“Urge preveni-los do muito que se poderia fazer, com apoio no saber científico, e do descalabro e pequenez do que se está fazendo” – Darcy Ribeiro.
O modelo de desenvolvimento pretendido para a Amazônia, respaldado na produção e no consumo sustentável dos seus recursos naturais, é, simultaneamente, desafiador e inovador. Para os cientistas, esse novo paradigma – que prioriza a conservação da cultura dos povos tradicionais da floresta e o crescimento econômico da região – é possível, mas os maiores desafios são fazer uso intensivo da ciência, da tecnologia e da inovação (CT&I) e qualificar a mão de obra.
A demanda do mercado global por água, energia, alimentos, biocombustíveis e fármacos, somada à importância da biodiversidade amazônica, dilatou a relevância geopolítica da região. Em um cenário de previsão de grandes investimentos em infraestrutura, empreendimentos energéticos e exploração mineral, somente o desenvolvimento de CT&I poderá mostrar o caminho de como utilizar o patrimônio natural sem destruí-lo.
“A principal aposta é investir na prospecção e transformação da nossa propalada imensa diversidade biológica, o que resultará em produtos de alto valor agregado, como fármacos, cosméticos e alimentos”, apontou Ulisses Galatti, chefe da Coordenação de Zoologia do Museu Paraense Emílio Goeldi.
Para o escritor e coordenador do Instituto Peabiru, João Meirelles Filho, os serviços prestados pelo meio ambiente amazônico devem ser vistos como base para uma verdadeira revolução científica. “A utilização racional dos vastos recursos naturais da Amazônia precisa ser incorporada, definitivamente, às estratégias de desenvolvimento nacional”, afirma ele.
A região da Amazônia Legal contribui com 8% do PIB nacional, mas conta com apenas 2,5% dos investimentos em CT&I. Com 12,8% da população brasileira, os nove Estados abrangidos pela área possuem juntos apenas 140 cursos de mestrado acadêmico, 39 de doutorado e seis de mestrado profissionalizante, o que representa 4,8% dos 3.854 cursos existentes no Brasil em 2007. Além disso, 50% das informações produzidas sobre o bioma são de autores estrangeiros.
A preocupação com a CT&I culminou, nos últimos anos, em múltiplas iniciativas para o desenvolvimento local. Diversos programas, planos, projetos e ações foram concebidos e inseridos em uma agenda amazônica. Entre eles, e para citar apenas alguns, temos: o PTU (Programa do Trópico Úmido), o PNOPG (Programa Norte de Pesquisa e Pós-Graduação), o PNI (Programa Norte de Interiorização), o Piual (Protocolo de Integração das Universidades da Amazônia Legal) e o Unamaz (Associação de Universidades da Amazônia). Junto com as universidades, ou outras instituições e organizações não governamentais, também desenvolvem pesquisa na floresta amazônica.
Relevância da ciência
Os projetos já desenvolvidos são considerados por pesquisadores e pelo MCT (Ministério da Ciência e Tecnologia) substanciais para a região. É consenso que todos esses instrumentos serviram de suporte para o desenvolvimento de uma base para a identificação das prioridades em CT&I, acesso aos financiamentos e qualificação de recursos humanos.
Entretanto, muitos desses projetos passam por uma fase de expansão, seguidos de estagnação e declínio, que decorre em grande parte da desarticulação e da falta de continuidade das políticas públicas.
A fomentação de políticas públicas para CT&I na região amazônica é a única solução para que os projetos tenham continuidade. Para Meirelles Filhos, faz-se necessário resgatar o planejamento e integrar suas várias dimensões da pesquisa científica, visando à construção de uma agenda prioritária que oriente a articulação dos projetos de pesquisa com a coordenação das políticas ministeriais, de forma a fortalecê-los e associá-los aos problemas e demandas da região.
“Este planejamento deve levar em consideração as rápidas mudanças que ocorrem na Amazônia. Tem de estar baseado na fomentação de secretarias de CT&I locais e na constituição de um Conselho Nacional de Ciências da Amazônia”, defende.
Para a pesquisadora Erika Pinto, do Ipam (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia), é necessário que o desenvolvimento de CT&I na região amazônica leve em consideração alguns elementos particulares. “É mais do que fundamental que seja desenvolvida uma visão de que a pesquisa científica deve ser elementar e que deve, também, pautar as tomadas de decisões, buscando fortalecer o desenvolvimento da região de forma a contribuir com uma distribuição econômica justa, sem que ocorra interferência na conservação da floresta”, diz.
O que se conhece da Amazônia ainda é muito pouco. Em relação ao potencial biológico, presume-se que esteja catalogado apenas 1% das espécies de flora, fauna e micro-organismos. Menos mensurável ainda é o conhecimento sobre temas como arqueologia e riqueza cultural dos povos antigos.
Financiamentos de pesquisas
Até o final de 2010, o Brasil aplicou R$ 41 bilhões no desenvolvimento de projetos na área de ciência e tecnologia e inovação. Segundo o MCT, o plano de ação para o setor, que teve início em 2007, está cada vez mais consolidado. Na pauta dos desafios para a região amazônica para a próxima década estão: gerar renda para as populações locais, investir em inovação tecnológica, ampliar a quantidade de doutores e fixá-los nos Estados da região amazônica.
Com o intuito de discutir esse cenário de investimentos e formação, foi realizada no país, em 2010, a 4ª Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação para o Desenvolvimento Sustentável. Durante o evento foi realizada um mesa temática de discussão sobre a Amazônia. Liderada pelo Inpa (Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia), as discussões sobre essa região perpassaram pelos temas de geração de renda para as populações locais e a sua relação com os estudos e pesquisas produzidas por cientistas brasileiros. “Não dá para importar tecnologia para o desenvolvimento econômico da região. É preciso investir em estudos feitos aqui, a partir da demanda local”, apontou Adalberto Luís Val, diretor do Instituto.
Na oportunidade, os cientistas nacionais sinalizaram que as propostas de políticas públicas para a região amazônica devem aliar a preservação da biodiversidade com a utilização das potencialidades econômicas. Segundo Luís Val, o investimento de 8% dos recursos destinados a ciência e tecnologia na região deve implicar três vezes mais a contribuição para a geração de riquezas e conhecimento.
Outros desafios
Em junho de 2010, a Associação Brasileira de Ciência (ABC) promoveu, em Belém, uma reunião com autoridades da área de CT&I, para discutir a capacitação dos pesquisadores. O vice-presidente da entidade para a região Norte e também diretor do Inpa, Luís Val, disse que os programas de pós-graduação precisam fortalecer a geração de emprego e renda.
A ABC tem desenvolvido um importante trabalho no que diz respeito à CT&I e à fomentação de políticas públicas para a Amazônia. Para demonstrar um panorama sobre a situação atual na região e os desafios existentes, a instituição publicou, em 2008, o relatório “Amazônia: Desafio Brasileiro do Século XXI – A necessidade de uma revolução científica e tecnológica”.
Nesse documento, a ABC traça um panorama da CT&I na Amazônia e aponta possíveis soluções para os gargalos existentes no cenário da pesquisa e da formação de recursos humanos para a região, entre os quais:
– Criação de novas universidades públicas, atendendo às mesorregiões que possuem densidades populacionais que justifiquem tal investimento;
– Criação de institutos científico-tecnológicos associados ao ensino e pesquisa tecnológica, descentralizando infraestrutura de CT&I e permitindo a articulação de uma rede de grande capilaridade;
– Ampliação e fortalecimento da pós-graduação, expandindo de forma expressiva a formação, atração e fixação de pessoal altamente qualificado em CT&I;
– Fortalecimento das redes de informação na região, dotando a região com uma rede com banda mínima de 2 Gbps.
* Efraim Neto é jornalista, editor da revista Com Ciência Ambiental, ex-consultor de comunicação do Observatório da Equidade do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES) da Presidência da República.
** Publicado originalmente no site Mercado Ético.