Um professor em defesa do Velho Chico

A missão do professor Wellington Magalhães começou com um trajeto de 500 quilômetros de remo pelo Rio São Francisco.

Quando o professor de biologia Wellington Magalhães soube da greve de fome do bispo dom Luis Cappio em defesa do Rio São Francisco, em meados de 2006, na mesma hora decidiu fazer algo pela causa. Assim, Magalhães foi até o oeste da Bahia e percorreu um trecho de 500 quilômetros do São Francisco de caiaque. De volta a Salvador, o professor decidiu abandonar 20 anos de carreira para se dedicar à defesa do rio. Hoje, à frente da Associação Velho Chico, desenvolve ações de educação ambiental e ajuda a conscientizar a todos da importância dos maiores cursos d’água da América Latina.

Portal EcoDesenvolvimento: Como surgiu a ideia do projeto?

Wellington Magalhães: Quando dom Luiz Cappio utilizou como estratégia de luta a greve de fome em 2006, assumindo publicamente sua posição contraria ao projeto do governo federal de transposição das águas do Velho Chico, meus alunos e outros professores ficaram curiosos para entender como estavam realmente as condições ambientais e sociais do Rio São Francisco e do povo ribeirinho. Nesta ocasião sentir um forte apelo interior para ir ao oeste da Bahia conhecer de perto as condições do Rio e do seu povo.

Por ter tido a oportunidade de viver o período da infância e adolescência em uma cidade que trazia no seu cotidiano uma estrutura social de baixo índice de violência e muita área verde preservada, consequentemente a prática de esporte foi uma constante em minha vida. Resolvi então descer o Rio em um caiaque, num percurso de aproximadamente 500 quilômetros, onde vi muita degradação ambiental e social. Então, prometi a São Francisco de Assis que quando chagasse a Salvador faria uma mobilização na cidade para a defesa do Velho Chico.

O professor abriu mão da sala de aula para defender o Rio São Francisco.

Como você decidiu abandonar anos de profissão para cuidar do São Francisco?

Foi uma decisão muito difícil, pois envolvia toda a segurança financeira de minha família, além de 20 anos de emprego em duas grandes escolas de Salvador. Mas depois de muitas reuniões com minha esposa e meus dois filhos, na época 12 e oito anos, decidi transformar a campanha em uma ação mais organizada fundando então a Associação Cultural e Socioambiental Velho Chico (ACSVC).

Outro fator que contribuiu também foi a falta de projetos sérios nas escolas que possibilitassem a ação concreta, que interferissem realmente na esfera social e ambiental. Penso que a educação precisa passar verdadeiramente por uma grande reforma onde a teoria ande de mãos dadas com a prática. E creio que hoje eu consigo conciliar melhor estas duas realidades.

Como tem sido a vida desde então?

Muito difícil, mas ao mesmo tempo extremamente prazerosa, onde a esperança tem sido uma bandeira constante à frente do nosso projeto. A adesão das pessoas à proposta é sempre positiva e torna tanto trabalho em algo muito suave, nos enchendo de esperança quanto ao futuro da associação e do planeta. A maior dificuldade é conscientizar as pessoas de que pequenas ações fazem a diferença em uma grande escala, sobretudo quando se trata de um projeto ambiental.

Logo no início do projeto, em 2007, foram distribuídas mais de 550 cestas básicas para a população carente da cidade ribeirinha de Bom Jesus da Lapa.

Por que optou pela educação ambiental?

Ter tido a honra de conhecer lugares lindos lá pelos anos 1970 e 1980, inclusive o Rio São Francisco, onde vi pela primeira vez uma onça pintada solta na mata, foi encantador.

E hoje encontrar praias e rios literalmente destruídos faz com que não dê para ficar parado sem fazer nada. E o mais triste desta realidade é constatar que quem mais destruiu nossa fauna e flora foram as pessoas que estudaram e acabaram patrocinando, em nome do consumismo, a destruição das floresta e mares nos grandes centros urbanos e no interior. Acho que como pai, eu tenho que fazer a minha parte pelo mundo. E a educação, em parceria com a ação, é uma ferramenta poderosa em busca de mudanças.

Como é sua relação com o Rio São Francisco?

Pelo menos uma vez por ano vou à região oeste da Bahia para olhar e sentir as águas do Velho Chico no corpo. É uma forma de alimentar minha relação amorosa com ele e sua defesa.

O que vocês já conseguiram realizar por meio do projeto?

Por meio da mobilização de 24 instituições educacionais (com a participação de um público de mais de 35 mil pessoas entre docentes, discentes e colaboradores), da Pastoral da Comunicação (Pascom), de empresas privadas e do Programa Chão e Paz transmitido pela TVE-Bahia, a Associação contribuiu para a melhoria da qualidade de vida dos ribeirinhos e para a bacia hidrográfica do Rio São Francisco (região oeste da Bahia) com as seguintes ações:

Em 2007 foram doadas, com o apoio da Diocese, 550 cestas básicas para a população carente da cidade ribeirinha de Bom Jesus da Lapa. Em 2008, foram entregues, na cidade de Barra, a d. Luiz Cappio, sete mil mudas de árvores nativas, plantadas às margens do Rio São Francisco pelos alunos da cidade. Em 2009, ainda na cidade de Barra, foram doadas a d. Luiz Cappio e ao então prefeito Arthur Silva, 15 mil mudas nativas também plantadas às margens do Velho Chico pelos alunos. Nesse mesmo ano, foi realizada uma excursão com 50 crianças carentes da região, filhas de trabalhadores rurais, que passaram um final de semana em Salvador, conheceram pontos culturais da cidade e tiveram a oportunidade de realizar o sonho de conhecer o mar.

O grupo também realiza o plantio de mudas nativas nas margens do São Francisco. Mais de 50 mil árvores já foram plantadas na região graças ao trabalho do professor Wellington.

Em 2010 foram entregues, à Secretaria de Meio Ambiente da cidade de Santa Maria da Vitória, mais de 15 mil mudas de árvores frutíferas, que no futuro contribuirão para a economia local (na geração de renda), por meio da criação de cooperativas que beneficiarão a fruta (sucos, polpas, doces, licores e cocadas). Dentre as árvores, destaca-se o cajueiro, do qual se pode extrair a castanha (fonte de energia renovável), matéria-prima para a geração do biodiesel (projeto do governo federal).

Para 2011, além do plantio de mais 15 mil árvores (para a mata nativa e ciliar da bacia hidrográfica do Rio São Francisco nas cidades de Ibotirama e Xique-Xique), a meta principal é implantar o Projeto de Educação Ambiental e Coleta Seletiva nas instituições de ensino, empresas e comunidades. O objetivo é recolher resíduos, que serão geradores de recursos, e os valores provenientes da reciclagem serão destinados à manutenção das atividades de caráter socioambientais da ACSVC e do Viveiro São Francisco de Assis.

Qual a parte mais gratificante e a mais difícil nessa missão?

Ser reconhecido pelas crianças como o tio Velho Chico, o professor que defende a natureza. E a mais difícil é ainda precisar do apoio financeiro de minha família, esposa e minha mãe para tocar a vida pessoal. Mas sabemos que é uma questão de tempo.

Outra dificuldade é saber que alguns empresários fazem questão dos sacos de lixo, que precisamos utilizar para realizar a coleta nos restaurantes. Esta falta de consciência ambiental somada à usura dos centavos me deixa muito triste.

Outra etapa fundamental do trabalho de Wellington é a educação ambiental em sala de aula. "A educação, em parceria com a ação, é uma ferramenta poderosa em busca de mudanças."

O que te inspira a continuar trabalhando nisso?

Constatar a alegria dos alunos em plantar as árvores nas margens do Rio e saber que este projeto acontece por causa da confiança e da participação dos alunos das escolas. Creio também que estou fazendo um trabalho social e ambiental, que no fim está evangelizando.

Qual o seu maior sonho?

Transformar a associação em uma entidade sólida financeiramente e ser uma referência de organização, honestidade e amor à natureza e a Deus.

* Publicado originalmente no site EcoD.