logo metropoles_SegurancaA redução de indicadores na área de segurança pública não é uma questão de polícia, mas de políticas integradas de urbanismo e ação social em educação, cultura, esportes e trabalho.

“O Brasil prende muito e prende mal”. Essa afirmação deixou calada a plateia de convidados e especialistas reunidos em Recife para nova rodada dos “Diálogos Capitais – Metrópoles Brasileiras” sobre Políticas de Segurança e Bem Estar Social. O desabafo foi de José Luiz Ratton, idealizador de um dos mais bem sucedidos projetos de redução da violência no Brasil, o Pacto pela Vida, que derrubou os indicadores criminais em Pernambuco e, em especial, na capital.

O programa Pacto Pela Vida, estruturado no âmbito do governo do estado de Pernambuco, ainda na gestão do ex-governador Eduardo Campos, conseguiu reduzir os indicadores de violência em 40% no interior do estado e em 60% no Recife, o que significa respectivamente 34 e 28 homicídios para cada 100 mil habitantes. Convidado para a abertura do evento, o prefeito Geraldo Júlio explicou que não se pode mais imaginar que as questões de segurança podem ser deixadas apenas a cargo dos governos estaduais. “É preciso a participação das prefeituras, o envolvimento dos prefeitos, para construir as bases de uma sociedade onde o bem estar ganhe espaço sobre a insegurança”.  O prefeito aponta as falhas no planejamento urbano e o abandono dos espaços públicos como um dos vetores da violência urbana. “Muros altos e condomínios fechados não propiciam a convivência nas cidades”, diz.

Geraldo Júlio acredita na revitalização dos espaços urbanos para melhorar os fluxos de pessoas nas cidades. “Não podemos mais ter áreas de usos exclusivos, como um centro apenas de escritórios que fica abandonado à noite, ou bairros apenas residenciais que passam o dia vazios”, disse, apontando intervenções urbanas a partir do poder público como o caminho das soluções. “O mercado imobiliário tem interesses próprios que não necessariamente são do melhor interesse da cidade”, pontuou o prefeito.

Diálogo com especialistas

A roda de diálogos que se seguiu à apresentação do prefeito Geraldo Júlio foi formada por três especialistas da área de urbanismo e segurança: Elkin Velasquez, diretor regional do ONU-Habitat, José Luiz Ratton, sociólogo e idealizador do Programa Pacto pela Vida, e Cesar Barreira, coordenador do Laboratório de Estudos da Violência da Universidade Federal do Ceará e ex-diretor da Academia de Polícia daquele estado.

Falta de coordenação entre os principais atores da segurança pública e despreparo no enfrentamento dos problemas foram dois dos principais obstáculos apontados pelos convidados. Para eles, é muito simplista a forma reducionista como os problemas relacionados à violência são tratados. “Não é uma questão de número de polícias, mas da falta de integração entre elas”, explica Cesar Barreira, que aponta também que as falhas ultrapassam o âmbito das Polícias Militar e Civil. “Quando um inquérito chega a ser instaurado surgem os problemas estruturais para levar um preso ao julgamento. Há entraves nos Institutos Médicos Legais e na forma como os processos são conduzidos”, diz o especialista. E aponta: “Na audiência de instrução tem de estar todos os envolvidos presentes. Falta uma testemunha e o processo vai para o fim da fila”.

No entanto o Brasil, com 29 homicídios para cada 100 mil habitantes, não é o único país da América Latina a apresentar problemas com altos indicadores de violência, a situação é mais ou menos generalizada, tanto na quantidade de crimes como na incapacidade das autoridades em solucioná-los e levar os autores à Justiça. Dados da Organização das Nações Unidas apontam que a taxa de homicídio por 100 mil habitantes na região vai de 90 em Honduras  a alguma coisa entre 5 e 6 no Uruguai e Argentina. Elkin Velasquez, da ONU-Habitat, aponta que segurança ainda é um problema central na América Latina e Caribe. Colombiano nascido em Medellín, conhecida pela violência extrema protagonizada anos 1980, Velasquez viu ações que fizeram cair de 400 para 30 o número de homicídios a cada 100 mil habitantes, principalmente a partir de ações de integração urbana e oferta de serviços públicos.

“As cidades de nossa região se desenvolveram produzindo segregação e precisam de planejamento para sair desse cenário”, disse Velasquez. Ele reconhece que essas intervenções de reestruturação e adensamento urbano custam caro, mas aponta como necessárias se quisermos cidades mais inteligentes e capazes de oferecer melhores serviços e qualidade de vida aos seus habitantes.

O sociólogo José Luiz Ratton apontou diversas falhas estruturais na forma como a questão da violência é enfrentada no Brasil. Principalmente como segregação e o preconceito levam à produção de criminosos e vítimas entre jovens negros pobres e moradores de periferias mal atendidas pelo estado.  “Coincidentemente esse é também o perfil majoritário das cadeias e penitenciárias brasileiras”, explica. Existe uma dicotomia entre a percepção de impunidade que a sociedade tem em relação à violência e a realidade das cadeias superlotadas por todo o Brasil. É por isso que Ratton afirma que “prende-se muito e prende-se muito mal” no Brasil. “Grande parte dos presos são jovens sem histórico de violência que são presos por intermediar a venda de drogas”, explica o sociólogo.  E levanta a necessidade de se repensar as políticas de enfrentamento do tráfico de drogas. “Perdemos essa guerra contra o tráfico”, aponta. Para ele, é necessário mudar completamente o enfoque, como o que vem sendo feito no Uruguai e em diversos estados norte-americanos. “Não podemos ter todo o aparato policial focado neste tipo de crime e não ser capaz de solucionar os crimes violentos que abalam a sociedade e as famílias, que muitas vezes também têm relação com o controle de territórios por parte do tráfico”, pontua. Entre as ações sugeridas está  a adoção de mecanismos de prevenção de vitimização de grupos específicos, como mulheres, jovens e comunidade LGBT (lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais).

A integração entre os principais atores na área de segurança é dos pontos mais destacados por todos os participantes da roda de diálogo mediada pelo jornalista Dal Marcondes, do Instituto Envolverde. No entanto, temas como a unificação das polícias ou a redução da maioridade penal não são aceitos entre os especialistas como uma panaceia  para os males da violência. Cesar Barreira, coordenador do Laboratório de Estudos da Violência da Universidade Federal do Ceará, com experiência na formação de policiais como ex-diretor da Academia de Polícia do Ceará, explica que é necessária a construção de pontes entre as diversas forças para que o trabalho de policiamento e investigação possa ter maior efetividade. “É preciso valorizar os policiais e dar a eles uma quadro institucional mais claro”, explica.  Isso significa principalmente formular ações para resgatar a autoestima dos profissionais que atuam nas polícias, inclusive nas Guardas Municipais, que não devem ser tratadas apenas como vigias , patrimoniais, mas sim como profissionais preparados para manter a integridade da população.

Barreira alerta que existem falsos dilemas nos debates sobre segurança pública. Alguns deles são a redução da maioridade penal ou a aplicação de pena de morte, que segundo o especialista não teriam nenhum impacto real sobre o quadro institucional da violência no Brasil. “É preciso mudar o foco, não podemos mais ficar atrás de pequenos traficantes enquanto os crimes que afetam as famílias ficam impunes por uma desorganização institucional que não atinge apenas as polícias, mas toda a forma como as instituições de estado atuam”, disse.  Outro ponto importante destacado pelos três debatedores é que a existência de duas ou mais corporações com funções na área de segurança e policiamento não é um obstáculo para a qualidade do trabalho. “Na maior parte dos países do mundo existe mais de uma força policial”, disse Ratton, da ONU, que alertou: “Esse é um debate inócuo, porque as Polícias Militares tem muita força no Congresso”, disse.

Um dado pouco explorado nas discussões relacionadas à segurança pública é o impacto que os números e a sensação de insegurança em determinadas cidades ou regiões tem sobre a capacidade de desenvolvimento econômico naqueles territórios. Existe a percepção de queda nos investimentos em áreas de enfrentamento militar, mas poucos são os dados sobre áreas que não estão em zona de conflito, mas apresentam indicadores muito acima da média. O diálogo mostrou que os meios de comunicação tem um papel importante em espalhar a sensação de insegurança, muitas vezes estabelecendo uma percepção maior do que a realidade. Por isso a importância de dar voz aos especialistas e não apenas aos comentaristas da mídia.

Um alerta feito por Ratton com o assentimento dos outros especialistas é que o próximo governo federal, seja quem for, precisará assumir um papel protagonista nas questões relacionadas à segurança pública em todo o país. Não basta ter uma “Força de segurança”, é preciso agir para melhorar a qualidade e efetividade dos sistemas de segurança e Justiça em todo o país.

* Colaborou Dal Marcondes.