Salvador, Brasil, 10/11/2011 – Combater a desnutrição não implica apenas colocar comida em todas as mesas, todos os dias, comprova a IV Conferência Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional do Brasil, que termina hoje em Salvador, no Estado da Bahia. Esta Conferência é a primeira convocada desde que a alimentação adquiriu, no ano passado, status constitucional como um direito humano fundamental. Organizada pelo Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), um âmbito no qual confluem os governos federal, estadual e municipal, mais a sociedade civil organizada, seu lema é “alimentação adequada e saudável: um direito de todos”.
“É hora de analisar os avanços obtidos e enfrentar os novos desafios”, disse o presidente do Consea, Renato Maluf, ao convocar os dois mil participantes nacionais a assinarem “um grande pacto pela soberania e segurança alimentar e pela promoção do direito humano a uma alimentação adequada. Nos oito anos de governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2011) foram aplicados programas de transferência de renda familiar e de combate à fome que ajudaram a tirar da pobreza mais de 20 milhões de pessoas e a reduzir em 61% a desnutrição infantil neste país de 192 milhões de habitantes.
Outras iniciativas, como a merenda escolar, que atinge 47 milhões de crianças e adolescentes com até 30% de alimentos produzidos pela agricultura familiar, estimularam as economias locais e melhoraram outros índices de saúde e educação.
“Já não são políticas compensatórias. Ninguém duvida do compromisso brasileiro com o combate à fome e com o desenvolvimento do país”, destacou o diretor eleito da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), José Graziano da Silva, um dos artífices dessas políticas no começo do governo Lula. Com experiências como essas, agora o Brasil está preparado para dar ao mundo “contribuição em tecnologia social”, acrescentou.
Porém, Maluf reconheceu à IPS que, apesar de existir “uma importante redução de famintos absolutos”, ainda há manifestações de carência absoluta, sobretudo em grupos mais vulneráveis como indígenas e quilombolas (comunidades de descendentes de africanos que fugiram da escravidão). O delegado indígena guarani Delisso Santos Martins, do Mato Grosso do Sul, explicou à IPS que em sua comunidade os problemas de alimentação e nutrição se agravam pela perda de terras originais. “Não temos terras para produzir, e comprar alimentos fora é caro”, afirmou.
Maluf também se referiu à qualidade nutricional do que se come. “Nossos diagnósticos estão avançando na direção de já não falar da fome genericamente, mas de deficiências nutricionais mais específicas, que os especialistas chamam de nutrideficiências”, isto é, falta de alguns componentes nutritivos, ou micronutrientes, afirmou.
O advogado Leonardo Ribas, conselheiro de segurança alimentar do Estado do Rio de Janeiro, se referiu a uma pesquisa qualitativa encomendada pelo Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome, que revela essas deficiências entre os beneficiários do programa Bolsa Família, que entrega subsídios às famílias que enviam os filhos à escola e os vacinam corretamente.
“Constatou-se que, com o aumento da renda, os beneficiários aumentaram seu acesso à alimentação, mas algumas famílias permaneciam em estado de insegurança alimentar”, disse Ribas à IPS. Uma explicação, entre outras, é que “os alimentos que conseguiam comprar eram inseguros do ponto de vista alimentar e nutricional porque, obviamente, a alimentação consumida pela população urbana é mais industrializada e processada”, afirmou o advogado. Ribas considera necessário estimular, por exemplo, as produções adaptadas a práticas e riquezas locais, como as frutas autóctones, o que promoveria o acesso a alimentos mais saudáveis, nutritivos e baratos.
Esta Conferência é a primeira do governo de Dilma Rousseff. A iniciativa de Dilma, Brasil sem Miséria, busca chegar a 16 milhões de habitantes que ainda vivem na extrema pobreza. Mas os esforços começaram antes da gestão do PT. Desde a primeira Conferência, em 1994, foram alcançados três importantes objetivos graças à unidade de ação de governos e sociedade civil no Consea, segundo a ministra de Desenvolvimento Social, Tereza Campello.
O primeiro foi colocar o combate à fome no centro da agenda oficial, e o segundo foi impulsionar a agricultura familiar, que leva alimentos à população mais vulnerável e melhora a economia rural, e, terceiro, foi construir “uma alternativa efetiva para um novo modelo de desenvolvimento econômico que garanta a inclusão social de milhões de brasileiros”, disse Campello.
O encontro do Consea tenta articular um Sistema Nacional de Segurança Alimentar de todos os Estados, e também aborda a questão do elevado consumo de agrotóxicos. O Brasil, potência agropecuária, ocupa o primeiro lugar em consumo de herbicidas, fungicidas e inseticidas agrícolas. “Não pode haver agricultura familiar com agronegócio. Não há qualidade de alimentos com alimentos que chegam intoxicados”, destacou uma delegada das comunidades tradicionais, a camponesa Alayde de Souza, que trabalha como quebradora de coco de palmeira babaçu, no Estado do Maranhão.
A Conferência também discute a produção de grãos transgênicos e a obesidade, “um problema de segurança alimentar grave no Brasil”, que já se tornou de saúde pública, “especialmente na população mais pobre”, afirmou Maluf. Segundo o Ministério da Saúde, 49% da população têm sobrepeso e 16% sofrem obesidade. Outros grupos abordaram assuntos mundiais, como a carestia alimentar que também afeta o Brasil. “Não se pode erradicar a miséria com alimentos a preços crescentes”, disse Maluf. Envolverde/IPS