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Um caminho pouco convencional para a paz

Um acampamento de refugiados em Mae Sot, aldeia da fronteira entre a Birmânia e a Tailândia e palco do diálogo de paz. Foto: Mikhail Esteves/CC-BY-2.

 

Mae Sot, Tailândia, 8/8/2012 – O ministro de Ferrovias e negociador de paz do governo da Birmânia, Aung Min, está fazendo caminho ao caminhar. Sentou-se à mesa com 11 diferentes grupos étnicos armados para alcançar um cessar-fogo e pôr fim a décadas de lutas separatistas. Desde que propôs uma trégua, em setembro do ano passado, o ministro viajou pela Birmânia e por países vizinhos sem depender de observadores estrangeiros ou facilitadores internacionais de paz.

“É improvável que o governo queira a presença de terceiros nesta etapa das negociações, e no momento isto me parece bom”, disse Zipporah Sein, secretária-geral e primeira mulher a liderar a separatista União Nacional Karen (KNU) durante uma entrevista à IPS. “Isto é parte da fase de criação de confiança, que levará a negociações políticas e de paz”, destacou. Em abril aconteceu uma rodada formal de conversações na Birmânia, e dela só foi permitida a participação de três estrangeiros, incluindo um diplomata britânico e outro norte-americano, na qualidade de observadores, acrescentou.

O povoado de Mae Sot, na fronteira com a Tailândia, que Aung Min visitou três vezes no ano passado, é um exemplo dos desafios que enfrentam as negociações de paz neste país entre múltiplos grupos étnicos, cada um com suas preocupações específicas. Nas últimas décadas esta localidade foi lar da maioria de nativos birmaneses no país, bem como abrigo para refugiados, principalmente do Estado de Karen, que fugiam da violência étnica e de perseguições.

O estilo birmanês de fazer a paz, rechaçando a intervenção estrangeira, se afasta do caminho habitual seguido por negociações semelhantes em outros países asiáticos, onde governos ou organizações internacionais foram reconhecidos como terceiras partes neutras, encarregadas de intermediar entre as autoridades e os combatentes armados presos em conflitos de várias décadas.

O desafio de Aung Min sem dúvida é mais complexo do que na maioria dos outros conflitos, e seu enfoque divergente parece estar colhendo algumas recompensas. Entre setembro do ano passado e abril deste ano, suas conversações garantiram acordos de cessar-fogo com 11 grupos étnicos armados. Entre estes êxitos, está o de janeiro com a KNU, que participou da luta separatista mais prolongada da Ásia, de 60 anos.

De todo modo, Sein não descarta uma mudança para incluir um facilitador oficial e independente da paz, enquanto as atuais negociações se encaminham para temas mais espinhosos, como o futuro das forças armadas karen e maior autonomia no Estado de Karen. “Poderemos precisar de uma terceira parte neutra no tocante a discutir as questões políticas e de desenvolvimento no Estado de Karen”, opinou Sein à IPS. “Estamos a favor de um sistema federal com maiores direitos para os grupos étnicos, para que possam viver e participar de um modo significativo”, destacou.

Win Min, especialista em segurança nacional da Birmânia, não acredita que a estratégia de Aung Min tenha sido decidida por integrantes do governo reformista do presidente Thein Sein. Sua opinião é que o novo enfoque se origina na relativa experiência de Aung Min e no fato de terem lhe dado um papel para o qual não tinha nenhuma formação. Assim, opera com um modelo que reflete “uma insinuação de orgulho birmanês”, disse Win Min à IPS.

“Aung Min estava entrando em águas desconhecidas quando lhe deram o papel de negociador de paz. Teve que encontrar seu caminho em cada uma das conversações de cessar-fogo. Foi algo improvisado, sem que nenhuma parte estrangeira desse as diretrizes”, acrescentou Win Min. Segundo o especialista, quanto mais se internava neste caminho, “mais confiança ganhava. Sua personalidade modesta e amigável e uma vontade de ouvir e incluir diferentes pontos de vista também se ajustaram ao processo”.

Win Min aponta que, após 50 anos de ditaduras militares, nesta nação do sudeste asiático prevalece uma questão de honra. “Os birmaneses têm esse sentimento de orgulho, que não queremos que esteja sujeito a pressões internacionais, dizer que podemos fazer as coisas por nós mesmos”, observou este acadêmico formado em Harvard.

A organização não governamental Myanmar Egress incentivou esta atitude quando interveio para ajudar a estabelecer contato entre o governo e seus adversários de minorias étnicas. A campanha permitiu que o governo de Thein Sein rechaçasse ofertas de muitas personalidades respeitadas e organizações internacionais para serem facilitadores de paz neutros. Isto incluiu o ex-presidente finlandês Martti Ahtisaari (1994-2000) e Os Anciãos, um grupo independente de líderes mundiais que tem à frente o arcebispo sul-africano Desmond Tutu.

Entretanto, o orgulho nacional não se estende ao universo econômico. Para fortalecer seu incipiente processo de paz, a Birmânia aceita ajuda financeira do Grupo de Apoio de Doadores para a Paz, liderado pela Noruega e apoiado por Austrália, União Europeia, Grã-Bretanha e Banco Mundial, todos comprometidos com o aporte de milhões de dólares para os trabalhos de alívio e reabilitação em áreas onde as armas silenciaram após as conversações pelo cessar-fogo.

“A posição que o governo está adotando em relação aos grupos étnicos é de igualdade”, disse à IPS Paul Keenan, do Centro da Birmânia para os Estudos Étnicos. “Antes, o governo ditava as condições para os grupos armados, e eles tinham que depor as armas antes das conversações, porque a prioridade era a segurança, não a paz e a igualdade”, acrescentou. “Agora, o clima é completamente diferente, e Aung Min quer falar com todos, o que é algo novo”, ressaltou. Envolverde/IPS