São Paulo, Brasil, 27/6/2011 – Há três anos não ocorre gravidez precoce entre as adolescentes que frequentam a Casa do Zezinho, um centro educacional e cultural que acolhe 1.500 crianças e jovens pobres que vivem em favelas da zona Sul de São Paulo. Uma dramatização radical nos painéis de educação sexual ajudou a prevenir esse fator de deserção escolar e a alimentação da pobreza. Há três anos, formou-se um grupo de casais de “grávidos”, com elas e eles tendo de carregar próteses de plástico simulando uma barriga em crescimento.
Enquanto estavam grávidos, os casais, com idades entre 15 e 20 anos, tinham de se privar de atividades que normalmente as gestantes evitam, como jogar futebol, algo muito frustrante para os “grávidos”. Tampouco podiam nadar na piscina que integra os 3.200 metros quadrados de construção da Casa do Zezinho, ou praticar outros esportes.
“Podiam apenas praticar ioga”, conta, divertida, à IPS Dagmar Garroux, fundadora e presidente da instituição, a quem todos chamam de tia Dag. Depois de nove meses, os adolescentes ficaram livres do grande volume ventral, mas, então, tiveram que cuidar do bebê, um boneco de papel machê feito por eles mesmos. Amamentá-lo, dar banho, trocar fraldas… Todas as tarefas de uma jovem mãe. Continuaram sem poder ir a bailes e festas na instituição, como acontece com as adolescentes das favelas, disse Dagmar. Com essas e outras iniciativas criativas “rompeu-se o ciclo da gravidez precoce” e se estimulou o uso de preservativos, acrescentou.
São numerosas e variadas as atividades dessa organização não governamental, com sede em um pequeno bairro de classe média encravado entre as favelas de Capão Redondo, Jardim Ângela e Santo Antonio, conhecidas por sua violência e que integram uma subprefeitura com mais de meio milhão de habitantes. A gravidez precoce nesse local se converte em uma forma de afirmação para muitas adolescentes oprimidas e sem oportunidades, e é comum nesses bairros um elevado índice de mulheres que cuidam sozinhas de suas famílias, a violência sexista, baixa escolaridade e criminalidade vinculada ao tráfico de drogas.
Entre 2000 e 2009, o Brasil reduziu em 34,6% a gravidez precoce, quando passavam de 444 mil. Mas os partos de moças entre dez e 19 anos ainda representam um quinto do total no país, segundo o Ministério da Saúde. Dagmar chegou ao lugar para viver e trabalhar quando era uma pedagoga descontente com o ensino convencional, “tonto, parado no Século 19”, que a fez mudar de escola “a cada três meses”, e em 1994 criou a Casa do Zezinho.
Ela promove o que chama de Pedagogia do Arco-Íris, que rege as atividades, destinadas a estudantes das favelas vizinhas, e se fundamenta no tratamento igual a todos, sem distinção de gêneros e entre os que aprendem e os que ensinam, seguindo a linha de que educar é amar e compartilhar. No dia em que a IPS esteve no local os educadores ressaltaram que não fazem diferença entre meninos e meninas, nem medem o aproveitamento por gênero, já que sua meta é reforçar sua autonomia e personalidade, algo revolucionário em uma comunidade onde vivem muitos pais para os quais “é uma perda de tempo” suas filhas se educarem.
Dagmar teve de convencer muitas mães de que somente com o estudo suas filhas teriam vida melhor do que elas e oportunidades iguais às dos homens, embora depois comente que não são tão iguais, em um país com estereótipos sexistas intensos. “Mas a oportunidade de sair do ciclo de violência, submissão e empobrecimento será muito maior para elas”, destacou Tia Dag, que se tornou especialista em distinguir os sinais de violência ou abusos sexuais das meninas e que, junto com sua equipe e assistentes sociais, promove soluções e terapia para agressores e agredidos.
Na escola informal há 1.200 jovens de seis a 21 anos, aos quais se somam 300 “jovens adultos” que frequentem cursos noturnos. Outros dois mil candidatos aguardam por uma vaga na instituição, onde um dos requisitos é que os escolhidos também estudem em uma escola regular. “Aguçar os cinco sentidos” é uma das bases da pedagogia de Dagmar, porque “sem todos os sentidos aguçados não se educa”, explica. Por isso, artes, esportes, cozinha, junto com muito afeto, são prioridades na Casa do Zezinho. “Sem arte também não se educa, apenas se forma tecnocratas”, ressaltou.
Os estudantes se dividem em sete séries, cada uma identificada por uma cor do arco-íris. As crianças de seis a oito anos começam na Sala Violeta e avançam para às salas Jeans, Mares e outras, conforme crescem, concluindo na Sala Coração, para idades entre 16 e 21 anos. Os cursos noturnos permitem continuar na Casa depois. Muitos voltam ou ficam na instituição como monitores, educadores ou funcionários. Dos que trabalham no local, 60% são “ex-vizinhos”, explicou Dagmar. Um deles é Agenor Mendes, responsável pelo setor de artes. Morador em Santo Antonio, entrou na Casa em 1999, com 14 anos, saiu em 2004 e voltou a ela em 2009, como educador.
Formado em artes visuais e com trabalhos em fotografia artística, tem versatilidade para orientar crianças e adolescentes em pintura, desenho, tapeçaria e uma grande variedade de artes. “Fazemos reciclagem, a obra se define pelo material disponível, sejam retalhos de tecido, madeira ou revistas velhas”, disse à IPS. O curso de mosaico reúne muitos adolescentes em outra sala. Na música, a instituição dispõe de uma orquestra que se apresenta nas favelas vizinhas e teatros distantes, e conta com um estúdio de gravação. “Músicos formados aqui ensinam em outros projetos e na Universidade Livre de Música ou tocam em orquestras”, contou Dagmar.
Capoeira, dança, teatro, aula de informática, cozinha ou horticultura agitam crianças e adolescentes pelo prédio de três andares, de salas irregulares, corredores e escadas nada assimétricos, que se expandiu de maneira improvisada, aos poucos. O alvoroço de centenas de pessoas em várias atividades ocorre em um clima distante das tensões “Não temos professores, mas mediadores”, definiu Dagmar, para explicar as relações horizontais entre todos. A igualdade de gênero é prática permanente, assegurou.
Os rapazes aprendem desde crianças a tricotar manualmente e participam em grupos de dança, enquanto os homossexuais não sofrem discriminação. Um travesti frequenta normalmente as atividades da instituição, citou como exemplo. Graças à instituição, as próprias jovens estão assumindo publicamente sua homossexualidade, algo ainda difícil em seu contexto de vida, segundo o jornalista Saulo Garroux, que aderiu integralmente ao projeto de Dagmar, sua mulher. Trata-se de uma organização de referência em sua área de atuação, muito respeitada, afirmou Andrea Cruz, psicóloga do Instituto Herdeiros do Futuro, que ajuda vítimas da violência nas favelas da região. Envolverde/IPS