Escrevo sob o impacto do que aconteceu na escola municipal Tasso da Silveira, em Realengo, Rio de Janeiro, quinta-feira. A presidenta Dilma, no final do ato que comemorava 1 milhão de empreendedores inscritos no programa micro-empreendedor individual, resolveu não fazer discurso. Apenas pediu “um minuto de silêncio em homenagem a esses brasileirinhos que foram tirados tão cedo da vida.” E chorou.
Muitos brasileiros e brasileiros choraram. Choraram de dor, choraram por não entender. Como pode um jovem brasileiro de pouco mais de 20 anos entrar numa escola onde tinha estudado, disparar dezenas de tiros a sangue frio, cirurgicamente no coração e na cabeça, matar, crianças, adolescentes, jovens? Que razão é essa, que sentimento é esse, o que pode explicar gesto tão tresloucado?
Talvez nada e ninguém expliquem. Tínhamos notícias mais ou menos freqüentes de fatos semelhantes nos Estados Unidos, um ou outro fato do tipo na Europa ou algum outro país. Pensávamos: mas lá a violência indiscriminada é comum e vem de longe, há posse livre de armas, fazem parte da vida das pessoas, eles fazem guerras o tempo todo, onde matam e morre muita gente inocente. O racismo e a intolerância, como se vê em tantos exemplos de um mundo globalizado, em tempos de notícia instantânea, estão presentes no seu cotidiano, quase fazem parte da sua cultura e história.
Mas o Brasil não! Aqui jamais! Aqui judeus e árabes convivem e se respeitam, há diversidade cultural, a intolerância eventualmente existente, quando acontece, não é no mesmo grau e intensidade da deles. Nós, brasileiras e brasileiros, somos diferentes. Acabamos de eleger uma mulher presidenta da República, sinal de que mulheres, negros, mulatos, brancos, amarelos, jovens, indígenas, pessoas vindas de todas as latitudes e origens têm espaço e oportunidade, não são discriminados, não sofrem da mesma segregação de outros países e povos.
Esta chacina no Rio obriga a pensar e repensar práticas, valores. Obriga a colocar a mão na consciência e perguntar: onde errei? Onde erramos?
Será herança histórica, num país onde o povo, em especial os mais pobres e os trabalhadores, teve pouco espaço ao longo dos séculos, a democracia foi sempre muito restrita, as elites e oligarquias sempre enxergaram o povo como servente braçal, muitas vezes mais como bucha de canhão, sem capacidade intelectual? E por isso estamos tão atrasados na educação e culturalmente, se nos compararmos com os países e irmãos latino-americanos, como acaba de ser demonstrado e divulgado esta semana?
Ou será que os anos recentes, quando o povo e os mais pobres começaram a ter acesso ao alimento, a fome e a miséria diminuíram, a renda, as condições e a qualidade de vida de milhões de brasileiras e brasileiros vêm melhorando substancialmente e há, finalmente, acesso a bens básicos como casa própria, utilidades domésticas, poder vestir-se melhor, poder viajar, estão trazendo consigo algum germe venenoso, ou valores como o egoísmo, a falta de solidariedade, o isolamento e a solidão da internet e do celular?
É preciso perguntar-se e saber se este é apenas um fato isolado, embora profundamente triste. Ou quem sabe exista algum razão produzida coletivamente pela sociedade do consumo e do individualismo, do ter sempre mais (e alguns ou muitos continuam não tendo ou não podendo ter), em vez de uma sociedade do ser, da partilha comum, do acesso solidário aos bens produzidos por todos, da convivência fraterna, da harmonia e da paz.
Dói. Dói muito. Crianças e jovens são feitos e estão prontos para viver. São a felicidade do olhar, são o sentido de futuro, são a esperança, são o amanhã. Eu que já estou chegando nos meus sessenta talvez já tenho cumprido (ou não) boa parte do que me cabia fazer. Eles e elas não. Apenas desabrochavam na alegria juvenil e na possibilidade de ajudar a construir um outro tempo. Ou de continuar construindo outro tempo, ‘outro mundo possível’.
Como disse um pai, chorando: “Chegou a hora de todo mundo se unir e fazer um Brasil melhor”. Que fique esta frase no minuto de silêncio solicitado pela presidenta Dilma. E que não seja apenas um minuto, mas uma hora, um dia, semanas, meses, anos, décadas. Este país tem um espaço no mundo que nenhum tem ou poderá ter. Brasileiros e brasileiras encarnam valores vividos, celebrados, que não podem ser quebrados por um gesto estúpido ou um acontecimento trágico.
Um minuto para os jovens que perderam a vida! Um minuto de silêncio para a esperança e o futuro!
Em oito de abril de dois mil e onze
*Selvino Heck é Assessor Especial da Secretaria Geral da Presidência da República
**Publicado originalmente no site da Adital.