São Francisco, Estados Unidos, julho/2011 – Para milhões de mulheres de todo o mundo, acaba de ser dado um histórico passo adiante. Desde 16 de junho, as trabalhadoras domésticas conseguiram que o Convênio da Organização Internacional do Trabalho sobre Trabalho Doméstico seja apresentado a todos os governos para ser ratificado e convertido em lei.
Juanna Flores, membro da organização Mulheres Unidas Ativas, em São Francisco, disse que com esta decisão da OIT “as trabalhadoras domésticas, pela primeira vez, não serão mais invisíveis e ignoradas”. Sob este convênio terão a liberdade de se associarem e fazer acordo coletivo. Além disso, declara a abolição de todo trabalho forçado, compulsivo e infantil, e protege os trabalhadores imigrantes ao exigir dos empregadores contratos de trabalho por escrito e executáveis. Agora cabe aos governos adotar as medidas para garantir que os trabalhadores domésticos recebam tratamento igual a todo trabalhador regular, por exemplo, quanto a horas extras, férias e salários mínimos.
Esta vitória é resultado de um incrível esforço de organização das trabalhadoras mais exploradas atualmente, que sofrem múltiplos tipos de opressão, como mulheres, como integrantes de minorias raciais e étnicas e de povos indígenas, ou como imigrantes. Seu trabalho é considerado, em geral, não qualificado e, portanto, devem trabalhar longas horas em difíceis e inseguras condições, são mal pagas e não têm cobertura da previdência social. Muitas, em particular as imigrantes, são vulneráveis diante de diversos perigos, como tráfico de pessoas, abusos sexuais, físicos e psicológicos. Apesar de seu isolamento, as trabalhadoras que impulsionaram este convênio se organizaram em nível local, construíram alianças em seus países e regiões e depois formaram a International Domestic Workers Network, que fez suas demandas chegarem à OIT.
O trabalho doméstico está entre as mais antigas e importantes ocupações femininas. Tem suas raízes no comércio global de escravos, no colonialismo e em outras formas de servidão. Na economia globalizada atual, vários fatores tornam indispensáveis para a economia o trabalho doméstico. Uma parte importante e crescente da população feminina trabalha fora de casa. E poucos governos têm políticas públicas que ajudam as mulheres a conciliar seu trabalho e sua vida familiar, e diminuem cada vez mais os serviços para o cuidado com os filhos e as famílias. Estes fatores provocaram o aumento da demanda por trabalhadoras domésticas que assumam os afazeres domésticos de modo a permitir que outros milhões de mulheres trabalhem fora de casa.
O reconhecimento do trabalho doméstico tem uma significativa relevância no continente americano, onde envolve mais de dez milhões de pessoas. Em 1988, grupos de trabalhadoras domésticas de 11 países se reuniram na Colômbia para criar a Confederação de Trabalhadoras Domésticas da América Latina e do Caribe. Desde então, exerceu pressões sobre seus respectivos governos, e onde obteve maior êxito foi no Uruguai, que tem, desde 2006, a legislação mais avançada em matéria de emprego doméstico, pois o coloca em pé de igualdade com o restante da força de trabalho. Em 2009, o Chile aprovou uma lei para regulamentar o trabalho doméstico e gradualmente fazer os salários se equipararem ao valor do salário mínimo nacional. A Guatemala também criou um programa para fornecer às trabalhadoras domésticas serviços para o cuidado da saúde. Embora quase todos os países americanos estabeleçam um salário mínimo para as trabalhadoras domésticas, este tende a ser menor do que o salário mínimo dos demais trabalhadores.
Mesmo nos Estados Unidos, as trabalhadoras domésticas obtiveram significativas vitórias. Segundo Robert Shepard, do Departamento do Trabalho dos Estados Unidos, “a maioria é de mulheres e jovens, frequentemente integrantes de populações imigrantes que trabalham em locais isolados, são vulneráveis diante de muitas formas de exploração, desde o não pagamento de salários até o tráfico de pessoas”. Em 2010, a organização Domestic Workers United conseguiu a aprovação em Nova York de uma Declaração de Direitos das Trabalhadoras Domésticas, a primeira lei deste tipo no país. Seu sucesso acendeu a chama de esforços semelhantes em outros Estados, como na Califórnia.
Tão efetivo quanto a campanha internacional conduzida pelas trabalhadoras domésticas para a adoção do Convênio da OIT foi o impacto do processo de organização e construção de alianças das próprias trabalhadoras para criar seus próprios espaços de resistência popular contra as condições de opressão, exploração e violência. Elas inspiraram milhões de outras mulheres ao redor do mundo para que, apesar das barreiras que devem vencer, possam conseguir transformações sociais, econômicas e políticas por meio de movimentos coletivos. Envolverde/IPS
* Erika Guevara Rosa é diretora do Programa Regional das Américas e Christine Ahn é analista-chefe de Política e Pesquisa do Fundo Global para Mulheres.