Jerusalém, Israel, 16/8/2012 – Milhares de homens, mulheres, meninos e meninas da comunidade ultraortodoxa judia em Israel protestam contra a decisão de estender o serviço militar obrigatório aos estudantes rabínicos, até agora isentos. “Temem que expor ao serviço militar jovens que estiveram atrás das ‘paredes da santidade’, com os altos níveis de adrenalina que essa mudança implica, faça com que percam sua identidade”, explicou Yedidia Stern, vice-presidente do Instituto Israelense para a Democracia e professor de direito na Universidade de Bar-Ilan.
“Substituir a emoção de responder uma pergunta sobre o Talmud pela emoção de realizar uma operação, de arma na mão, contra um edifício, em uma idade em que se é muito impressionável e na qual se absorve as influências externas, pode afetar a identidade única da próxima geração deste distinto grupo cultural”, alertou Stern em uma coluna no jornal Yediot Achronot. O Talmud reúne discussões rabínicas sobre as leis, os costumes e a tradição do povo judeu.
Em fevereiro, o Supremo Tribunal Israelense considerou inconstitucional a lei que exonerava os jovens ultraortodoxos do serviço militar obrigatório. A chamada Lei Tal, aprovada em 2002, concedia aos estudantes das yeshivás (centros de estudos rabínicos) a opção, aos 22 anos, de continuarem com sua educação ou se alistarem nas forças armadas. O ministro da defesa de Israel, Ehud Barak, disse na época que a Lei Tal, “após dez anos, não atendeu às expectativas nem permitiu as mudanças necessárias para uma distribuição equitativa da carga” da defesa do país.
Os ultraortodoxos judeus representam cerca de 10% dos quase oito milhões de israelenses. Todo cidadão israelense não árabe é obrigado a servir entre dois e três anos nas forças armadas após completar 18 anos. A lei revogada foi prorrogada várias vezes, mas expirou no dia 1º deste mês, após a decisão do tribunal. Os jovens das yeshivás não trabalham e dedicam a maior parte de seu tempo ao estudo do Talmud e da Torá (lei judia). O governo fornece serviços financeiros e sociais à comunidade ultraortodoxa, dentro da qual a taxa de pobreza é de 60%.
Este apoio oficial causa tensões entre os israelenses seculares e os religiosos. No começo de julho, milhares de pessoas foram às ruas em Tel Aviv para exigir que todos os setores da população de Israel “compartilhem a carga” do serviço militar. Esta tensão, segundo Stern, pode chegar a dividir em dois a sociedade israelense e alienar ainda mais a comunidade ultraortodoxa.
O primeiro-ministro, Benjamin Netanyahu, pode acabar sendo afetado por estes protestos. “O próximo verão (boreal) tem potencial para ser particularmente volátil para a sociedade israelense”, alertou Stern. Netanyahu acaba de formar o “Comitê Pleisner” para redigir uma nova lei sobre o serviço militar obrigatório, que inclua os jovens ortodoxos. Também anunciou sua intenção de estender a obrigatoriedade aos cerca de 1,6 milhão de árabes israelenses. “Estou decidido a promover um drástico aumento na parte da carga do serviço militar entre os jaredies (os mais conservadores dentro dos ultraortodoxos) e os árabes. Não permitiremos mais que haja alguns que sirvam mais do que outros”, declarou Netanyahu.
Em Israel também existe um programa de serviço voluntário, que permite a participação daqueles que estão livres do serviço militar. O programa é supervisionado pela Administração Nacional de Serviço, órgão que opera sob o controle do Escritório do Primeiro-Ministro. Segundo dados oficiais, mais de 1.550 palestinos com cidadania israelense participaram do programa em 2011, contra 240 em 2006. A maioria destes voluntários colabora em escolas, hospitais e outras instituições públicas em todo o país. E alguns também servem em diversas forças de segurança, como a polícia.
No dia 18 de julho, pelo menos 400 jovens árabes (palestinos, beduínos e drusos com cidadania israelense) se reuniram na cidade de Nazaré para expressar sua oposição a esse programa. “É uma grave ameaça ao nosso futuro, à nossa comunidade, aos nossos jovens”, protestou Nadim Nashif, diretor da Baladana, uma organização de jovens palestinos com sede em Haifa. “Não é voluntário porque possui um contexto político”, ressaltou.
Nashif disse à IPS que o programa ameaça a identidade dos palestinos e condiciona o respeito de seus direitos como cidadãos ao cumprimento de deveres perante o Estado judeu.”Um dos cenários que nos preocupa é que aqueles palestinos que participarem do serviço gozem de direitos, e os que não o fizerem percam seus direitos. Isto criaria um sistema de classe dentro de nossa comunidade”, acrescentou.
Os cidadãos palestinos de Israel constituem um dos segmentos mais desfavorecidos da sociedade e mais da metade de todas as famílias palestinas em Israel são classificadas como pobres, segundo o Centro para Direitos das Minorias Árabes em Israel. A taxa de desemprego é desproporcionalmente alta nessa comunidade, e as cidades e povoados de maioria palestina têm os níveis socioeconômicos mais baixos do país.
Segundo Nashif, o caso dos drusos, que há 64 anos são recrutas no exército de Israel, é um exemplo claro de como servir em instituições israelenses não necessariamente tem como consequência gozar de direitos iguais. “Desde 1956, a grande maioria dos jovens drusos serve o exército. Não têm direitos iguais. Em muitas situações e em muitos aspectos, são casos piores do que os do resto dos árabes. Esta é uma prova muito consistente de que não se tem direitos por servir ou não o exército, mas por ser, ou não, judeu”, observou Nashif. “Nossos direitos são naturais. Nossos direitos não devem estar condicionados por este ou aquele político, nem por nenhum tipo de lei”, enfatizou o jovem. Envolverde/IPS