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Um microlaboratório contra a pobreza

Rio de Janeiro, Brasil, 26/5/2011 – A demanda por microcréditos no Brasil é um fenômeno ainda de grande potencialidade e expansão, apesar de esta modalidade de suporte para a produção ter crescido acima da média do sistema tradicional de empréstimos, nos últimos oito anos, e ter funcionado com sucesso nos programas de combate à pobreza. A mudança começou com a chegada à Presidência de Luiz Inácio Lula da Silva, que imediatamente lançou o Programa Nacional de Microcrédito Produtivo dirigido à população de baixa renda.

Nos oito anos dos dois mandatos de Lula, o Brasil passou de 200 mil clientes ativos em créditos de pequena escala para mais de um milhão, o que equivale saltar de 30% para 50% do produto interno bruto, segundo destaca em entrevista à IPS o coordenador do Centro de Estudos de Microfinanças da Fundação Getulio Vargas (FGV), Lauro Gonzalez.

O programa para ampliar o acesso a crédito por empreendedores formais e informais de mínimo movimento conseguiu, com os recursos de 2% dos depósitos especiais destinados a microcréditos, a realização de 55,6 milhões de operações de empréstimos de uso livre, entre agosto de 2004 e agosto de 2010. Também gerou nesse período o equivalente a quase US$ 4 bilhões em créditos destinados à população de baixa renda.

“Foi uma importante iniciativa para fortalecer e ampliar as ações creditícias para o público de baixa renda”, disse à IPS o gerente de Meio Ambiente e Microfinança Urbana do Banco do Nordeste, Marcelo Azevedo Teixeira. “Novos atores entraram nesse mercado, foram desenvolvidos novos produtos e houve uma evolução do contexto de regulação, que permitiu a consolidação da atuação de diversas instituições”, acrescentou.

O plano CrediAmigo, do Banco do Nordeste, representa cerca de 70% do mercado nacional de microcrédito produtivo popular do Brasil e é um dos maiores da América Latina. Vencedor do prêmio Excelência em Microfinanças do Banco Interamericano de Desenvolvimento, contava, até abril deste ano, com 827.579 clientes ativos e mais de US$ 462 milhões de carteira em uso. No ano passado, foram realizados 1,6 milhão de operações e aplicados US$ 1,234 bilhão, com um grau de inadimplência de apenas 1,11%.

O CrediAmigo, que começou no Norte do país e agora se estende a outras áreas, como as conhecidas favelas do Rio de Janeiro, permitiu que 60,8% de seus clientes superassem a linha de pobreza, segundo um estudo do economista Marcelo Neri. Uma experiência que o chefe do Centro de Estudos Sociais da FGV define em seu trabalho como “de excelente qualidade, com escala, sustentabilidade e retorno privado, que chega às mulheres e aos pobres e, portanto, com um importante efeito social”.

Segundo Neri, a possibilidade de superar a linha de pobreza aumenta consideravelmente a cada seis meses, quando o cliente se mantém ativo e ainda mais quando permanece mais de cinco anos no sistema. O programa do Banco do Nordeste atende empreendedores de pequeno porte, sendo 92% do setor comercial, em atividades como venda de roupa, artigos de higiene e perfumaria, bem como de alimentos e bebidas. As mulheres representam 65% da base de cientes do CrediAmigo, em geral associadas a grupos solidários.

A VivaCred, uma instituição de microcrédito sem fins lucrativos, é um dos canais de bancos, como o Banco do Nordeste, com as comunidades pobres do Rio de Janeiro, seja na Rocinha ou no Complexo do Alemão. Seu diretor, Teófilo Cavalcanti, explicou à IPS que orientam seus empréstimos para microempresários urbanos, comerciantes, artesãos e pequenos prestadores de serviço dos setores formal ou informal da economia.

Os beneficiários principais deste sistema são pequenos restaurantes, pensões, salão de beleza, mototáxis, vendedores de roupas e até serviços esportivos, como aluguel de asa delta. Os empréstimos variam entre o equivalente a US$ 600 e US$ 5 mil, com taxas de juros de 1,19% a 2,95% ao mês, que em alguns casos diminuem na medida em que o cliente mantenha o pagamento da dívida.

Maria do Livramento dos Santos, de 58 anos e moradora da Rocinha, conseguiu dois créditos do VivaCred nos últimos três anos, o primeiro equivalente a US$ 308 e depois US$ 362. Esta ajuda financeira mudou sua vida, porque a ajudou a ter sua própria loja de roupas para cama e mesa. Graças ao VivaCred e a Deus – disse à IPS – ela pôde construir sua casa própria com “quarto e sala”, além de pagar dívidas antigas e, assim, limpar seu nome.

Hoje se orgulha de poder comprar roupa a prazo e eletrodomésticos em grandes magazines, com o pagamento de mensalidades que agora não lhe parecem tão altas, em razão de sua melhora econômica. Com mais empréstimos desse tipo, Maria do Livramento disse que já pensa em “coisas maiores”. Refere-se a poder comprar o ponto onde tem sua loja e alugar, bem como também pensa no futuro ter uma pequena fábrica de roupas para cama e mesa.

Cavalcanti chamou a atenção para o interesse dos grandes bancos privados, como Santander, Itaú e Bradesco, de se estabelecerem em comunidades pobres para chegar a clientes como esta moradora da favela da Rocinha. Contudo, afirma que, para ampliar o acesso ao microcrédito, é preciso criar novos produtos e mecanismos neste potencial mercado.

Apesar do crescimento econômico dos últimos anos da economia brasileira, são atendidos apenas 10% dos empreendedores de pequena escala que precisam de crédito, segundo Gonzalez. Um público potencial de aproximadamente oito milhões de clientes a ser explorado, equivalente a 85% do mercado.

“Ainda temos um longo caminho pela frente”, disse o coordenador do Centro de Estudos de Microfinanças da FGV ao propor melhorias, como a criação de mecanismos “mais inovadores”, mais empréstimos em grupos, maneiras diferentes de analisar o risco de crédito e o fortalecimento de bancos como o Banco do Nordeste.

O Ministério da Fazenda avalia um novo programa para estimular mais o microcrédito produtivo e desestimula o crédito para consumo. Também estão previstas mudanças quanto ao teto das taxas de juros e o prazo de concessão dos recursos para estimular os bancos privados a incursionarem nesta metodologia creditícia. Atualmente, essas entidades financeiras tradicionais podem usar 2% dos depósitos em dinheiro à vista para o microcrédito, mas não o fazem.

Teixeira se refere aos dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística sobre a existência de pelo menos dez milhões de empreendedores informais “sem acesso a fontes de financiamento adequadas”. E destaca que estimar o déficit para esta demanda é difícil porque não se pode “pressupor” que a única forma de financiamento desse público seja o microcrédito produtivo orientado. O diretor do Banco do Nordeste considera que a atenção com esse mercado potencial exige uma metodologia adequada, cujo custo operacional é elevado. Envolverde/IPS