU e suas diferentes agências recomendam sutilmente aos seus funcionários que redijam um testamento antes de partir.
Trabalhar na ONU foi especialmente letal em 2014, já que seu pessoal “continuou sendo alvo de ataques deliberados e exposto a contextos perigosos”, segundo a Comissão Permanente para a Segurança e a Independência da Administração Pública Internacional do sindicato dos empregados das Nações Unidas.
Barbara Tavora-Jainchill, presidente do sindicato, ao ser perguntada se a ONU faz o suficiente para proteger seus empregados nas operações no exterior, afirmou que “é uma pergunta difícil, já que em princípio a responsabilidade da proteção cabe principalmente ao país de acolhida, isto é, onde o membro do pessoal trabalha e vive. Creio que a pergunta mais adequada seria: deve a ONU enviar membros do pessoal a lugares onde não pode garantir sua segurança?”, pontuou.
Dos 61 funcionários da ONU e pessoal associado que morreram no desempenho de suas funções em 2014, 33 eram soldados de missões de paz, 16 civis, nove contratados e três consultores. Em 2013, morreram 58 no total, sendo 33 soldados de missões de paz e 25 civis e pessoal associado. Em 2012, 37 empregados da ONU – 20 civis e 17 soldados de missões de paz, dois deles policiais – morreram realizando seu trabalho.
Segundo o Comitê Permanente do sindicato, o incidente com mais vítimas aconteceu no norte de Mali, onde nove capacetes azuis morreram em outubro após uma emboscada ao seu comboio. O norte de Mali foi o lugar mais letal para o pessoal da ONU: 28 soldados morreram nessa área entre junho e outubro, enquanto Gaza foi a zona mais perigosa para o pessoal civil, com 11 mortos em julho e agosto.
As mortes, algumas delas classificadas de “intencionais”, foram registradas no Afeganistão, Camboja, República Centro-Africana, República Democrática do Congo, norte de Darfur, Gaza, Mali, Paquistão, Somália e Sudão do Sul.
O secretário-geral das Nações Unidas, Ban Ki-moon, expressou sua profunda preocupação pela contínua perda de vidas entre o pessoal internacional nas operações de campo. “Estou consternado pelo número de trabalhadores humanitários e forças de paz que foram atacados de maneira deliberada nos último ano, enquanto tentavam ajudar pessoas em crise”, disse Ban no dia 8 deste mês em uma cerimônia em homenagem aos funcionários mortos.
No ano passado, membros do pessoal da ONU morreram quando jantavam em um restaurante de Cabul, enquanto dois de seus companheiros foram atacados após descerem de um avião na Somália, recordou o secretário-geral.
“Pedem para trabalharmos em alguns dos lugares mais difíceis e perigosos do mundo”, afirmou Ian Richards, presidente da Coordenadoria de Sindicatos do Pessoal Internacional, na mesma cerimônia. “O trabalho é satisfatório e o fazemos de boa vontade”, afirmou. “Mas só pedimos em troca que a organização faça seu melhor esforço para nos proteger, cuidar de nossas famílias e responsabilizar os que nos atacam, incluindo os governos, por suas ações”, ressaltou.
Em um comunicado, o Comitê Permanente do sindicato informou que o Sudão do Sul foi o país com maior número de membros do pessoal detidos ou sequestrados. Em maio foi denunciado que as forças de segurança desse país agrediram e detiveram ilegalmente dois membros do pessoal da ONU em incidentes separados, na cidade de Juba.
Em agosto, o Serviço de Segurança Nacional do Sudão do Sul deteve dois funcionários nacionais. E, em outubro, oito homens armados vestidos de civis sequestraram um funcionário do Programa Mundial de Alimentos, que estava na fila para pegar um voo no aeroporto de Malakal e o levaram para um lugar desconhecido. Segundo o comunicado, dezenas de funcionários e pessoal associado da ONU também foram feitos reféns e sequestrados.
Os piores incidentes aconteceram nas Colinas de Golan, onde 44 soldados das forças de paz de Fiji foram detidos por elementos armados da oposição, entre 28 de agosto e 11 de setembro. Membros do pessoal da ONU também foram sequestrados no Iêmen, na região sudanesa de Darfur, no Paquistão e no Sudão do Sul. Um funcionário contratado da Índia, que trabalha para a missão da ONU em Darfur (Unamid), foi libertado no dia 12 de junho, depois de 94 dias de cativeiro.
Tavora-Jainchill disse que os membros do pessoal da ONU recebem uma “compensação pelo risco” em função das condições do lugar de destino que lhes cabe. Além disso, os funcionários da ONU têm um fundo de pensão que leva em conta a morte e o pagamento de pensão ou indenização aos familiares sobreviventes, acrescentou.
A questão do testamento “é muito interessante… há algum tempo perguntei a alguém da administração da ONU se era realmente assim”, disse a presidente do sindicato. A resposta foi que se pede aos membros do pessoal que considerem “colocar seus negócios e documentação em ordem. Minha interpretação dessa resposta é que essa papelada poderia incluir o testamento”, indicou. Envolverde/IPS